Comissão que investiga o ataque ao Capitólio nos EUA entra em ação em um Congresso fragmentado
Após meses de disputas partidárias, o comitê inicia os trabalhos nesta terça-feira com sete democratas e apenas dois republicanos
Nesta terça-feira entra em ação a comissão do Congresso dos EUA que investigará o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro, depois que uma turba de partidários de Donald Trump invadiu o templo da democracia norte-americana com o objetivo de bloquear a nomeação de Joe Biden como novo presidente. O ataque deixou cinco pessoas mortas, incluindo um agente da polícia do Capitólio, e forçou os legisladores reunidos que certificavam a vitória do democrata a serem removidos do local e se esconderem com medo de perder suas vidas.
Aquele dia nefasto resultou em um fato sem precedentes históricos: pela primeira vez, um presidente dos Estados Unidos teve que enfrentar um segundo julgamento de impeachment. Pelos acontecimentos de 6 de janeiro, Donald Trump foi acusado de “incitar uma insurreição”, já que seus seguidores foram atacar o Capitólio depois de ouvir um discurso inflamado dele no qual os exortava a “lutar como o diabo” com a finalidade de “recuperar” o país e marchar em direção ao Congresso. Em 13 de fevereiro, o Senado absolveu Trump, que ficou livre das acusações, depois que os democratas não conseguiram atingir a cifra mágica de 60 votos imposta pelo obstrucionismo parlamentar (dois terços da Câmara), tendo votado a favor 57 senadores do Partido Democrata e contra, 43 republicanos.
São muitos os republicanos que desde o início atacam a criação da comissão como uma manobra partidária dos democratas destinada a implicar Trump por seu papel no caos no Capitólio. Também há uma legião que nega que Trump pressionou seus seguidores, sob o grito de Save America (Salvem os Estados Unidos), a invadirem violentamente o Congresso. Cerca de 800 pessoas penetraram no prédio, danificando escritórios e entrando em confronto com a polícia (140 policiais ficaram feridos). Há mais de 500 imputados pelos eventos daquele dia, com acusações que vão de invasão a agressão a policiais, e incluindo atos de vandalismo.
O choque entre a presidenta da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, e os republicanos no Congresso vem comprovando ao longo dos últimos meses a divisão irreconciliável que existe entre os dois partidos, o que dificultou desde o início a constituição de uma comissão que investigue o assalto ao Capitólio. Uma grande tempestade política se desencadeou quando Pelosi anunciou em 1º de julho que a republicana Liz Cheney (filha do vice-presidente de George W. Bush, 2001-2009) faria parte da comissão de investigação. Semanas antes desse anúncio, a representante do Estado do Wyoming fora punida e destituída de sua posição de liderança no Partido Republicano no Capitólio por ter refutado as alegações infundadas de Trump sobre a existência de fraude nas eleições presidenciais de novembro.
Em 21 de julho, Pelosi nomeou oito membros para a comissão de investigação, que incluía sete democratas e um republicano. Dois dias antes, o líder da minoria na Câmara dos Representantes, o republicano Kevin McCarthy, anunciou os cinco membros que seu partido estava recomendando para que examinassem os acontecimentos de janeiro. Nessa quarta-feira, 21 de julho, Pelosi também informou em comunicado que rejeitava a proposta de dois dos cinco congressistas apresentados por McCarthy, Jim Banks (Indiana) e Jim Jordan (Ohio), por terem endossado a falsa teoria da fraude eleitoral denunciada por Trump. A presidenta da Câmara dos Representantes aceitou as outras três recomendações como válidas. Em resposta, McCarthy retirou todos os seus candidatos da mesa de negociações e avisou que não indicaria mais ninguém para aquela comissão se os cinco já indicados não fossem aceitos.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiAlém de Cheney, na comissão presidida pelo representante do Mississippi Bennie Thomson —que é o presidente da comissão de Segurança Interna desde 2019— há apenas um outro republicano, o congressista de Illinois Adam Kinzinger. Kinzinger não é um nome proposto pelo Partido Republicano, mas adicionado por Pelosi à investigação do ataque mais sério que o Congresso dos EUA já conheceu. Claro, se o partido retirou Cheney de sua liderança política no Congresso, Kinzinger poderia sofrer o mesmo destino. Ambos os congressistas poderão ser expulsos por seu partido de seus assentos na Câmara dos Representantes.
Pelosi declarou no domingo que Kinzinger “contribui com grande patriotismo à missão da comissão: chegar aos fatos e proteger a democracia”. O republicano deixou claro seu objetivo ao concordar em se juntar à missão de averiguação: “Deixe-me ser claro, eu sou um republicano que acredita em valores conservadores e que jurou defender a Constituição e, apesar do fato de que esta não é a posição que eu queria ou busquei, quando o dever me chamar eu sempre responderei”, disse o congressista.
Respondendo a perguntas da imprensa nesta segunda-feira durante uma cerimônia no jardim da Casa Branca, McCarthy chamou Cheney e Kinzinger de “republicanos de Pelosi”. “Quem? Adam e Liz? “, zombou o republicano, devolvendo uma pergunta carregada de ironia aos repórteres: “Não são por acaso esses o tipo de republicanos de Pelosi?”. O líder da minoria na Câmara não quis responder aos repórteres se ele planejava punir os dois políticos de alguma forma por concordarem em fazer parte da investigação. Questionada na entrada de uma das salas onde a primeira audiência da comissão estava sendo preparada nesta terça-feira, Cheney se limitou a responder às palavras de McCarthy dizendo que elas eram “bastante infantis”.
Pelosi continua defendendo a necessidade do painel: “Acredito que esta comissão, para conquistar a confiança do povo americano, deve atuar de uma forma que não tenha nenhum partidarismo, trata-se de patriotismo”. “Estou muito orgulhosa dos membros da comissão e muito confiante de que alcançarão esse objetivo. Temos que voltar a ignorar as palhaçadas de quem não quer encontrar a verdade “, declarou o democrata.
Numa última tentativa desesperada de dar uma imagem —inexistente— do bipartidarismo, os democratas deram destaque à figura de Liz Cheney e anunciaram que a filha do ex-vice-presidente de Bush daria uma das duas declarações de abertura da audiência sobre a investigação do assalto ao Capitólio. A sessão desta terça-feira será dedicada a quatro policiais que, em 6 de janeiro, defenderam o Congresso com sua vida, enquanto sofriam abusos verbais e físicos.
Inscreva-se aqui para receber a newsletter diária do EL PAÍS Brasil: reportagens, análises, entrevistas exclusivas e as principais informações do dia no seu e-mail, de segunda a sexta. Inscreva-se também para receber nossa newsletter semanal aos sábados, com os destaques da cobertura na semana.