Objetivo, agora, deve ser frear velocidade de contágio do coronavírus

Não se trata de deter uma pandemia incontrolável, mas sim de desacelerá-la para evitar a saturação do sistema de saúde

Um homem com máscara diante do Coliseu, em Roma.ALBERTO PIZZOLI (EL PAÍS)
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Não é o fim do mundo, mas temos que nos preparar para uma emergência sanitária. Vêm por aí dias em que teremos que pôr nosso civismo a prova.

Comecemos pelos fatos. Estamos no princípio de uma pandemia por um coronavírus novo que causa a doença Covid-19 (doença do coronavírus-19, na sigla em inglês). Muitos milhões de pessoas se infectarão. A maior parte não terá sintomas, ou apenas sintomas de resfriado comum. Uma minoria precisará se internar num hospital. Provavelmente, menos de 1% morrerá. Como acontece com a gripe sazonal, os idosos e pessoas com doenças crônicas têm um maior risco. Entretanto, este coronavírus é claramente mais letal que o vírus da gripe sazonal.

Como em toda epidemia, o objetivo inicial foi a contenção, algo que já parece inviável: mais de 100 países reportaram Covid-19 e os números continuam crescendo, especialmente na Europa e Estados Unidos. De fato, quanto mais exames são feitos, mais casos surgem. O vírus está sendo transmitido entre a população. Cada vez que damos a mão a alguém ou tocamos a maçaneta de uma porta somos potenciais elos na cadeia de transmissão.

O objetivo atual já não é mais prevenir que as pessoas se infectem, e sim evitar que se infectem muito rápido. Não se trata de deter uma pandemia incontrolável, mas sim de desacelerá-la para evitar a saturação do sistema de saúde. É possível que não possamos evitar um milhão de infecções, mas devemos evitar que esse milhão de infecções ocorram de forma maciça nas próximas semanas. Uma destilação contínua de casos graves está criando problemas nos hospitais; uma enchente seria catastrófica. Nosso futuro está sendo visto atualmente na Itália: hospitais transbordados, UTIs improvisadas nos corredores, agentes de saúde à beira da extenuação e com múltiplas licenças por infecção, ligações desesperadas a médicos aposentados para se unirem à luta…

O objetivo é aplanar a curva epidêmica para impedir um pico de casos que deixe milhares de pacientes sem receber atendimento sanitário adequado. Ganhar tempo para que os pacientes atualmente internados possam voltar para casa, deixando lugar para os futuros. Mas o tempo para agir com sucesso está acabando. A Espanha já notificou mais de 1.600 casos. A Itália, com uma população maior, alcançou esse ponto há apenas 9 dias. Para reduzir a transmissão precisamos implementar medidas temporárias de distanciamento social: evitar aglomerações, cancelar manifestações e outras atividades públicas (grandes shows, cultos religiosos, reuniões científicas...), manter os mais vulneráveis fora da rua, facilitar o teletrabalho e, como já se começou a fazer, suspender aulas em colégios e universidades. É preciso tomar estas medidas drásticas para assegurar que milhares de pacientes possam receber atendimento sanitário adequado.

Os cidadãos devem entender que sua participação é crucial para que o distanciamento social funcione. Cada um de nós pode complementar estas medidas com pequenas coisas: lavar as mãos com sabão várias vezes ao dia, limpar frequentemente as superfícies expostas, tossir no lado de dentro do cotovelo, manter as mãos fora de nariz, olhos e boca… Durante as próximas semanas, não dar a mão a alguém não será uma falta de educação, e sim um sinal de responsabilidade cívica. Cada beijo na bochecha da nossa amiga pode se transformar, indiretamente, no beijo da morte para sua mãe idosa.

As medidas de distanciamento social terão um enorme impacto econômico e pessoal. Mas a alternativa é pior.

Miguel A. Hernán é catedrático de Epidemiologia da Universidade Harvard (EUA), e Santiago Moreno é chefe de serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Ramón y Cajal, de Madri.

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