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Demissão de Marcelo Odebrecht revela guerra familiar e por poder

Conselho de administração da companhia aprovou demissão por justa causa do empresário após recomendação do MFP e do Departamento de Justiça dos EUA

Marcelo Odebrecht, em imagem de setembro de 2015, época em que foi preso na Lava Jato.
Marcelo Odebrecht, em imagem de setembro de 2015, época em que foi preso na Lava Jato.Heuler Andrey (AFP)

O funcionário celetista Marcelo Bahia Odebrecht, ex-presidente do grupo fundado por seu avô, foi demitido nesta sexta-feira por justa causa. Na prática, já havia perdido o cargo quando foi obrigado a renunciar em dezembro de 2015, após ser preso na Operação Lava Jato. Agora perde também o salário de 115.000 reais mensais e todos os benefícios — advogados, motoristas, secretários, assessores, seguranças — que a empresa garantiu, inclusive, durante os dois anos em que esteve preso, após ser condenado por corrupção.

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O empresário de 51 anos, no entanto, sai com 310 milhões de reais, dos quais 240 milhões já foram pagos pela companhia, fruto de um acordo feito com a empresa para que ele aceitasse assinar a delação premiada com o MPF. Além de uma participação minoritária de 2,79%, que lhe garante alguma presença nos negócios do grupo, via Kieppe, holding da família controladora.

Em nota, a Odebrecht informa que o “desligamento do funcionário” atendeu à recomendação feita em outubro deste ano pelos monitores externos independentes do Ministério Público Federal (MPF) e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), que atuam na empresa há dois anos e meio. A “recomendação” tinha até o dia 31 de dezembro deste ano para ser acatada. Dos herdeiros, apenas Mauricio Odebrecht, o irmão mais novo de Marcelo, permanece no conselho da companhia.

A recomendação dos monitores foi de que nenhuma pessoa sem um “programa de ação” definido — basicamente uma tarefa que justifique sua contratação —, permanecesse no quadro de funcionários. Este era o caso de Marcelo, que, conforme o acordo de leniência, estava impedido de ter qualquer atuação na companhia. Apesar disso, quando teve sua pena progredida para o regime semiaberto, em setembro deste ano, voltou a frequentar a sede da Odebrecht em São Paulo. Dos 77 delatores da empresa, os monitores haviam autorizado a permanência de 19 no dia a dia dos negócios. Hoje apenas nove ainda trabalham na empresa.

Internamente, no entanto, a presença de Marcelo causava incômodo. O acirramento da crise familiar dos Odebrecht, que se arrasta desde o começo das investigações da Lava Jato, foi um fator determinante na decisão. Marcelo nunca concordou com as decisões tomadas pelo pai, Emílio, para salvaguardar a empresa. Mesmo preso, negava a possibilidade de fazer delação, uma medida defendida por seu pai, que conseguiu escapar da prisão.

Briga de cunhados

Recentemente, os embates familiares voltaram a ganhar as páginas dos jornais. O novo presidente da empresa Ruy Sampaio, que assumiu os negócios neste mês no lugar de Luciano Guiodolin, falou ao jornal Valor Econômico nesta sexta-feira que Marcelo está chantageando a empresa por “dinheiro e poder”. “Marcelo é passado na organização. É página virada. Ele precisa entender e aceitar isso”, afirmou na entrevista. A Odebrecht tem pressa em resolver as contendas familiares dos herdeiros já que retoma em janeiro de 2020 as discussões sobre o plano de recuperação judicial da empresa.

Do outro lado, o ex-presidente da Odebrecht tem acusado seu pai e seu cunhado, Maurício Ferro, de terem levado a empresa à falência, ao fecharem acordos que beneficiaram apenas seus próprios interesses. Em relato entregue ao MPF, o empresário mudou a versão anterior e disse que havia, sim, orientado, quando já estava preso, os principais executivos da empresa a fazerem acordos de delação. Agora, porém, ele diz que sua mensagem dita ao cunhado, então diretor jurídico da companhia, não foi repassada aos demais.

Marcelo começou a trabalhar na Odebrecht logo após se formar no curso de engenharia civil, em 1992. Atuou como engenheiro júnior na construção de prédios em Salvador e depois nas obras da hidrelétrica do rio Corumbá, em Goiás. Inicialmente, de forma anônima. Em meio ao exército de engenheiros da empresa, não utilizava o sobrenome famoso para evitar o assédio aos herderios. Mas já no começo do milênio decidiu lutar por uma posição de liderança nos negócios, o que não agradou ao pai, que preferia uma sucessão profissional. Foi seu avó, o fundador Norberto Odebrecht, então com 82 anos de idade, que alçou Marcelo ao comando da construtora com apenas 34 anos, enquanto Emílio assumia o conselho de administração.

A Marcelo sempre se atribuiu o crescimento exponencial da Odebrecht, o que o novo presidente, Ruy Sampaio, contesta. “Ele recebeu uma empresa com quatro áreas de negócios e, em seu projeto de poder, aumentou para 17. Ele queria, a qualquer custo, ser o maior empresário da América do Sul. Este projeto de poder, que usou corrupção, nos trouxe a isso”, disse em entrevista ao Valor. Sampaio ingressou na companhia em 1985 e passou pelos anos dourados — a partir de 2009, quando Marcelo assume os negócios —, na diretoria da Kieppe, controladora da empresa, que também se beneficiou da corrupção.

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