Tribuna

Uma sociedade democrática e moderna

Um país que queira sair do subdesenvolvimento deve abrir sua economia, que em grande parte se encontra nesta condição devido à sua estrutura fechada e à asfixia que o Estado lhe imprime

FERNANDO VICENTE

O notável em nossa época não é que haja países ricos, e sim pobres. Como se explica isso? Explica-se porque o populismo, a busca pelo paraíso e os sonhos socialistas ainda continuam vivos, apesar dos desmentidos impressos pela realidade sobre todas as tent...

O notável em nossa época não é que haja países ricos, e sim pobres. Como se explica isso? Explica-se porque o populismo, a busca pelo paraíso e os sonhos socialistas ainda continuam vivos, apesar dos desmentidos impressos pela realidade sobre todas as tentativas ocorridas de organizar a sociedade de acordo com esses ideais. O erro, sobretudo no campo político, continua aprontando das suas, sobretudo nos países subdesenvolvidos. E de imediato não dá a impressão de que isso possa variar.

O que deve fazer um país para sair da miséria, alcançar o desenvolvimento, criar uma economia ao alcance do grosso da população, permitindo a homens e mulheres obter níveis de vida decorosos, e a alguns, os mais esforçados ou visionários, a riqueza com a qual as sociedades mais avançadas premiam quem oferece maiores benefícios? Excluo deste artigo todas as atividades ilícitas.

Um país que queira sair do subdesenvolvimento deve abrir sua economia, que em grande parte se encontra nesta condição devido à sua estrutura fechada e à asfixia que o Estado lhe imprime, pois este geralmente monopoliza a maior parte das atividades econômicas. Enquanto elas se acharem controladas pelo Estado, o resultado é invariavelmente a corrupção, o privilégio de uma minoria de burocratas, o atraso científico e técnico e a dependência em relação ao exterior, sua subordinação aos países mais desenvolvidos e prósperos. “Abrir a economia” é algo que se deve entender, fundamentalmente, como sua privatização, a transferência de uma economia estatizada para uma economia livre, buscando que seja o conjunto da sociedade civil que faça uso dela, e não essa pequena minoria que a mantém nas mãos do Estado, com a lorota de melhor servir à maioria. Quantas vezes ouvimos essa mentira?

A transferência de uma economia estatizada para uma economia livre é relativamente fácil, desde que o governo esteja voltado nesta direção. E, para tal, é indispensável substituir a ideia que as massas e as elites prejudicadas pelo preconceito coletivista fazem do “empresário”. Segundo estas versões, o empresário é um ser egoísta e ávido, que só pensa em acumular dinheiro, para o que se vale de qualquer artimanha e de condutas ilegais, em detrimento das maiorias famintas. Esta ideia é incorreta; é possível que haja alguns empresários com semelhante mentalidade, e em geral se trata de pessoas corrompidas por um sistema que empurra os empresários a agirem desta maneira. Mas, em uma sociedade livre, o empresário é o que se antecipa ao futuro com mais rapidez que seus colegas, por perceber as necessidades próximas, e, pagando seus impostos e criando trabalho, facilita o progresso da sociedade. Essa mudança de mentalidade com relação ao empresário é uma das coisas mais difíceis nos países devastados pelo populismo. Mas isso ocorrerá de maneira irremediável nas sociedades que se “abrem” do confinamento econômico para a liberdade.

“Abrir-se ao mundo” não é só desenvolver empresas privadas dentro dos limites nacionais: é abrir-se a todos os mercados do planeta, procurando estabelecer, desde o começo, lugares onde é possível vender com vantagem os produtos nacionais e adquirir da maneira mais conveniente os que são necessários no próprio local, ou seja, desenvolvendo a economia, aproveitando as características mundiais que os mercados costumam ter hoje em dia, diferentemente do passado, quando se achavam limitados pelos preconceitos da época. Com estas medidas básicas, um país já deveria atrair investimentos estrangeiros.

Existe uma enorme massa de dólares que andam escrutinando o mundo com intenções de investir. Mas não o fazem em qualquer parte, claro. A frase “Não há nada mais covarde que um milhão de dólares” expressa uma verdade. Aqueles dólares procuram segurança, o apoio de instituições internacionais, antes de se arriscarem. Por isso, os países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento devem propor investimentos atrativos e, sobretudo, absolutamente seguros se quiserem atrair seriamente os capitais.

Esta abertura ao mundo corre o risco de estabelecer no país pobre rendimentos desproporcionais, em que alguns setores avançam muito lentamente, e outros, velozmente. Daí as enormes diferenças que, no Chile por exemplo, provocaram aquelas eclosões da classe proletária e ex-proletária, que ia em busca da classe média e não pôde suportar aquela diferenciação na renda.

Para evitar tais diferenças, o liberalismo, motor da democracia, inventou a “igualdade de oportunidades”, uma das essências do progresso que imprimiram à democracia seus ingredientes de maior justiça social no próprio processo de ir saindo da pobreza. No campo da educação, por exemplo. Não é justo que, segundo os setores sociais a que pertencem, as pessoas cheguem à partilha dos benefícios. Quem foi educado, como ocorre nos setores menos privilegiados, em escolinhas miseráveis, com escassos professores, sem aparelhos técnicos nem bibliotecas, está condenado a ter os piores trabalhos, enquanto, por outro lado, os jovens de classes privilegiadas, que podem pagar um bom colégio, têm acesso a ofícios e profissões que os impulsionam a ter os melhores salários e constituir a elite da sociedade. Um país que busca a justiça na liberdade deve gastar somas importantes em criar uma educação pública de altíssimo nível, pagando e preparando os melhores professores e constituindo colégios e escolas que possam competir com as privadas e superá-las. Muitas pessoas acharão que se trata de um ideal impossível. Não é verdade. A França teve uma educação pública de altíssimo nível, que levou líderes operários aos cargos principais. E para mencionar um país “subdesenvolvido”, que então não parecia sê-lo, a Argentina do começo do século passado teve um sistema de educação pública que o mundo inteiro olhava com inveja e admiração.

A igualdade de oportunidades pode funcionar perfeitamente naquele período de abertura, se não quisermos que as distorções e desigualdades atrapalhem o processo de liberação que um país empreende quando quer sair da pobreza. Pode-se aplicar em diferentes áreas sociais, e não só na educação, mas é neste campo onde é preciso reforçar as mudanças, pois é nesta esfera onde se faz sentir mais o privilégio resultante da alta renda e das diferenças intelectuais entre os diferentes setores sociais. Um país que se “abre” ao mundo e a si mesmo deve gastar grandes somas sobretudo no campo da educação, onde todos os gastos deveriam estar permitidos, dentro do possível, para corrigir a marca da desigualdade.

Sobra dizer que a abertura de um país, tanto interna quanto externamente, é mais difícil, e o país fica exposto a ter crises, conflitos e dramas sociais. Essa transição pode se abreviar ou prolongar, de acordo com as condições do país e a demora ou rapidez com que as mudanças sejam aplicadas. Estas não deveriam ser tão rápidas que o país não consiga suportá-los, nem tão lentas que deem a impressão de que nada muda. Mas não é possível ditar uma fórmula válida em relação à velocidade das mudanças. Tudo depende dos dirigentes e do grau de entusiasmo com que o grosso da população aceita essas reformas.

O importante é ter em conta aonde se quer chegar. Um país que se “abre” tanto no interior como no exterior e quer alcançar o bem-estar e a verdadeira justiça social pode suportar as dificuldades que esse trânsito oferece. E saber que os únicos países que prosperaram a obtiveram deste modo.

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