No compasso de Santiago de Cuba
Berço do bolero, da trova e do ‘son’, a mestiça cidade cubana é pura música e puro Caribe. Do Castelo do Morro ao Parque Céspedes, sua baía, sua arquitetura e sua energia seduzem de cara
A primeira coisa que você precisa saber ao chegar a Santiago é que está na cidade mais caribenha e mestiça de Cuba. Se Cuba é quente, Santiago é mais quente, fogo no inverno e no verão. Se Cuba é rua, Santiago é mais rua. Se Cuba é música, Santiago é o berço do bolero, da trova, do son (tipo de salsa). E se Cuba é hospitalidade, ecletismo, mistura, Santiago é sua verdadeira capital, e talvez seja por isso que aqui amanhece uma hora mais cedo do que em Havana.
Haviam se passado 415 anos de sua fundação por Diego de Velázquez – em 25 de julho de 1515 – quando o poeta Federico García Lorca chegou e foi conquistado: "Oh Cuba! Oh ritmo de sementes secas! Irei para Santiago. / Oh cintura quente e gota de madeira! Irei para Santiago. / Harpa de troncos vivos, jacaré, flor de tabaco! / Vou para Santiago”.
Em 1930, Lorca ficou fascinado com a personalidade e o caráter da cidade mais oriental da ilha, impossível de compreender sem a sua integração na paisagem majestosa da Sierra Maestra e a proteção da baía de Santiago, em cujas margens nasceu o povoado. Ficou impressionado com a cor de sua pele, o caráter extrovertido e alegre do seu povo, a plasticidade de suas danças e ritmos e a silhueta ondulante de seu tecido urbano, adaptado à topografia acidentada, em que é preciso subir ou descer continuamente as ruas escalonadas, as varandas naturais e as encostas que proporcionam belas perspectivas e fazem de Santiago um mirante excepcional.
Viajar para Santiago é uma experiência sensorial. Há muitos prazeres que a cidade e seus arredores proporcionam ao visitante: atravessar as movimentadas ruas Enramadas, Aguilera e Heredia, artérias vitais onde palpita o espírito da vida santiaguera; tomar rum envelhecido ouvindo os sons imortais do Trío Matamoros e Compay Segundo na Casa de la Trova (onde prevalece o ditado “La Trova sin trago se traba”); ir até o povoado vizinho de El Caney (a poucos quilômetros de distância), berço das ricas frutas do famoso pregón [expressão musical nascida dos vendedores ambulantes] e cenário dos últimos combates entre cubanos, norte-americanos e espanhóis durante a Guerra da Independência; visitar a antiga plantação de café La Isabelica, nas encostas da Gran Piedra, criada por imigrantes franceses em fuga da revolução dos negros do Haiti; navegar pelas águas da baía e margear a vila de pescadores de Cayo Smith, e La Socapa e Punta Gorda, áreas recreativas e de verão criadas pela burguesia na década de 1920; extasiar-se diante da impressionante visão do Castelo de San Pedro de la Roca ao entardecer; Extravasar com uma conga nas ruas durante o Carnaval ou peregrinar ao povoado de El Cobre, onde estão o santuário que mantém a imagem da padroeira de Cuba e a sede da incrível Steel Band, dirigida por Hermes Ramírez.
Em março de 2012, Bento XVI viu Hermes e seu grupo se apresentando quando subiu até El Cobre, na cadeia montanhosa de mesmo nome, a 25 quilômetros da cidade. O papa ficou maravilhado, e a banda só tocou para ele a Ave Maria e Vírgen Mambisa, e ele não ouviu suas versões selvagens de Bacalao con pan, de Chucho Valdés, e seus calypsos, sones (tipo de salsa) e danças cubanas que fazem os santiagueros perderem a cabeça e a cintura "A música é o homem escapado de si mesmo”, resume Hermes, que considera que, de certo modo, esse é também o espírito de Santiago: a cidade é carne e osso, entra em transe, dança, bebe, sofre e desfruta como seus habitantes, por isso os sentidos explodem quando na rua se escuta a corneta china [um tipo de trompete] em uma conga.
