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Os arquivos da Igreja: o bordel dos franciscanos e um assassinato na missa

Historiador retrata subterrâneos dos séculos XVII e XVIII através de documentos da Justiça eclesiástica

O historiador Juan Postigo em uma rua de Zaragoza, cidade protagonista de seu livro.
O historiador Juan Postigo em uma rua de Zaragoza, cidade protagonista de seu livro.David Asensio
Patricia Peiró
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Em uma rua do centro de Zaragoza havia uma casa com as janelas sempre fechadas pela qual desfilavam autênticas romarias de padres franciscanos entrando e saindo com chave própria. Em uma das visitas, vários deles chegaram até a se trancar ao mesmo tempo em um quarto com uma mulher de nome Francisca. Até que os vizinhos disseram basta e acabaram com esse “lupanar especializado”. Uma simples denúncia de um morador da mesma rua acabou com o prostíbulo preferidos dos franciscanos no século XVII.

Se esse processo não ficou enterrado em séculos de história é porque chegou aos tribunais com todos os detalhes. Os arquivos judiciais eclesiásticos reúnem centenas de relatos de amores proibidos, terríveis agressões sexuais, prostituição, a à época proibida homossexualidade e até brigas em plena missa. O historiador Juan Postigo mergulhou durante meses no arquivo diocesano de Zaragoza para rastrear os subterrâneos da sociedade dos séculos XVII e XVIII.

“Os documentos são realmente explícitos. Como não existiam provas forenses, os investigadores faziam interrogatórios extenuantes que ficaram completamente registrados”, diz o pesquisador, cujo trabalho está no livro El Paisaje y las Hormigas (A Paisagem e as Formigas). Como diz Postigo, muitas das práticas consideradas ilegais eram aceitas pela sociedade, até que um ponto de inflexão as transformava em insustentáveis e chegavam aos tribunais. No caso do prostíbulo dos franciscanos, o detonador foi a discussão de um dos vizinhos com o dono da casa.

Os processos judiciais mostram pequenos retratos dos costumes da época. Um deles narra a tempestuosa relação entre um nobre e uma criada, que acabou com a gravidez dela. Quando a mulher foi pedir ajuda ao homem para criar o bebê ele se esquivou de suas responsabilidades, de modo que ela recorreu a uma feiticeira moura. Um criado escutou a mulher em plena conversa com a suposta bruxa e contou ao nobre, que sugestionado pelas práticas mágicas começou a ter problemas para ter relações sexuais e decidiu ajudar a mãe de seu filho.

O gênero feminino precisou entrar dentro dos padrões moralistas de uma vida dependente do marido. Se elas queriam manter idílios amorosos precisavam entrar no mundo da ilegalidade

Nas leis morais da época, o público e o privado se confundem. Os escritos mostram denúncias contra nobres por deitarem-se com algumas de suas criadas. E, por exemplo, uma acusação contra a mulher de um hospedeiro por manter uma relação com um hóspede. “A sexualidade só tinha espaço dentro do casamento, todo o resto era perseguido. Além disso, as pessoas de diferentes classes não podiam ficar juntas e constantemente encontramos casos de homens e mulheres que burlaram essas normas”, diz Postigo.

O historiador define a mulher como um “agente de transgressão permanente”, pelas rígidas regras em que estavam presas. “O gênero feminino precisou entrar dentro dos padrões moralistas de uma vida dependente do marido. Se elas queriam manter idílios amorosos precisavam entrar no mundo da ilegalidade”. Também são detalhados numerosos casos de maus-tratos a mulheres, que se tornavam assunto público somente quando a crueldade era especialmente grave, como no caso de Agustín Pintor, um homem que obrigava sua mulher a se prostituir, a agredia quando os clientes se cansavam e deixavam de pagar e andava pelo mercado com sua amante abertamente”. A pobreza tornava as mulheres dependentes dos homens”, afirma Postigo.

Além das histórias de bairro levadas a julgamento, os documentos dão descrições detalhadas de fatos atrozes, como tiros no meio da noite, mães que prostituem suas filhas e agressões sexuais a meninas. O escritor pega o assassinato dentro da basílica do Pilar do ourives Tomás Teller, que ao acabar suas orações recebeu um tiro de rifle de alguém que havia preparado cuidadosamente o lugar e o modo que iria acabar com sua vida. Aconteceu na noite de 29 de agosto de 1687. “Como os templos eram os lugares em que a sociedade cristã passava a maior parte de sua vida, também se transformaram em cenários de crimes”, diz Postigo.

A vizinha catedral de La Seo também abrigou contendas, como a impressionante briga a socos de dois religiosos em plena missa de 2 de novembro de 1747. Tudo aconteceu porque um disse ao outro que ele havia se esquecido de ler um versículo.

Postigo extrai uma conclusão da análise dos crimes passados: “As rigidezes impositivas só faziam com que as pessoas precisassem encontrar brechas para satisfazer seus instintos. Muitas vezes pode ser contraproducente deixar as pessoas presas demais”.

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