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Coluna
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Como chamar Bolsonaro por seu nome

A linguagem não é inócua, mas neutralizá-la, privá-la de sua suposta carga viral, pode acabar sendo contraproducente

María Antonia Sánchez-Vallejo
Jair Bolsonaro, presidente eleito do Brasil.
Jair Bolsonaro, presidente eleito do Brasil.Silvia Izquierdo (AP)

Com o propósito de evitar o uso de anglicismos, a Fundação do Espanhol Urgente (Fundéu) propõe traduzir o conceito alt-right — a doutrina ultrarreacionária que levou Donald Trump à Casa Branca – como nacional-populismo. Pouca margem parece haver para traduzir o termo. Direita alternativa, a tradução literal, conota o viés possibilista, mas é insuficiente; ultradireita, ou direita radical, deixa de fora quem, a partir de aparentes antípodas ideológicos, acaricia postulados da corrente promovida por Steve Bannon: o rechaço à imigração e ao multiculturalismo, um irado sentimento anti-establishment, o “nós primeiro”.

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Há nesse saco exemplos para todos os gostos: do kirchnerismo e outros caudilhismos americanos ao neoimperialismo de Putin e Erdogan; o autoritarismo de Orbán e a defesa do protecionismo por Trump e Le Pen. Fato é que a alt-right serve sobretudo de lema para a variada ultradireita europeia, mas limitá-la a essa órbita eliminaria nuances à tradução e ao conceito.

Talvez a solução, uma vez na vida, tenha vindo dos políticos. Com acuidade semântica, o comissário (ministro) europeu Pierre Moscovici escolheu sem rodeios o termo fascista para denominar o eurodeputado da italiana Liga que pisoteou seus papéis no Parlamento continental. Também Madeleine Albright, ex-secretária de Estado norte-americana, defende em seu último livro esse adjetivo como qualificativo certeiro para Le Pen, Putin e Trump. Ou para o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro.

A linguagem não é inócua, mas neutralizá-la, privá-la de sua suposta carga viral, pode acabar sendo contraproducente: a perversão da linguagem anestesia a percepção da realidade (e das ameaças). Isto não ocorre só com o catálogo político, mas também com assuntos cotidianos. Ao falar de “divórcio expresso” na Índia, equipara-se a um trato mais ou menos igualitário (um divórcio) o que não é senão um repúdio, uma figura existente em códigos de família de países muçulmanos. Idem com as “devoluções expressas” de imigrantes, a propósito das ilegais devoluções a quente. A expressão “danos colaterais”, um eufemismo abominável que passou a permear a fala cotidiana, denota a colheita de morte de bombas supostamente inteligentes — outro exemplo — ao arrebentar um ônibus escolar no Iêmen. E assim ad nauseam.

Linguagem e poder formam uma simbiose inextricável, cujas artimanhas conduzem a essa guerra de guerrilhas semântica que é a desinformação, bem armada de “fatos alternativos” e notícias falsas. Por isso, é preciso ressignificar a linguagem, para evitar que ela edulcore o veneno de propostas como as da alt-right. Não contribuiu para isso que [os partidos conservadores espanhóis] PP e Ciudadanos relutem em qualificar de extrema-direita um partido como o Vox. Porque se trata de expor a face, e os fasces, desta direita briguenta e vociferante que tantas eleições está colhendo na Europa e América.

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