O Castelo de El Mozo
Santiago tem contribuições para a lista do patrimônio mundial. A primeira é o Castelo de San Pedro de la Roca ou Castelo do Morro, uma impressionante obra de engenharia militar edificada no século XVII por Juan Bautista Antonelli, El Mozo. Na entrada da baía, o forte testemunhou acontecimentos históricos, como a batalha naval em que foi afundada a frota do almirante Cervera, em 3 de Julho de 1898, que marcou o fim do império colonial espanhol e abriu as portas para a intervenção norte-americana e a subsequente independência de Cuba. Essa fortificação abaluartada, que se desdobra em sucessivos terraços em direção ao mar, combinando formas geométricas e simetrias perfeitas, é uma das mais importantes construídas pelos espanhóis na América.
O segundo tesouro é a paisagem arqueológica das primeiras plantações de café, que inclui os vestígios de 171 prédios agroindustriais do final do século XVIII e início do XIX. O conjunto é indicativo da influência da imigração franco-haitiana, que trouxe para o sudeste de Cuba elementos de uma cultura que não tinha nada a ver com a colônia espanhola, e não apenas para as obras de arquitetura, engenharia ou hidráulica, mas também para a música, a dança, a gastronomia, a religião, a arte e os gostos e costumes, e cuja marca pode ser vista em bairros da cidade como Tivoli ou na rua del Gallo.
“Em cada cafezal havia uma biblioteca e um piano", diz o curador da cidade, Omar López, que, para explicar a importância da marca francesa em Santiago, criou na Casa Dranguet o Centro de Interpretação e Difusão do Patrimônio Cultural Cafeteiro. Localizado ao lado da antiga Plaza de Armas, ocupa uma bela mansão colonial com influências neoclássicas pertencentes a um rico fazendeiro de café, um exemplo típico da arquitetura própria de Santiago.
Por último, e também derivada dessa influência, em 2003 foi declarado patrimônio imaterial da humanidade o grupo de música e dança Tumba Francesa La Caridad de Oriente, fundado em 24 de fevereiro de 1862 por escravos haitianos que acompanharam os colonos franceses em sua fuga de Saint-Domingue. Hoje é dirigido por Andrea Quiala Venet e toda semana recria em sua sede essas danças de salão elegantes aprendidas pelos escravos com seus proprietários, minuetos, rigodóns e carabinés no estilo versalhês, mas interpretados no ritmo dos tambores africanos. Tão singular quanto essa cultura mestiça e o traquejo de seus habitantes é o urbanismo e a arquitetura de Santiago.
A Maquete da cidade é um bom lugar para começar a mergulhar na sua riqueza. Reproduz em escala os 320 hectares do centro histórico, com seus mais de 500 edifícios de alto valor patrimonial e outras áreas importantes, como o belo bairro de Vista Alegre (construído na primeira década do século 20 para as classes abastadas, seguindo os modelos anglo-saxônicos de Cidade Jardim e o movimento norte-americano City Beautiful, do fim do século XIX) ou o cemitério de Santa Ifigênia, monumento nacional que abriga o mausoléu do herói nacional José Martí, os túmulos dos pais da independência e também o do líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, além dos restos dos grandes trovadores do país, de Miguel Matamoros a Compay Segundo, incluindo Ñico Saquito e Pepe Sánchez.
Céspedes, a praça principal
Vista a Maquete, o melhor a fazer é sair às ruas e deixar-se levar até o Parque Céspedes, a praça principal. Diferentemente da Plaza de Armas de Havana, que preservou sua imagem colonial, o espaço fundacional de Santiago é eclético, um reflexo do desejo de modernidade e renovação das classes dominantes e dos setores mais cultos do início do século XX, quando a cidade passou por uma profunda transformação com a perda de peso da herança colonial em favor de novas ideias arquitetônicas e urbanas. Desde sua criação no século XVI, o Parque Céspedes, outrora Plaza Mayor, Plaza de Armas e Plaza Isabel II, foi o centro político, religioso, administrativo e social. Aqui fica a chamada Casa de Velázquez, provavelmente a mais antiga de Cuba, que serviu como Casa de Contratação, foi residência dos governadores e de importantes famílias e hoje abriga o Museu do Ambiente Histórico. Ficam também o Palácio do Governo e a catedral, cuja origem remonta ao século XVI, embora tenha sido reconstruída em numerosas ocasiões devido a terremotos, furacões e ataques de corsários e piratas. Sua imagem eclética atual se deve à remodelação realizada entre 1916 e 1922 por Carlos Segrera, arquiteto fundamental de Santiago, pois a ele se devem o hotel Casa Granda, o Museu Bacardí e muitos edifícios que são marcas registradas da cidade.
