Os campeões sem medalhas que a Olimpíada de Tóquio revelou ao Brasil

Brasileiros fazem campanha excepcional nos Jogos Olímpicos e alcançam resultados históricos, apesar da falta de investimentos públicos e da pandemia

O atleta Darlan Romani, que representou o Brasil no arremesso de peso em Tóquio 2020.
O atleta Darlan Romani, que representou o Brasil no arremesso de peso em Tóquio 2020.HANNAH MCKAY (Reuters)
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Third-placed Brazil's Alison Dos Santos celebrates after competing in the men's 400m hurdles final during the Tokyo 2020 Olympic Games at the Olympic Stadium in Tokyo on August 3, 2021. (Photo by Andrej ISAKOVIC / AFP)
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Mayra Aguiar conquista bronze histórico para o Brasil no judô na Olimpíada de Tóquio
Tokyo 2020 Olympics - Gymnastics - Artistic - Women's Floor Exercise - Medal Ceremony - Ariake Gymnastics Centre, Tokyo, Japan - August 2, 2021.  Rebeca Andrade of Brazil poses with her medals in front of the olympic rings. REUTERS/Lindsey Wasson
Rebeca Andrade, eternizada na história das Olimpíadas

Darlan Romani não subiu ao pódio nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 por pouco, mas a ausência da medalha não impediu este atleta catarinense de conquistar o coração dos brasileiros. O carismático arremessador de peso fez a quarta melhor marca entre atletas da modalidade ―21m88― e ficou a somente 59 centímetros de conquistar a medalha de bronze para o Brasil na categoria. Foi o melhor desempenho de um arremessador brasileiro em Olimpíadas. Antes mesmo de Tóquio, ele já havia feito história. Na Rio 2016, terminou em quinto lugar, tornando-se o primeiro brasileiro a se classificar para uma final olímpica em 80 anos. Aos 30 anos, Darlan Romani é um dos campeões sem medalha que Tóquio revelou ao mundo, a despeito da pandemia de covid-19 e da falta de políticas públicas e incentivos ao esporte do país.

A semelhança com o personagem Sr. Incrível, da Pixar, o inusitado gesto que repetia nas entrevistas (segundo ele, um recado para a filha que o acompanhava do Brasil), e a simpatia tiraram Darlan Romani do quase anonimato, um feito geralmente reservado aos medalhistas. O caminho até o Japão foi longo. Em 2020, ficou sem ter onde treinar durante o período de lockdown e improvisou o local de treinos em um terreno atrás de sua casa. A imagem viralizou, e ele correu para explicar que era uma exceção, após a notícia de que os fãs tinham feito até vaquinha virtual para apoiar sua preparação para a Olimpíada de Paris 2024. Também sofreu com a covid-19, mas se recuperou e deu “200%” em Tóquio, num bordão que repetiu em cada avanço na competição. “Tem um novo ciclo, dessa vez mais curto. Se eu dava 200%, agora vou dar 300%”, disse o atleta, emocionado, ao se despedir dos Jogos.

Em Tóquio, o Brasil encerrou sua participação com 21 medalhas (sendo sete ouros) e a 12ª colocação no ranking de países, o melhor desempenho brasileiro na histórica das Olimpíadas ―cem anos após a estreia em uma competição. Mas bons resultados não são feitos somente de pódios. Muitos atletas do Brasil que foram ao Japão obtiveram marcas inéditas em suas modalidades, embora não tenham voltado com medalhas.

“Devemos reconhecer e celebrar as conquistas desses atletas que não conquistaram medalhas e lembrar que só estão ali [nas Olimpíadas] os melhores do mundo. A vitória depende de competência técnica e do dia perfeito. E ninguém tem controle sobre o dia perfeito”, comenta Katia Rubio, professora da Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro Atletas olímpicos brasileiros. A especialista lamenta que resultados historicamente expressivos percam espaço para as narrativas de derrotada, muitas vezes acentuadas, inclusive, na cobertura midiática.

O remador Lucas Verthein.
O remador Lucas Verthein. LEAH MILLIS (Reuters)

Um desses resultados históricos foi o do remador carioca Lucas Verthein, de 23 anos, atleta do Botafogo, que teve o melhor desempenho de um brasileiro na modalidade olímpica, ficando em quinto na semifinal do skiff simples, com tempo de 7m02s87. Para chegar a esse resultado, Verthein acordava às quatro da manhã para conciliar o treinamento de atleta de elite com o trabalho em uma loja de produtos de informática, as corridas de bicicletas para entregar marmitas preparadas por sua mãe e as aulas do curso superior de administração de empresas. Aos 13 anos, o garoto que vivia trancado no quarto jogando videogame —aprendeu inglês assim— recebeu o convite de um amigo para treinar remo no Botafogo e nunca mais parou. Foi o único atleta do país nessa modalidade em Tóquio.

