Goiânia vive o luto por Marília Mendonça
Bares da cidade ficam vazios na noite de sexta. Corpo da artista, morta aos 26 anos em um acidente de avião, é velado em meio a fila de fãs emocionados
A mesa no canto da calçada do bar Aquarius ficou vazia na noite desta sexta-feira. Era ali que Marília Mendonça, de 26 anos, costumava sentar nas tardes de segunda. Em respeito a ela, o local foi reservado à ausência, após a morte da cantora sertaneja ocorrida horas antes em um acidente de avião. “Estamos em choque”, resumiu o gerente do bar, Valmir Cristino Carvalho, mostrando o prato preferido da artista, uma porção de tilápia. A noite no Parque das Laranjeiras, área mais badalada de Goiânia, foi de tristeza. Os bares, que costumam lotar às sextas-feiras, estavam vazios. A cidade lar do sertanejo, que viu Marília se transformar em um ícone da música brasileira com suas letras de sofrência, está em luto. Perdeu precocemente uma de suas filhas mais queridas. “Marília cantava o que era a gente. Nenhuma canção fugia da realidade de quem ama”, se emocionava a odontóloga Taís Alves, uma das poucas a ocupar uma das mesas do Aquarius nesta sexta, ao lado do marido, o advogado João Vitor Franco. “Esse era o ambiente dela. O bar nunca mais vai ser o mesmo”, afirmava.
A dona do vozeirão rouco que começou a compor aos 12 anos, se transformou na artista mais popular do brasil do momento e ganhou um Grammy Latino em 2019, agora deixa um vazio na cidade. Enquanto os bares não tinham quase ninguém, a dois quilômetros dali uma fila começava a se formar às 22h em frente ao Ginásio Goiânia Arena, para onde o corpo da artista seria levado no dia seguinte. De Morrinhos, cidade a três horas de Goiânia, Laiene Rodrigues, de 32 anos, foi a primeira a chegar para a despedida. Emocionada, chorava ao relembrar canções que marcaram a carreira de Marília e de sua própria vida. “Ela cantou a minha vida. Eu não estou acreditando”, disse. Com depressão após uma desilusão amorosa, Laiane é representação de um público que se amparava nas estrofes que iam da melancolia à superação. “Sofri muito por amor e eu ia dormir ouvindo Marília. Tomava banho ouvindo Marília. Eu ligava a música dela para não morrer de tristeza.” Outra fã, Thaís Bahia, de 18 anos, estava inconsolável. “Não tenho palavras. Ela era a minha voz. O que eu não conseguia dizer, ela dizia”, resumiu, já na fila na noite de sexta-feira.
O corpo da cantora chegou por volta de 12h30 deste sábado ao ginásio, junto ao de seu tio Abicieli Silveira Dias Filho. Ambos morreram durante a queda do avião que levava Marília e sua equipe para um show na cidade de Caratinga, em Minas Gerais. O Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos), da Força Aérea Brasileira, apura se a causa da queda teria sido a colisão com fios de alta tensão. Além da artista e do tio, morreram ainda o produtor dela, Henrique Ribeiro, o piloto e o copiloto da aeronave. Antes mesmo da abertura dos portões, a fila de fãs para entrar no local já reunia milhares de pessoas.
Arislane Curado da Conceição, de 26 anos, foi uma das que esperaram na fila de cerca de um quilômetro que se formava às 15h na porta do ginásio. Há alguns meses, ela recebeu um vídeo de Marília agradecendo uma tatuagem que a fã fez na panturrilha com a frase: “a culpa é sua por ter esse sorriso ou a culpa é minha por me apaixonar por ele?, letra de De quem é a culpa?, um dos sucessos da cantora. “Aprendi com a Marília o que é amor, o que é sofrimento, o que é sobreviver. Através dela aprendi o que é um relacionamento”, ressaltava, após se despedir da artista. A enfermeira Renata Lima de Souza havia enviado um direct no Instagram para a cantora menos de 30 minutos antes do acidente. Ouvindo a mais nova música, Todo mundo menos você, ela chorava, sozinha, sentada no meio fio assim que deixou o ginásio. “Eu botava a música dela para malhar, para dirigir. Estou no terceiro casamento e ela cantava o dia a dia de uma mulher frustrada, mas que acaba superando. Não tem música melhor que Supera”.
“Eu só escutava só rock, mas andando na cidade, comprando cigarro ou coxinha eu ouvia aquele trem e gostei. Ouvia no fone com vergonha dos amigos. Em 2017 eu passei um tempo em São Paulo, ouvia Marília e sentia saudade. Ela me ajudou a quebrar o preconceito e me encontrar com a cultura de Goiás. Ela era antibolsonarista e me representava muito”, conta a estudante de direito Geovanna Rosa, de 25 anos, também neste sábado. “É uma tristeza sem tamanho. O sertanejo ficou empobrecido.”
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