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Assédio, insultos, trolls... É possível consertar o Twitter?

A plataforma é uma rede aberta e rápida, mas essas virtudes também têm efeitos secundários não tão positivos

Lightcome (Getty Images)
Jaime Rubio Hancock
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Já faz algum tempo que falar sobre o ódio no Twitter se tornou quase um clichê. Há pessoas que lamentam que um comentário com menos de 280 caracteres provoque centenas de respostas raivosas e que um lugar onde é fácil encontrar pessoas e ideias interessantes seja com frequência palco de mensagens repletas de insultos. Alguns sentem falta do Twitter de anos atrás, outros abandonam a plataforma e há quem somente leia e não publique. E há também muitos que usam essa rede social mais do que nunca, mas recomendam bloquear e silenciar.

Na empresa os dirigentes estão cientes dessa sensação de muitos de seus usuários. De tempos em tempos, a plataforma anuncia medidas destinadas a evitar assédio e insultos. Por exemplo, permitindo ocultar comentários ou, em uma alteração mais recente, deixar que o usuário decida quem pode responder aos tuítes. Mas isso não resolve tudo e às vezes até cria novos problemas.

Esses novos recursos fazem parte das medidas que a empresa começou a pôr em prática há dois anos com o objetivo de dar aos usuários mais controle sobre sua "experiência de conversas". Em março de 2018, Jack Dorsey, cofundador e CEO do Twitter, postou uma sequência de tuítes (um thread) explicando que queria que as conversas fossem mais saudáveis, mais abertas e educadas. Dorsey admitiu não ter "previsto ou entendido as consequências negativas" de "uma conversa instantânea, pública e global".

As características que tornam o Twitter um lugar fantástico para seguir o The Voice ou os debates eleitorais (ele não dá esses exemplos) são as mesmas que permitem que haja “assédio, exércitos de trolls, manipulação por meio de robôs e humanos, campanhas de desinformação e câmeras de ecos ideológico cada vez mais divisionistas”. Além disso, qualquer tentativa de consertar a plataforma envolve expor-se a acusações de censura ou viés político e de preocupar-se demais em “otimizar os negócios em vez de atender às preocupações da sociedade”.

O problema que Dorsey e o Twitter enfrentam é difícil de resolver, porque, como o próprio CEO apontou em sua sequência de mensagens, muitas das críticas ao Twitter decorrem dos efeitos colaterais de suas vantagens. Uma plataforma em que publicações podem ser compartilhadas de maneira rápida, fácil e, se necessário, anonimamente, nos propicia o contato com ideias novas e diferentes. Mas também pode facilitar insultos, assédio e mentiras.

As prioridades do Twitter

Suzanne Xie, diretora de Gestão de Produto da empresa, disse a Verne por e-mail que "todos deveriam se sentir seguros no Twitter". "Essa é uma das nossas prioridades", acrescenta. Desde as declarações de Dorsey, a empresa estabeleceu um cronograma de ações para evitar o assédio e a manipulação da plataforma. O Twitter renovou seus termos de uso, que atualmente proíbem mensagens depreciativas com base em raça, gênero, religião e, desde março, idade, deficiência e doenças. Embora isso não evite que às vezes sejam publicadas, é claro.

O Twitter também incorporou algoritmos que, de acordo com a empresa, detectam tuítes abusivos, embora a decisão final seja tomada por um humano. O objetivo é que a responsabilidade da queixa não recaia sobre os usuários, e que se atue antes que vejam esses comentários, no mínimo, desagradáveis. Segundo dados publicados pelo Twitter, atualmente metade dos tuítes excluídos por esse motivo são identificados sem a necessidade de denúncia.

A diretora de Gestão de Produto também menciona outras medidas: por exemplo, desde algumas semanas atrás, como apontamos, a rede social também nos permite decidir quem poderá responder às nossas mensagens: ninguém, todos, as pessoas que seguimos ou as pessoas mencionadas no tuíte. Mas isso não impede que a mensagem seja retuitada com um comentário desagradável. Ou que seja compartilhada uma captura da tela com uma resposta depreciativa (só para citar alguns exemplos).

Xie acrescenta: “Não temos todas as respostas e por isso continuamos envolvendo os usuários em nossos processos: desde o desenvolvimento dos produtos de forma aberta até a garantia de que nossas normas atendam às expectativas das pessoas. Continuaremos a trabalhar para promover uma participação saudável no Twitter”.

