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Elon Musk perde o controle

Analistas alertam que os excessos de Musk no Twitter e suas críticas à imprensa podem acabar afetando seu negócio

Elon Musk, em uma foto de dezembro.
Elon Musk, em uma foto de dezembro.Evan Vucci (AP)

Elon Musk deveria tirar um tempo sabático do Twitter. O conselho é de Gene Munster, um dos analistas que mais acreditam na visão do fundador da Tesla. Não é o único que leva as mãos à cabeça no Vale do Silício e em Wall Street ao ver como a imagem de um dos empresários mais relevantes do momento despenca à mesma velocidade em que publica suas mensagens nas redes sociais. A gota que transbordou a paciência dos investidores foi quando chamou de “pedófilo” o mergulhador britânico que liderou os trabalhos de resgate dos meninos presos na caverna da Tailândia.

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“A culpa é minha e somente minha”, disse Musk três dias depois do início da polêmica. Tentou se desculpar pela acalorada resposta que deu às críticas que recebeu por sua iniciativa de retirar os 12 meninos utilizando um minisubmarino projetado por sua equipe. A carta aberta do analista da Loup Ventures tentou, entretanto, responder a um problema de conduta por parte do executivo que começou a aumentar durante a última apresentação de resultados da Tesla.

O empresário cortou rispidamente os analistas quando questionaram sua viabilidade. Ampliou a investida atacando o trabalho informativo da imprensa, por destacar as questões negativas. “Musk não é o que era”, diz Munster. O analista não questiona que use o Twitter – tem 22,3 milhões de seguidores – como plataforma para dar visibilidade ao seu projeto. Por isso mesmo pede que ele controle seu temperamento e foque em executar sua missão.

Elon Musk, de 47 anos, há anos aparece no topo das listas de grandes empreendedores com Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon), Reed Hastings (Netflix), Bob Iger (Disney) e Warren Buffett (Berkshire Hathaway). É um executivo persistente, direto e sem medo. Mas apesar de sua idade, as empresas que controla (Tesla, SpaceX e Boring) e sua fortuna – avaliada em 21 bilhões de dólares (80 bilhões de reais) –, mostra pouca maturidade e nenhuma contenção.

O analista Gene Munster não questiona que Musk use o Twitter – tem 22,3 milhões de seguidores – como plataforma para dar visibilidade ao seu projeto. Por isso mesmo pede que ele controle seu temperamento e foque em executar sua missão

O executivo não é alheio à controvérsia. Rebecca Lindland, analista da Kelley Blue Book, uma consultoria especializada em automação, alerta, entretanto, que seus comentários podem afetar os negócios da Tesla e afugentar os interessados por seus carros. Ela diz que a fase de empresa emergente já passou, há mais concorrência e seu sucesso depende de conseguir levar a inovação a um mercado massificado. “Deve agir como um executivo-chefe”, afirma.

A Tesla é uma empresa única por diversos motivos. Um deles é justamente que não faz publicidade. A imagem da marca, portanto, depende da de seu fundador e precisa dela para vender. O momento em que Musk protagoniza essa escalada verbal coincide, também, com uma fase crítica. O fabricante de carros elétricos deve demonstrar que é capaz de sustentar a produção do utilitário Model 3 acima das 5.000 unidades semanais. É o limite para ser viável.

Esse ritmo foi alcançado durante a última semana de junho, após um esforço titânico. Elon Musk é o primeiro a admitir que enfrentar a produção do Model 3 é um “inferno”. Dedica tanto tempo a isso que comenta que pode ficar cinco dias seguidos sem trocar de roupa e dorme na fábrica de montagem em Fremont (Califórnia) para dar exemplo. Essa intensidade está fazendo aflorar também denúncias de funcionários sobre as condições de trabalho.

A Tesla é uma empresa única por vários motivos. Um deles é que não faz publicidade. A imagem da marca, portanto, depende da de seu fundador e precisa dela para vender

Gene Munster já fez duras críticas quando Elon Musk publicou uma foto no Twitter jogado no chão com um cartaz anunciando a quebra da Tesla. O problema, afirma, “é que seu comportamento alimenta uma percepção que questiona sua liderança”. James Anderson, sócio da Baillie Gifford, quarto maior investidor da Tesla, pede a Musk que não entre em confusões. “É preciso um momento de silêncio e paz para trabalhar nos problemas”, diz, “seria bom que ele se concentrasse”.

A Tesla também é única por sua estrutura de comando. Os investidores em Wall Street se perguntam, de fato, quem controla Elon Musk no conselho de administração e se a sociedade tem um código de conduta que garanta que se comporte corretamente no Twitter. O executivo tem somente 22% do capital da empresa que fundou e preside, mas ostenta maioria absoluta nos direitos de voto que lhe permite ter controle férreo do negócio.

Existem investidores ativistas, como James McRitchie, que propuseram no passado mudar a estrutura da Tesla porque sem o apoio de Elon Musk é praticamente impossível fazer com que qualquer iniciativa prospere. A empresa responde que essa regra da maioria absoluta é necessária para que o fundador possa continuar levando adiante sua missão e se proteger de operações hostis de compra que prejudicariam seus objetivos e interesses a longo prazo.

Em junho, durante a última reunião geral de acionistas, também foi apresentada uma proposta para retirar Elon Musk do cargo de presidente para colocar em seu lugar uma pessoa independente. O conselho de administração a recusou taxativamente ao considerar que a dupla função de presidente e executivo-chefe permite à empresa se adaptar rapidamente aos novos desafios. “O sucesso da Tesla até agora não teria sido possível com outro líder”, afirma.

“É preciso um momento de silêncio e paz para trabalhar nos problemas. Seria bom que ele se concentrasse”

Mas como diz Rebecca Lindland, uma empresa do tamanho e da relevância da Tesla, que produz por ano centenas de milhares de carros, não é avaliada somente por seus resultados trimestrais, mas também pelo comportamento de seu executivo-chefe. Por isso o aconselham a ser mais disciplinado. Essa tensão se reflete no valor da Tesla, que tradicionalmente tem forte volatilidade. Perde 3% no conjunto do ano e 8% no mês.

A empresa de investimentos Needham acaba de diminuir seu valor ao afirmar que os atrasos na produção estão fazendo com que os cancelamentos de reservas andem mais rápido do que os pedidos. “A espera é de um ano”, diz o analista Rajvindra Gill, ao mesmo tempo em que cita o fim dos incentivos fiscais e a maior concorrência aos Model S e X. Nesse cenário, afirma, sua estrutura de capital é “insustentável” pela rapidez com que queima dinheiro.

Elon Musk já enfrentou crises semelhantes no passado. Chegou a ficar à beira da falência. O empresário em série de origem sul-africana afirma que possui liquidez para expandir a produção do Model 3 e admite que precisa ficar longe das redes sociais. Mas Michael Bapis, da HighTower Advisors, lembra que no mundo dos negócios “não basta ser muito inovador”. Só voltará a acreditar, diz, quando demonstrar que é capaz de executar seu plano.

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