O ‘caso Manaus’, cidade que pode ter sido a primeira do mundo a atingir imunidade coletiva

Pesquisa mostra que, com a estratégia de não fazer nada contra a doença, capital amazonense paga um preço alto para conseguir a chamada ‘imunidade de rebanho’

Túmulos no cemitério Parque Tarumã, em meio ao pico do surto de coronavírus em Manaus, em 11 de junho.BRUNO KELLY (Reuters)

No centro pontual da maior floresta tropical do mundo, onde confluem os rios Negro e Solimões, ergue-se a cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, polo financeiro do Norte do Brasil e, com seus dois milhões de habitantes, a maior concentração humana de toda a Amazônia. Também é provavelmente a primeira grande cidade do planeta a ter alcançado a imunidade coletiva contra a ...

No centro pontual da maior floresta tropical do mundo, onde confluem os rios Negro e Solimões, ergue-se a cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, polo financeiro do Norte do Brasil e, com seus dois milhões de habitantes, a maior concentração humana de toda a Amazônia. Também é provavelmente a primeira grande cidade do planeta a ter alcançado a imunidade coletiva contra a covid-19. Conseguiu isso através do mais simples dos procedimentos: não fazer nada. Depois de um pico montanhoso de mortes nos primeiros meses, a situação se estabilizou sozinha, embora a um preço elevado. O caso Manaus oferece lições importantes, e vale a pena examiná-lo.

A cidade detectou seu primeiro caso em março e, em sintonia com as desatinadas doutrinas do presidente Jair Bolsonaro, tomou poucas medidas relativas à distribuição de exames, confinamento e distanciamento social. O vírus se espalhou rapidamente em maio, e a imprensa local passou noticiar sobre hospitais saturados, cemitérios lotados e uma demanda quintuplicada por caixões. Foram meses de confusão e morte entre os rios Negro e Solimões, uma partida desigual entre o vírus e suas vítimas, abandonadas à própria sorte num tabuleiro urbano rodeado pela selva interminável. Desde junho, entretanto, as cifras do SARS-CoV-2 declinaram de maneira rápida e constante. Cada vez menos casos novos de contágio, cada vez menos mortos. Um grupo de cientistas brasileiros e britânicos se perguntou o motivo disso e encontrou uma resposta verossímil.

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A pesquisadora Ester Sabino, da Universidade de São Paulo, e seus colegas analisaram os bancos de sangue da capital amazonense, um dos poucos lugares onde é obrigatório guardar amostras das doações, caso seja preciso examiná-las no futuro. Os cientistas procuraram anticorpos contra o SARS-CoV-2 em várias datas relevantes para a evolução da pandemia. Concluíram que a assombrosa redução de casos e mortes na cidade se deve a que até dois em cada três manauaras (entre 44% e 66% da população) se contagiaram e desenvolveram anticorpos contra a covid-19. Eis aí o primeiro caso da chamada imunidade de rebanho que conhecemos. A pesquisa foi publicada no repositório medRxiv. Vale lembrar que esse site abriga trabalhos que ainda não passaram pelo processo de revisão entre pares e, portanto, podem sofrer correções antes de sua publicação definitiva.

O índice de letalidade (a percentagem de contagiados que morrem pela doença) não chega a 0,3% em Manaus, mas o número de infectados é tão alto que isso significa que 4.000 pessoas morreram, ou um em cada 500 habitantes. Para efeito de comparação, a região espanhola de Madri, com o triplo de população, registrou 9.000 mortes, o que tampouco é para comemorar. A diferença é que a capital do Amazonas alcançou a imunidade de rebanho, e Madri não. É uma boa ocasião para que as autoridades sanitárias da capital espanhola passem o fim de semana fazendo contas.

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