Uma mudança profunda ou uma mudança de imagem?

Susana Pérez Soler, autora do livro Periodismo y Redes Sociales (jornalismo e redes sociais), acha difícil tanto para o Twitter como para as demais redes sociais querer introduzir grandes reformas. Mas “houve uma mudança na história. Antes das eleições de 2016 nos EUA, quando Trump venceu, o Facebook e o Twitter insistiam em que só desempenhavam o papel de intermediários. Desde então, eles perceberam o poder e o impacto que têm na agenda pública”.

Essas plataformas não querem se tornar manchetes por degradar o debate público e ajudar a espalhar notícias falsas; portanto, estão pelo menos expressando a vontade de fazer mudanças. Na opinião de Pérez Soler, algumas ações, como a de ocultar respostas, “podem ajudar em casos de assédio”, mas “não na vontade de moldar a opinião pública”. Para que isso seja resolvido “muitas coisas precisam mudar”, incluindo, em sua opinião, os modelos de negócios dessas empresas.

Pérez Soler, que também é professora da Faculdade de Comunicação Blanquerna, da Universidade Ramon Llull, acredita que as regras das plataformas deveriam ser mais transparentes: é frequente que os usuários não saibam por que certos comportamentos são tolerados ou, ao contrário, por que algumas contas foram suspensas.

Silvia Martínez, diretora do Mestrado em Mídia Social na UOC, também é cética: na sua opinião, as medidas tomadas até agora não conseguiram eliminar os comportamentos e as práticas abusivas. A professora enfatiza o peso do "componente emocional" e a "reação automática a certas realidades ou mensagens". Ou seja, o gatilho fácil na hora de tuitar ou responder.

Essa facilidade de responder rapidamente pôs em dúvida até os benefícios do botão de retuíte: No verão de 2019, Chris Wetherell, criador dessa funcionalidade, comparou-a, em uma entrevista ao Buzzfeed, a “entregar uma arma carregada a um garoto de quatro anos de idade”. Até 2009, o retuite era manual, então a mensagem tinha que ser copiada e colada, em um processo que acrescentava um pequeno intervalo de tempo entre a possível indignação e o ato de compartilhar.

Somado a isso, na opinião de Pérez Soler, "o anonimato e a distância propiciados pelo ambiente online", ajudam a criar um "sentimento de imunidade". Como o próprio Dorsey apontou, muitas das vantagens do Twitter criam problemas inesperados. Também ocorre neste caso. Assinar a conta com um apelido pode favorecer comportamentos desagradáveis, mas também é positivo que haja espaços nos quais ele possa ser mantido. Esse anonimato permite, por exemplo, que alguém expresse suas opiniões políticas ou preferências sexuais sem correr o risco de perder o emprego ou, dependendo do país, sem acabar na prisão.

Além de tudo isso, as novas funcionalidades do Twitter também acabam provocando consequências negativas. Por exemplo, com o retuíte de comentário, recurso criado no ano passado (embora, desde 2015 seja possível citar um tuíte): foi pensado para adicionar contexto ou uma nova ideia ao tuíte de outra pessoa, mas é frequentemente usado apenas para responder a esse tuíte e levar a conversa para o público, de modo que todos os seguidores a vejam e não apenas os seguidores de ambas as contas. Não é raro se encontrar um diálogo sem lógica em que cada tuiteiro responde a outro com esses retuítes, tornando quase impossível acompanhar a sequência da conversa. No final, a intenção não é responder, apenas se deseja a exposição diante dos seguidores. E isso, por sua vez, acaba reforçando ainda mais os filtros-bolha e as câmaras de eco: às vezes não tomamos contato com as as ideias dos outros, tão somente sua caricatura.

Não é o único exemplo de uma ideia bem-intencionada do Twitter que pode ser usada para o mal. Desde novembro, é possível silenciar respostas a nossos tuítes. O objetivo é poder ocultar um insulto, por exemplo, de modo que não contamine a conversa. O Twitter avisa que foram ocultadas respostas, o que parece razoável, porque talvez não se tratou apenas de comentários insolentes, mas de opiniões contrárias. Assim, a rede estaria nos alertando para a possibilidade de estarmos lendo uma conversa tendenciosa, na qual vemos apenas as mensagens que fundamentam o tuíte. Mas o que pode acontecer é que um tuiteiro oculta insultos e se depara com novos insultos por ter ocultado aqueles comentários.