No Parque Céspedes, no Balcón de Velázquez e no café La Isabelica, em uma esquina da Plaza de Dolores (“praça das dores”), podemos encontrar personagens como Juan Manuel Villy Carbonell, apelidado de El Benny porque canta como Benny Moré e emprestou a voz ao chamado El Bárbaro del Ritmo em um filme sobre o famoso artista cubano. El Benny se define como “um boêmio desde os oito anos, porque assim é Santiago”, e passeia pelas ruas vestido como Moré, de casaco e chapéu com pena, apesar do calor sufocante. Sozinho ou até mesmo com um guia, o turista pode se perder no sistema de praças e pracinhas do centro histórico. Cada uma tem sua personalidade, como a Plaza de Marte, que durante muito tempo a partir do século XVII, quando era denominada Campo de Marte, serviu de espaço para os exercícios das tropas espanholas. Seguindo pelas ruas Aguilera e Enramadas, podemos descobrir becos fascinantes como o de Carmen − hoje um mercadinho de artesanato −, virar na Heredia para admirar as casas senhoriais que abrigam os curiosos Museu do Carnaval e Museu do Rum, ou chegar à famosa Escadaria Padre Pico, coroada pelo Museu da Luta Clandestina, ou descer até a fantástica alameda Michaelsen, onde a cidade se abre para a baía, com seu relógio e sua zona industrial.
Santiago é muito Santiago. Podemos escutar de noite, em La Casa de la Trova ou em La Pachanga, o Septeto Santiaguero. Ou viajar ao longo da costa pela bela estrada Mar Verde até os restos do Almirante Oquendo, com sua torre e seus canhões saindo do mar na praia de Juan González, lugar onde esse cruzador blindado foi afundado durante a batalha naval entre a esquadra de Cervera e a Marinha norte-americana em 1898. Em Santiago, você pode visitar a Colina de San Juan, cenário de uma das batalhas mais sangrentas daquela guerra; entrar no quartel Moncada, onde começou a revolução de Fidel Castro; subir até o topo da montanha Gran Piedra e ver os cafezais; perder-se no parque Baconao, declarado reserva da biosfera; entrar em transe ao escutar um ensaio da Steel Band de Hermes em El Cobre, e visitar antes o santuário dedicado a Nossa Senhora da Caridade. Santiago de Cuba, você sabe, é Caribe. Fogo. Mistura. Pele. Autenticidade.
GUIAS ESPECIAIS
A personalidade de Santiago de Cuba é tão poderosa e está tão conectada com a simpatia e o modo de ser dos santiagueros que basta se deixar levar por eles para entrar no espírito da cidade e descobrir seus segredos. A Meliá, principal rede hoteleira estrangeira que opera na ilha e administra o hotel Meliá Santiago, de cinco estrelas, soube ver isso. Com o nome de "Um destino, uma história", sua proposta consiste em mostrar Santiago através de alguns de seus personagens e protagonistas, incluindo o conservador da cidade, Omar López, que explica aos viajantes como a última das sete vilas cubanas fundadas pelos conquistadores espanhóis na segunda década do século XVI é um grande anfiteatro natural, no qual não há nenhuma rua horizontal e onde a paisagem e o urbanismo estão plenamente integrados. Outro personagem é Alfredo Vaillant, integrante da Steel Band de El Cobre, que também é artesão e vende aos peregrinos estatuetas de madeira de Nossa Senhora da Caridade esculpidas por ele. Também está Miriam Reyes, costureira autodidata de um dos blocos carnavalescos, que conta que "quem não cai na dança com uma conga não é santiaguero". Miriam diz que quando aparece em uma esquina a conga de Los Hoyos ou qualquer outra, "você vê as pessoas de idade, de oitenta anos ou mais, remexendo sem parar, nem que seja dentro de suas casas". É verdade. Santiago é assim.
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