Coluna

Por que o bolsonarismo-raiz engendrado nos gabinetes do ódio não terá futuro no Brasil?

Uma seita com essa força destrutiva e niilista nunca será a vocação de um país que, apesar de todos os defeitos, não renuncia à alegria de viver em paz

Manifestante pró-Bolsonaro protesta em Brasília, no último domingo.Adriano Machado (Reuters)

É difícil ser profeta nesses tempos conturbados, mas pelo que conheço de Brasil o bolsonarismo-raiz, o que se nutre nas cloacas do gabinete do ódio do clã familiar Bolsonaro, não terá futuro nesse país. Logo ficará reduzido a uma excentricidade política que ainda poderá fazer barulho, mas que não será um movimento de peso. Acabará sendo marginal quando aparecer uma proposta democrática alternativa capaz de tirar o país do pesadelo autoritário e grotesco no qual está chafurdando.

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Em que me baseio? No fato de que o chamado bolsonarismo nasce do radicalismo da política vista como guerra, como confronto permanente, como morte mais do que vida.

É bom lembrar que o pai da psicanálise, Sigmund Freud, descobriu, inspirado na filosofia grega, que o mundo se move entre duas grandes pulsões: a do eros, que seria o amor pela vida, à procriação, à sexualidade, ao prazer e ao amor, e de tanatos, que lembra o deus da morte. É o impulso da destruição, da violência e do sadismo.

Segundo Freud, o mundo continua de pé porque o impulso da vida é superior ao da morte. Do contrário, já não existiria. Nós teríamos nos autodestruído.

Acontece o mesmo na política. Há momentos em que o impulso de morte e destruição, o totalitarismo, parece triunfar, mas por fim vencem os valores da vida e da liberdade como aconteceu na Europa após a tragédia da Segunda Guerra Mundial.

Há países que sempre foram mais inclinados a viver sob o tanatos destrutivo e outros preferem crescer sob a força da vida e da liberdade que são as chaves da felicidade.

E o Brasil? Esse é um país que, apesar de um passado de bárbara escravidão que deixou marcas na pobreza e no abandono milhões de pessoas largadas a sua própria sorte, não pertence aos propensos a fomentar fantasmas de morte. Se o Brasil tem pecados, em certos momentos de sua história, é mais por passividade e servilismo ao poder do que pela guerra.

É um país com vocação, em suas diferentes e ricas culturas, ao desfrute da vida. Um país que não é geneticamente guerreiro.

De modo que o bolsonarismo, tal como se apresenta hoje sob a bandeira da violência e da morte, da política vista como um ringue de bairro, não pode criar raízes profundas nesse país.

Eu me atreveria a dizer que o bolsonarismo extremo, o da gritaria, que às vezes pode assustar, não é mais do que uma dessas seitas fanáticas que nascem e morrem sem deixar rastro. Essa política se nutre somente de negatividade. Cria inimigos imaginários e por fim se mostra de uma infantilidade espantosa.

Essas seitas são destrutivas, procuram brigas e se alimentam de símbolos de morte. Basta ver o caixão que levam nas manifestações como símbolo de sua morte anunciada.

Querem sempre guerra e luta porque a paz os assusta. E quando não existem inimigos os criam. Destroem tudo o que evoca o gosto pela vida, a alegria e a liberdade. Por isso não suportaram e assassinaram a jovem negra e favelada, a ativista Marielle Franco.

Essas seitas religiosas e políticas precisam de um mito para suprir sua nulidade como manada. Sofrem de complexo de castração. Professam uma sexualidade doentia adornada com símbolos que beiram a pornografia.

Cultivam os símbolos da morte e da destruição porque viver lhes dá medo. Sua vocação é a satânica de dividir. Agem nos meandros da obscuridade que é o reino da mentira.

Quando não encontram inimigos os inventam. Precisam manter vivo o diapasão do ódio. Por isso nadam com maestria nas águas escuras das fake news.

Negam a compaixão. A bile e o amargor são os primeiros ingredientes de suas cozinhas.

Essas seitas da morte acabam por fim como canibais devorando uns aos outros. A maior curiosidade mórbida, os melhores orgasmos políticos do bolsonarismo-raiz, vêm da paixão pelas armas e por todo o ritual gestual e simbólico da guerra.

O Deus da seita é o dos trovões e dos medos, o vingador, o deus que se compraz com a destruição dos inimigos. Eles que se dizem seguidores da Bíblia nunca entenderão a emoção de Jesus de Nazaré ressuscitando seu amigo Lázaro e ao ver um leproso curado.

Ao final, toda essa agressividade e fome de guerra e conflitos do bolsonarismo-raiz revelam sua incapacidade à felicidade. Eles se afogam em seus próprios instintos de destruição.

Os diferentes sexualmente lhes dão pânico porque ameaçam sua falsa virilidade. A ternura lhes dá medo porque condena sua índole machista.

Eles se sentem melhor às portas de um cemitério do que diante do berço de um recém-nascido. Seus impulsos de morte sempre superam os de vida.

Esses seguidores de morte e luta se assustam diante dos mansos porque definitivamente os desarmados lhes dão medo. Mostram coragem somente diante dos frágeis porque os verdadeiros fortes, que são os que não temem a morte, desnudam sua falsa hombridade.

Não, uma seita com essa força destrutiva e niilista nunca será a vocação de um Brasil que, apesar de todos os seus defeitos, não renuncia à alegria de viver em paz. Só poderão impô-la com a força dos tanques de guerra.

Os dois populares ministros, o da Saúde, Mandetta, e o da Justiça, Moro, ambos recentemente expulsos do Governo, representam juntos, de acordo com as últimas pesquisas, 75% do consenso popular. O que evidencia que o gabinete do ódio está se esgotando. Quem lhes resta? O Brasil não está mais com eles.

Muito otimista? Talvez, mas o pessimismo já deixou nossas gargantas secas demais.

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