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O incidente no passo Diatlov: a ciência esclarece uma das teorias conspiratórias mais famosas do século XX

Não foram extraterrestres, nem assassinatos, nem experimentos nucleares. Modelos matemáticos demonstram por que uma avalanche pode ter matado nove jovens excursionistas russos que ficaram presos na neve há 60 anos

Os excursionistas do incidente do passo Diatlov abrem caminho através da neve em 1º de fevereiro de 1959. Esta foto provavelmente foi tirada dias antes da sua morte.
Os excursionistas do incidente do passo Diatlov abrem caminho através da neve em 1º de fevereiro de 1959. Esta foto provavelmente foi tirada dias antes da sua morte.
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O acampamento dos excursionistas mortos nos Urais, em uma fotografia tirada pelas autoridades da URSS em 26 de fevereiro de 1959.
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O atual bairro de Raval, em Barcelona, abrigou o hospital de Santa Creu e Sant Pau, um dos mais antigos da Europa. Há também a Academia Real de Medicina da Catalunha, construída em 1764 no terreno do hospital, onde você pode visitar o antigo anfiteatro anatômico (sala Gimbernat), em que dissecações de cadáveres foram realizadas em uma mesa de mármore para conhecer melhor o corpo humano. O anfiteatro anatômico é um dos protagonistas do livro <a href=" https://www.planetadelibros.com/libro-turismo-dark/291293"target="_blank">'Turismo Dark'</a>, de Miriam del Río, que acaba de ser publicado pela Firefly Editions: “Uma viagem pelos cinco continentes que explora vários lugares associado à morte, ao mistério ou ao abandono e cujo magnetismo obscuro atrai centenas de visitantes todos os anos".
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Imagem feita durante recentes tarefas de pesquisa sobre os neandertais realizadas nas cavernas Vanguard e Gorham (Gibraltar).
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Nove jovens montanhistas russos (sete homens e duas mulheres) morreram em circunstâncias estranhas numa expedição de esqui nos montes Urais, nos primeiros dias de fevereiro de 1959. O caso, conhecido como incidente do passo Diatlov, em homenagem ao líder da expedição, tornou-se com o tempo um dos mistérios mais famosos e intrigantes do século XX. A última coisa que se soube com certeza dos excursionistas foi que algo inesperado – e até agora desconhecido – levou que, por volta de 0h daquele 1º de fevereiro, os jovens cortassem a barraca por dentro e escapassem para um bosque a mais de 1 quilômetro de distância, sem a roupa adequada, com temperaturas extremamente baixas (menos de -25°C) e fortes ventos pelas costas.

Os registros históricos do caso contam que, 26 dias depois da tragédia, as equipes de busca encontraram os primeiros cadáveres congelados no bosque. Os últimos corpos apareceram três meses mais tarde, nus e com golpes no peito e no rosto. Segundo a investigação criminal soviética de 1959, “uma força natural convincente” tinha causado a morte do grupo de Diatlov. Apesar dessa conclusão, o Governo russo nunca apresentou provas nem explicou com clareza o que tinha ocorrido. Alguns meses depois, o caso foi arquivado e o acesso à área do incidente foi proibido durante vários anos.

Essa lacuna na investigação, somada a testemunhos de supostas observações de esferas laranja brilhantes flutuando no céu durante aquela noite e supostos rastros de radioatividade encontrados nas roupas dos montanhistas, fez que os familiares dos mortos desconfiassem da versão oficial. Perante a ausência de uma explicação lógica que revelasse as causas das mortes, as teorias conspiratórias em torno do caso Diatlov foram se expandindo por toda a Rússia. Alguns asseguravam que os excursionistas tinham morrido de pânico induzido por infrassons; outros, que animais selvagens os tinham comido; e outros supuseram que as tribos locais eram as responsáveis pelas mortes. Chegou-se a acreditar também que tivessem sido vítimas do “abominável homem das neves”, ou de testes de armas nucleares, ou que a KGB (agência de inteligência russa) os tinha assassinado por razões políticas.

Mas por que os montanhistas tiveram que abandonar realmente suas barracas? E como morreram? Numa decisão sem precedentes, o Ministério Público da Rússia decidiu reabrir o caso em 2019, e no ano passado informou que uma avalanche de neve tinha sido a verdadeira causa das mortes. A explicação, mais uma vez, não foi suficiente para os poucos familiares das vítimas que ainda estão vivos, nem para centenas de curiosos que viajam anualmente ao local dos fatos.

Diante da nova hipótese oficial, os incrédulos expuseram quatro argumentos que questionavam a possibilidade da avalanche: 1) a equipe de busca que chegou 26 dias depois da tragédia não relatou sinais óbvios de uma avalanche; 2) o ângulo médio de inclinação do terreno sobre a localização da barraca era inferior a 30o, portanto insuficientemente íngreme para produzir uma avalanche; 3) a hipotética avalanche ocorreu durante a noite, pelo menos nove horas depois de os montanhistas fazerem o corte na neve para instalar seu acampamento; 4) as lesões de tórax e crânio dos mortos não eram típicas de vítimas de avalanches.

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Johan Gaume, diretor do Laboratório de Simulação de Neve e Avalanches da Universidade de Lausanne (Suíça), e Alexander Puzrin, professor de engenharia geotécnica da Universidade de Zurique (Suíça), especialista em deslizamentos de neve, decidiram começar a pesquisar um mecanismo físico quantificável que pudesse conciliar a hipótese da avalanche com as pistas aparentemente contraditórias. As conclusões de seu trabalho, publicado na mais recente edição da revista Nature, demonstram como uma pequena placa de neve se desprendeu da montanha, atingiu os excursionistas enquanto dormiam e os obrigou a abandonar o acampamento.

Puzrin conta por email que as simulações de seu trabalho permitiram demonstrar que “o incidente foi o resultado de uma combinação de três circunstâncias desfavoráveis: um corte na laje de neve ao instalar a barraca, uma topografia especial e fortes ventos catabáticos [que sopram morro abaixo] que transportaram neve e carregaram a laje que se desprendeu e produziu a avalanche sobre a barraca”. Para explicar o ocorrido, os pesquisadores construíram um mecanismo físico que simula avalanches de lajes causadas pela acumulação progressiva de neve arrastada pelo vento em uma ladeira semelhante àquela onde os excursionistas acamparam.

“A identificação de um mecanismo deste tipo”, diz Puzrin, “pode proporcionar novos conhecimentos sobre a natureza das instabilidades da camada de neve provocadas por tempestades, que é outra motivação importante para este trabalho”. O modelo dos dois pesquisadores, além disso, conciliou o tempo de atraso, estimado a partir da investigação forense, com as velocidades do vento observadas nas estações meteorológicas naquela noite. Também proporcionou as dimensões da placa de gelo, demonstrando-se que causaria lesões graves, mas não fatais, o que coincide com as feridas encontradas na autopsia dos jovens mortos.

Além de esclarecer o motivo que levou os nove jovens a perderem a vida, a investigação serve para repensar os estudos sobre avalanches de neve. “Os novos modelos, desenvolvidos neste trabalho, permitirão compreender melhor os mecanismos das avalanches naturais, provocadas pela lenta acumulação de neve, mais que pelo impacto dinâmico de esquiadores, veículos e explosões”, conta Puzrin. Também ajudarão a estudar o impacto das avalanches em humanos.

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