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SEGUNDA VOLTA DAS PRESIDENCIAIS CHILENAS

Bachelet voltará a presidir o Chile após conseguir uma ampla vitória

A socialista terá de reduzir o grande fosso social nas áreas da saúde, educação e participação das mulheres no mercado de trabalho

Francisco Peregil
Michelle Bachelet durante a votação.
Michelle Bachelet durante a votação.J. Saenz (AP)

Venceu a favorita. A socialista Michelle Bachelet, pediatra de 62 anos, separada e com três filhos, presidente do Chile entre 2006 e 2010, voltará novamente a pisar no Palácio de la Moneda como chefe de Estado. E o fará com a honra de ter vencido com a porcentagem de votos mais alta conseguida por um presidente desde o retorno da democracia. A filha do general Alberto Bachelet, morto depois de torturado pelo regime de Augusto Pinochet (1973-1990), candidata da formação de centro-esquerda Nova Maioria, se impôs à economista conservadora Evelyn Matthey, de 60 anos, filha do general pinochetista Fernando Matthey, por 62% a 37,5%, já tendo sido apuradas 96% das urnas.

A vitória perdeu brilho por causa da elevada abstenção registrada nas primeiras eleições presidenciais realizadas sob a lei do voto voluntário. A abstenção ficou em cerca de 60%, 10 pontos acima da constatada no primeiro turno, em 17 de novembro, que já tinha sido elevada.

De acordo com o que determina a Constituição, Bachelet só assumirá o cargo em 11 de março, quando prestará juramento. A partir de então deverá enfrentar o grande desafio da luta contra a desigualdade. Durante os 20 anos em que governou a centro-esquerda e os quatro da direita, nenhum dos presidentes cumpriu a promessa de reformar o sistema educacional, a grande fábrica das desigualdades. Mas em 2011 os estudantes saíram às ruas e depois disso as ruas não pararam de expressar sua indignação. Agora, serão as ruas que examinarão Bachelet.

A imagem que muitos chilenos têm de si mesmos na América Latina é a de melhor aluno, o menino obediente que se esforça para tirar as melhores notas. É só ver o modo como a grande companhia aérea do país, a Lan, organiza as filas nos aeroportos para se dar conta de que durante os últimos anos muitas coisas foram feiras de forma ordenada e meticulosa. Os passageiros das filas 1 a 8 ficam numa ala e os da 8 à 13, em outra. Ninguém fura a fila. E é só ver esse grande monumento ao capitalismo que é o shopping Costanera Center, em Santiago, para perceber que no país o dinheiro está girando. Com seus seis andares e 60 restaurantes, forma parte de um complexo imobiliário que inclui o arranha-céu mais alto da América Latina: 300 metros com 60 andares e 24 elevadores, nos quais se trafega a 6,6 metros por segundo. De algum modo tinha que ser perceptível que o PIB cresceu desde 2010 a um ritmo de 5,5%, 1 ponto acima da média da América Latina, e que o desemprego é só de 5,7%.

Mas os 300 metros da Gran Torre Santiago não podem ocultar o esgotamento de um sistema onde somente os mais ricos conseguem uma educação suficientemente boa para passar nas provas de ingresso nas duas grandes universidades públicas (que também são pagas). O restante dos chilenos se vê obrigado a se endividar para estudar em universidades privadas, na maioria com péssimo nível docente, e seus diplomas de licenciatura não têm prestígio algum. É como se o melhor aluno tivesse passado, ano após ano, sem aprender a dividir. Sem que haja o interesse necessário por conseguir uma melhor divisão da riqueza.

O economista da Fundação Sol Marcos Kremerman apresenta vários dados: ”Os 5% mais ricos da população ganham 257 vezes mais do que os 5% mais pobres. Um estudo feito no início de 2013 pela Universidade do Chile demonstra que o 1% mais rico concentra 31% da renda. Nos Estados Unidos, o 1% fica com 21%, na Alemanha, com 12%. E o lugar onde mais se percebe a desigualdade é na classe trabalhadora: 50% dos trabalhadores ganham menos de 251.000 pesos chilenos (345 euros). A distância entre um diretor geral e um trabalhador com o menor salário supera cem vezes. Isso tem a ver com as instituições existentes no Chile, que foram criadas durante a ditadura.”

A ativista chilena Roxana Miranda, de 46 anos, se candidatou à Presidência no primeiro turno por um partido que se chama precisamente Igualdade. Durante um debate televisionado perguntou aos outros candidatos se sabiam como as mulheres de seu município, a comuna de San Bernardo, na periferia de Santiago, resolviam os problemas dentários. Muitos chilenos ficaram surpresos ao saber que o fazem com uma pasta à base do cravo que se usa como tempero na comida, porque não têm dinheiro para ir ao dentista. Várias entidades de odontologistas confirmaram as palavras de Miranda.

“Na vida cotidiana sempre se tem de pedir fiado, dinheiro não chega para pagar a luz e a água”, disse Miranda. “Temos que decidir entre os filhos qual tem melhor cabeça e, assim, investimos na educação de um deles. As pessoas se endividam com os créditos hipotecários. Os bancos fizeram negócios até com a moradia social. Há apartamentos de 36 metros quadrados que estão sendo pagos em 20 e 30 anos com taxas de juros de 12% e até de 16%.”

E, no entanto, os grandes shoppings como o Costanera Center estão sempre lotados. “Porque as pessoas curam suas depressões no shopping, fazem sua vida endividando-se. Porque todas essas desigualdades se disfarçam com um televisor de plasma. Mas um shopping não pode ser preenchido com um país inteiro. Há milhões de pessoas que só tratam de sobreviver, de chegar ao fim do mês.”

Além de todas as promessas firmadas, a nova presidente terá de ir pagando outra antiga dívida com seu próprio gênero. Apesar de ter no segundo turno duas candidatas presidenciais mulheres, o Chile é um dos países com maios discriminação trabalhista por questão de sexo. AS mulheres recebem 30% menos que os homens. A organização Comunidade Mulher garante que só 3% dos diretores de empresa no Chile São mulheres. Restam quatro anos pela frente. E muito trabalha por fazer.

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