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Suíça decide limitar a entrada de europeus em seu mercado de trabalho

Os cidadãos aprovaram em um referendo reinstaurar as cotas de trabalhadores da União Europeia, o que dá início a uma crise política com Bruxelas

Lucía Abellán

A Suíça abriu uma brecha na estreita relação que até agora mantinha com a União Europeia. Os cidadãos deste país aprovaram neste domingo, em um referendo, um ataque frontal aos seus parceiros comunitários da UE. Por uma maioria estreita de 50,3%, os suíços decidiram impor cotas de entrada para os seus vizinhos europeus, terminando assim com a livre circulação de pessoas em vigor entre ambos os territórios desde 2002. Bruxelas foi rápida em lamentar a decisão e disse que estudará qual será o impacto desta medida sobre a relação bilateral.

O texto referendado nas urnas oferece pouco espaço para a interpretação. Impulsionada unicamente pela União Democrática do Centro, partido de extrema direita, a iniciativa prevê a reintrodução de um sistema de cotas que também permita limitar o acesso aos benefícios sociais e o direito ao reagrupamento familiar dos europeus. Consciente de que esta exigência viola os acordos entre a Suíça e a UE, o texto obriga que eles sejam renegociados dentro de três anos.

“O Conselho Federal [o equivalente ao governo central na Suíça] irá trabalhar para implementar essas decisões sem demora”, garantiu a responsável pela Justiça, Simonetta Sommaruga, que, no entanto, advertiu sobre “as consequências de longo prazo” que o resultado do referendo implica. O órgão máximo de governo da confederação helvética havia se oposto à iniciativa com um argumento que foi enterrado pelas urnas.

O referendo é um claro exemplo da irracionalidade que tomou conta do debate sobre a imigração em todo o continente. A economia suíça cresceu após a entrada em vigor da livre circulação – entre outras coisas porque também estava associado a essa medida o acesso dos produtos suíços ao mercado único europeu – o desemprego manteve-se em um modesto nível de 3%, os salários cresceram 0,6% ao ano e o controle das condições de trabalho é maior do que nunca.

Mas o descontentamento da população diante de problemas distantemente relacionados à imigração (23% dos habitantes da Suíça) e a apreensão com os estrangeiros que ressoa na Europa se impuseram aos números. “É uma votação ligada às emoções. Todos os estudos mostram que a livre circulação beneficiou a Suíça e, em termos de salários, precisamente reduziram as desigualdades porque os salários médios e baixos aumentaram”, argumenta Yves Flückiger, vice-reitor da Universidade de Genebra e especialista no assunto.

“Com o sistema de cotas teremos dificuldades para encontrar a mão de obra que precisamos em um país com muita inovação e que precisa de trabalhadores altamente qualificados”, admite Cristina Gaggini, diretora do sindicato Économiesuisse para a parte francófona do país. Gaggini teme um período de incerteza que se abrirá e avisa que a limitação de europeus “não é a solução para os problemas que os suíços manifestam”.

Raramente vozes tão opostas coincidem em um mesmo diagnóstico. Mischa Von Arb, porta-voz do sindicato Unia, alerta que a proteção dos trabalhadores piorará com o fim da livre mobilidade. Porque junto a isso estava enraizado um sistema de controle das condições de trabalho que prevê penalidades fortes quando a lei é violada. Von Arb destaca, ainda, o erro de diagnóstico da cidadania: “Antes, a imigração na Suíça consistia mais em cidadãos da Espanha, da Itália ou da ex-Iugoslávia que trabalhavam em setores menos qualificados, com baixos salários. Mas agora os imigrantes são, em boa parte, alemães de classe média. E aqueles que trabalham nos setores menos qualificados fazem o trabalho que os suíços não querem fazer”, alega.

Paradoxalmente, nem sequer os defensores da iniciativa argumentam os números. Fabienne Despot, presidente do partido UDC no cantão de Vaud, um dos 26 que compõem o país, admite que as empresas precisam de mão de obra estrangeira, mas que devem buscar “primeiro entre os suíços e, depois, entre os estrangeiros que já estão no país” antes de recrutar outros. Essa é outra das novidades que a iniciativa aprovada nas urnas impõe. “Há uma forte concentração demográfica na Suíça. Poderiam construir prédios mais altos ou tornar terras agrícolas habitáveis, mas muitas pessoas se opõem. Além disso, a rede de transportes está muito pressionada e isso é devido ao efeito da imigração”, disse Despot. Alguns argumentos são muito fracos diante da magnitude do terremoto que a decisão suíça pode causar.

Anular a livre circulação implica fazer o mesmo com os outros seis acordos que vinculam ambos territórios desde 2002. Entre eles, o desaparecimento das barreiras comerciais, a integração das políticas de transporte e o acesso que a Suíça tem (em troca de uma contribuição ao orçamento da UE) aos programas de pesquisa da UE. Bruxelas já havia dado indícios de que qualquer nova decisão sobre a participação da Suíça nestes programas estaria condicionada ao resultado do referendo, dizem fontes da UE.

A razão pela qual a suspensão de um acordo envolve a anulação do resto obedece a chamada cláusula da guilhotina, que Bruxelas introduziu diante do temor de que os suíços, que já haviam anteriormente convocado referendos anti-imigração, buscasse algo similar. Essa suposição se provou verdadeira e provavelmente os prejuízos que o desaparecimento de todo esse marco normativo poderá provocar à Suíça excedem em muito os benefícios de regular a entrada dos europeus.

A votação de domingo também gera desconfiança política em Bruxelas, cujos efeitos são difíceis de avaliar. Um dos elementos que poderão ser afetados é a adesão da Suíça ao espaço Schengen de livre circulação. Embora seja legalmente possível voltar ao sistema de cotas de trabalhadores e manter as fronteiras abertas, na prática isso é complexo de gerir.

Bruxelas “irá examinar as implicações dessa iniciativa no conjunto da relação entre a UE e a Suíça”, anunciou a Comissão Europeia em comunicado. O Executivo comunitário sugere seu desconforto ao avisar que a decisão do governo, disposto a aplicar as disposições da iniciativa aprovada nas urnas, “será levada em conta”.

Ciente dos sentimentos da população, o governo suíço já havia enfrentado Bruxelas ao impor cotas de autorização de trabalho em longo prazo aos europeus (primeiro aos do Leste, em 2012, e depois a todos em 2013). Mas essa possibilidade já estava esgota em maio deste ano para voltar à livre circulação (exceto para romenos e búlgaros, limitados até 2019). Tendo em vista a votação de domingo, essa mobilidade irrestrita será temporária.

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