Números e emoções

Os problemas que o Twitter enfrenta não vêm apenas de sua formatação. Ele também compartilha outros dois desafios com a maioria das redes sociais. Primeiro, o dos números. Ver como crescem os seguidores, retuítes e curtidas contribui para que passemos mais tempo na plataforma. Mas também tem seus riscos, como lembra Pérez Soler, que observa que ver esses números crescerem nos leva a "inflar nosso ego como usuários". Passamos a produzir conteúdo apenas para que os números aumentem e isso geralmente "incentiva o conteúdo mais simples, mais polêmico", além de "reduzir ou tornar invisível o conteúdo moderado e pausado".

O próprio Dorsey comentou sobre isso em outro ato público, este organizado pela revista Wired: mais do que incentivar uma “conversa saudável”, a rede mostra indicadores de que se busca que os números subam. É uma competição. A empresa anunciou em fevereiro que está pensando em esconder os “curti” e os retuítes de mensagens, de modo semelhante ao que o Instagram está testando desde novembro de 2019.

O segundo problema que o Twitter compartilha com outras redes, e que já mencionamos, é a relevância do conteúdo emocional. De acordo com um estudo realizado por vários psicólogos da Universidade de Nova York, é pelo menos 20% mais provável que compartilhemos um tuíte se ele apelar às emoções.

Como diz Susana Pérez Soler, “os personagens mais controversos ficam mais visíveis ou viralizam enquanto os especialistas moderados ou reflexivos são invisibilizados”. A autora não acredita que seja coincidência que o ápice das redes sociais tenha coincidido com eleições e debates públicos polarizados como o das eleições nos EUA em 2016, o referendo do Brexit ou o procés na Catalunha. De fato, muitas dessas mensagens polêmicas e divisionistas são publicadas por líderes políticos e seus partidos, que, como Pérez Soler salienta, “já sabem como escrever mensagens” que serão recompensadas neste sistema e que, além do mais, acabarão nas manchetes da imprensa. E muitas vezes com a ajuda de bots. 

O EL PAÍS informou que mais de 40.000 bots compartilharam mensagens durante a campanha das eleições de novembro de 2019 na Espanha. “Uma análise de seu conteúdo revela que eles apoiaram todos os partidos, com poucas diferenças: um pouco mais para a coalizão Unidas Podemos, seguida por Ciudadanos, Vox , PP e PSOE.” Além disso, a maioria das mensagens desses bots é negativa: não elogiam os que elas apoiam, mas criticam seus oponentes, precisamente para jogar com o componente emocional e causar indignação. O objetivo não é participar de um debate que ajude a convencer as pessoas que pensam de maneira diferente, mas manter seus próprios eleitores mobilizados e desmobilizar os dos outros.

O Twitter pode se transformar em uma bicicleta?

Consertar tudo isso é difícil. Por exemplo, se o Twitter decidisse promover mensagens longas e ponderadas, não seria mais o Twitter, seria o Blogger ou o Medium. Além disso, não teria esses problemas, mas teria outros. Ou seja, se o Twitter tivesse rodas, seria uma bicicleta.

É muito difícil manter livre de mensagens quentes uma mídia que ajuda, por exemplo, a acompanhar ao vivo as noites de apuração das eleições. E se queremos perfis abertos que ajudem nossas mensagens a chegar longe, também corremos o risco de que essas mensagens não agradem e sejam respondidas com desdém. Como Pérez Soler mencionou, outro problema é o modelo de negócio, baseado na publicidade e no aumento constante no número de usuários e no tempo que eles passam na plataforma.

Não podemos também esquecer em tudo isso a responsabilidade dos próprios tuiteiros, como lembra Silvia Martínez, da UOC: “Uma maior conscientização e educação para a mídia ajudarão os cidadãos a fazer uso crítico dessas plataformas e dos conteúdos que circulam nelas, sendo responsáveis por suas ações e sabendo quais são os limites do exercício da liberdade de expressão”. Que nesta plataforma seja mais fácil insultar do que cara a cara, por exemplo, não significa que não haja problema em fazer isso.

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