A rebelião contra Ellen DeGeneres: a humorista mais famosa de Hollywood não escapa de ter de prestar contas

O programa da apresentadora, uma referência nas manhãs televisivas nos Estados Unidos, está sob investigação depois das denúncias de vários funcionários. Um episódio que se une à longa lista de acusações que pedem o desmascaramento da humorista.

Aos 62 anos, a humorista Ellen DeGeneres atravessa um dos piores momentos de sua carreira profissional.GETTY
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Em Ellen DeGeneres: Bem Relacionada (Relatable), seu primeiro monólogo em 15 anos, pelo qual a Netflix lhe pagou o equivalente a 104 milhões de reais, Ellen DeGeneres evidencia a obsessão que a acompanha ao longo de toda a sua carreira. “Somos todos iguais e somos todos próximos”, diz, sem se ruborizar, a apresentadora da Louisiana, convencida de que o fato de ela também se irritar quando os garçons não anotam por escrito os pedidos pode fazer com que até uma cabeleireira do Queens se identifique com alguém que, no ano passado, embolsou o equivalente a 460 milhões de reais. Aquela que substituiu Oprah Winfrey no coração dos lares dos Estados Unidos com seu programa matinal de TV (The Ellen Show) e se tornou a voz por excelência do coletivo LGBTI na mídia conquistou seu status de totem ostentando uma proximidade sem comparação na indústria. Com suas danças improvisadas, seus sustos nos famosos e suas ações de caridade, Ellen ergueu um império baseado na encarnação midiática da bondade, mas que, segundo as últimas revelações daqueles que ajudaram a erguê-lo, nada mais é do que um castelo de cartas.

A WarnerMedia, produtora do programa de Ellen DeGeneres, iniciou uma investigação sobre a suposta cultura tóxica que reina nos bastidores do formato, segundo informações publicadas pela Variety. Dezenas de funcionários anteriores e atuais apresentaram queixas nas últimas semanas sobre diferentes casos de intimidação, desprezo e assédio vividos no ambiente de trabalho, tolerados ou promovidos por seus responsáveis. As investigações são um novo golpe para a reputação da apresentadora que fez do “Be kind” (“seja amável”) seu leitmotiv vital e até comercial, e põem em xeque as palavras que lhe dedicou ninguém menos que Barack Obama ao lhe entregar a Medalha da Liberdade ―a maior honra civil que pode receber um cidadão nos Estados Unidos― em 2016: “Uma e outra vez, Ellen DeGeneres nos demonstrou que um único indivíduo pode tornar o mundo um lugar mais divertido, mais aberto e mais carinhoso”.

Ellen DeGeneres apresentou seu ‘talk-show’ de sua mansão no confinamento.

“É muito bom quando te dizem ‘olá’ antes de começar o programa. Ela não fez isso.” Foi em fevereiro que Nikkie de Jagger, blogueira de beleza holandesa conhecida por sua conta no Instagram NikkieTutorials, atreveu-se a censurar publicamente o comportamento da apresentadora durante sua visita ao programa. À confissão da instagrammer, que chamou DeGeneres de “fria e distante”, seguiu-se depois um tuíte do comediante Kevin T. Porter no qual convidou seus seguidores a compartilhar suas histórias sobre aquela que ele definiu como “uma das pessoas mais malvadas” do mundo. Milhares de respostas traçaram uma Ellen ditatorial que controla até os almoços de sua equipe, obriga qualquer interlocutor a mascar chiclete antes de falar com ela por seu “nariz sensível” e não cumprimenta os trabalhadores do programa.

Em seu caminho para se tornar uma das pessoas mais queridas dos Estados Unidos, DeGeneres também foi acusada de ficar em cima do muro em um período de tensão política extremamente alta. Não só por sua recusa em usar seu programa como alto-falante de suas críticas ao presidente Donald Trump (“Não sou uma comediante política”), mas também por aparecer em público com figuras tão polêmicas como o ex-presidente George W. Bush, com quem mantém uma estreita amizade. Uma confraternização censurada por celebridades como Susan Sarandon e Mark Ruffalo, que declarou no Twitter que “enquanto Bush não for levado à Justiça pelos crimes de guerra no Iraque, não podemos nem começar a falar da amabilidade solicitada por DeGeneres”.