As jornadas de sacrifício não são exclusividade, no entanto, dos atletas que não chegaram ao pódio. A ginasta Receba Andrade, de 22 anos, que fez história ao conquistar, no salto, a primeira medalha de ouro a ginástica feminina do Brasil recebe em Jogos Olímpicos, além da prata no individual geral, enfrentou adversidades socioeconômicas para seguir no esporte. Tendo começado na ginástica aos 10 anos, em Guarulhos (SP), ia a pé para os treinos ou na garupa da bicicleta do irmão. Por vezes, tinha que dormir na casa dos treinadores, onde a mãe ia andando entregar o dinheiro do transporte para as competições. Sem patrocínio, a atleta tratou de lesões que geraram cinco cirurgias no joelho até se consagrar campeã olímpica.

Por isso, argumenta Katia Rubio, é legítimo falar em superação no esporte. “É uma palavra que foi banalizada, mas não existe esporte sem mérito. E não me refiro à meritocracia neoliberal, mas no esporte você não compete com o outro, e sim consigo mesmo e com suas próprias circunstâncias”, defende. Vale lembrar que tanto atletas laureados, como Rebeca Andrade, quanto os que ficaram no quase, como Darlan Romani nadam contra uma corrente de falta de investimentos esportivos. O programa Bolsa Atleta, do extinto Ministério dos Esportes, registrou entre 2017 e 2021 o menor orçamento em comparação ao ciclo olímpico anterior, numa queda de 17%. Para as mulheres, o cenário é ainda pior: 34,8% das garotas desistem de seguir carreira em alguma modalidade esportiva por falta de incentivos, de acordo com uma pesquisa feita pelo Ministério dos Esportes.

Ana Sátila, que representou o Brasil na canoagem slalom.
Ana Sátila, que representou o Brasil na canoagem slalom.Kirsty Wigglesworth (AP)

Literalmente remando contra a maré, Ana Sátila, de 25 anos, que representou o Brasil na canoagem slalom, tornou-se a primeira brasileira finalista na modalidade na história das Olimpíadas, ficando em décimo lugar. Natural de Primavera do Leste (MT), Sátila começou remar aos nove anos por influência de seu pai, Cláudio, que dava aulas de natação e com quem passou a treinar todos os dias pela madrugada. Em 2012, com apenas 16 anos, foi a mais jovem integrante da delegação brasileira nos Jogos de Londres, e repetiu a experiência no Rio 2016, quando uma vitória olímpica já era vista como possível. “Eu só pensava na medalha, eu queria essa medalha, era o meu sonho. Dormia sempre pensando nisso e acabei falhando”, contou em entrevista ao canal CNN Brasil. “Mas depois vi que essa derrota foi o que mais me ensinou em toda minha carreira esportiva”, completou. Para chegar a Tóquio, seu principal obstáculo foi a pandemia, que a impediu de praticar na água, obrigando-a a improvisar treinos em casa.

Quem também fez história em Tóquio 2020 foi Hugo Calderano, de 25 anos, que levou o Brasil às quartas de final do tênis de mesa pela primeira vez nos Jogos Olímpicos. O mesa-tenista carioca, atual sexto colocado do mundo pelo ranking da Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF, na sigla em inglês) já havia trazido resultados impressionantes no Rio 2016, quando igualou a disputa das oitavas de final, um patamar conquistado pela primeira vez na Olimpíada de Atlanta, em 1996, por Hugo Hoyama. Filho e neto de professores de Educação Física, Calderano praticou atletismo —foi campeão em salto em distância—, jogou vôlei, futebol e basquete antes de se apaixonar pela raquete. Entrou na escola de tênis de mesa com oito anos e, aos 11, participou de seu primeiro campeonato brasileiro, faturando logo o bronze. Mais uma prova de que, em qualquer esporte, o que não falta é talento brasileiro.

O mesmo pode ser dito do carioca Marcus d’Almeida, que finalizou os Jogos Olímpicos em nono lugar no tiro com arco, igualando o melhor desempenho da história do país, que era de Ane Marcelle, nos Jogos do Rio 2016. Depois de pegar no arco e flecha pela primeira vez aos 12 anos, em um teste da Confederação Brasileira de Tiro com Arco (CBTArco) em Maricá (RJ), onde foi criado, D’Almeida despontou nos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim, na China, em 2014, ano em que ganhou três medalhas de ouro nos Jogos Sul-americanos e uma prata na Copa do Mundo. Os bons resultados lhe renderam o apelido de “Neymar arqueiro”. Um ano depois, ele fez parte da equipe que quebrou o jejum de 32 anos sem pódio ao ser bronze na competição por equipes nos Jogos Pan-Americanos de Toronto em 2015.

Katia Rubio celebra que o Brasil esteja criando tradição e abrindo espaço em novas modalidade. “Quem acompanha o mundo esportivo, sabe que nossos atletas estão fazendo uma campanha excepcional. Esses resultados ainda são frutos das políticas públicas criadas com foco no Rio 2016″, explica. Com o Governo de Jair Bolsonaro, que extinguiu o Ministério do Esporte, a especialista teme o que está por vir. “Me preocupa como chegaremos às Olímpiadas de Paris em 2024″, admite. Talento, já sabemos que há de sobra.

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