O isolamento devido à crise do coronavírus só piorou a imagem de proximidade da humorista que marcou um antes e um depois em 1997, ao se tornar a primeira protagonista lésbica de uma ficção de uma grande rede de TV nos Estados Unidos. Fez isso em sua sitcom Ellen, em um episódio que é considerado um divisor de águas na cultura pop, mas esteve a ponto de arruinar sua carreira, com várias empresas retirando seus anúncios da rede ABC e grupos cristãos pedindo o boicote da série, que seria cancelada um ano depois. “Este vídeo acaba de me chamar de pobre em cinco idiomas diferentes”, comentou uma de suas seguidoras no Instagram de DeGeneres quando a apresentadora lamentou um dilúvio que tinha estragado seu dia, enfocando um jardim quilométrico e uma piscina infinita. O barulho na mídia cresceu quando DeGeneres afirmou, sentada no meio da sala de sua mansão multimilionária nas colinas de Los Angeles, que estar em quarentena “era como estar na prisão”, demonstrando uma falta de sensibilidade que levou à criação do termo smugsolation, criado com as palavras em inglês para “ostentação” e “isolamento”.

Em abril, a suspensão das gravações de seu talk-show no cenário habitual provocou a indignação pública de mais de 30 trabalhadores, que denunciaram na Variety ter sofrido uma redução de 60% no salário, sem aviso prévio nem preocupação com sua saúde mental ou física. A equipe ficou sabendo pelas redes sociais que DeGeneres tinha preparado um novo set de gravação em sua própria casa, contratando uma empresa externa para isso. Apesar desses fatos, a humorista declarou no ar que o único motivo de seu retorno precoce à grade de programação ora “o bem-estar de seus trabalhadores”.

Esta é a fase mais turbulenta atravessada pelo The Ellen Show desde sua estreia, em 2003, um formato líder em sua faixa horária, ganhador de 61 prêmios Emmy. As revelações de uma reportagem do Buzzfeed News publicada em julho foram o golpe mais duro para o programa. Dez funcionários definiram como “cultura tóxica e intimidante” o ambiente de trabalho no estúdio, acusando diretamente os produtores executivos do espaço, mas também DeGeneres por seu desinteresse pelos fatos ocorridos atrás das câmeras. Entre as principais acusações estão as de dois trabalhadores que afirmam ter sido demitidos porque foram a um funeral e ficaram em licença médica e a de um funcionário afro-americano que corrobora ter tido de suportar comentários racistas. “Toda essa merda do ‘seja amável’ ocorre só quando ligam as câmeras, é tudo pelo espetáculo”, sustenta uma fonte anônima. Os responsáveis pelo programa divulgaram um comunicado “lamentando profundamente” as más experiências narradas no artigo e manifestando seu compromisso de “fazer melhor” de agora em diante.

“À medida que fomos crescendo de forma exponencial, não consegui ficar em cima de tudo e deleguei trabalhos para que outras pessoas os fizessem como sabiam que eu queria que fossem feitos. Claramente, algumas não fizeram assim. Isso mudará a partir de agora e me comprometo a garantir que nada disso volte a acontecer”, afirma a apresentadora em uma carta recente à sua equipe, evitando pronunciar-se sobre as acusações que apontam diretamente contra ela. Assim como Dory de Procurando Nemo, personagem à qual deu voz e que a tirou de uma depressão quando os telefones pararam de tocar após sua saída do armário, Ellen DeGeneres decidiu “continuar nadando”, mas sua imagem imaculada parece danificada de forma irreversível. Há apenas 15 dias, viralizou no Twitter a hashtag #RIPEllen, que muitos confundiram com um falso boato sobre a morte da apresentadora, mas que pedia o fim imediato do programa. Um final que, segundo a revista Forbes, é inviável levando em conta a receita multimilionária que a publicidade em seu programa gera para a produtora. No entanto, numa época em que a cultura do cancelamento está mais em voga do que nunca, a cada novo vazamento, a sorridente e solidária Ellen fica mais perto do clube dos rejeitados.

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