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Antes de banir ‘app’ usado pelo MBL, Facebook aceitou seu criador em seleta conferência anual

Movimento foi questionado por usar ferramenta Voxer, que replica posts nas páginas de usuários. Criador do Voxer, porém, iria a encontro global de desenvolvedores do Facebook

Ainda em meio ao vendaval causado no Facebook pela descoberta de que a controversa companhia de marketing Cambridge Analytica usou dados de 50 milhões de usuários na campanha de Donald Trump, a empresa de Mark Zuckerberg começa a ter dor de cabeça também no Brasil, que já vive pré-campanha eleitoral. Lá nos Estados Unidos, assim como aqui, as questões giram em torno da política de proteção da privacidade dos usuários, o suposto abuso do uso da rede para fins políticos e a falta de transparência da empresa para lidar com os problemas.

DADO RUVIC (REUTERS)
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Na sexta-feira, o jornal O Globo publicou reportagem informando que o grupo ativista de direita MBL usava o aplicativo Voxer, uma ferramenta que republica conteúdo de forma automática nas timelines de usuários como se fossem mensagens publicadas por eles próprios. O aplicativo turbinava o alcance do MBL depois que o Facebook mudou seu algoritmo e passou a priorizar as postagens de usuários, em vez de páginas comerciais, incluindo jornais. Embora funcionasse sem qualquer restrição, a ferramenta foi banida pelo Facebook durante a apuração da reportagem do Globo. Segundo a própria empresa, o aplicativo fere as normas da rede.  "O aplicativo Voxer foi removido por ferir nossas políticas para desenvolvedores, que visam garantir a privacidade e proteger os dados das pessoas", afirmou ao EL PAÍS, por meio de nota, o porta-voz do Facebook, na sexta-feira.

A questão é que o Voxer não só funcionava sem problemas como contava com alguma simpatia da gigante tecnológica até dias atrás. Um dos sócios da empresa criadora do app comemorou, em uma publicação no próprio Facebook em 22 de março, que a ferramenta havia sido selecionada para participar da Conferência Anual de Desenvolvedores do Facebook, que acontece em maio no Vale do Silício. "Nosso aplicativo cadastrado foi o Voxer Share, que tem como objetivo o engajamento social", escreveu Neto Barni, sócio da empresa de marketing digital chamada Rocket, com sede em Santa Catarina.

Para ser aceito nesta conferência de desenvolvedores, é preciso se inscrever e passar por um rigoroso crivo do Facebook. A seleção significaria então que o Facebook já tinha conhecimento do aplicativo e, mesmo assim, não fez nada para barrá-lo até a reportagem do Globo? A empresa não respondeu a esse questionamento, mas o EL PAÍS apurou que a inscrição do Voxer foi cancelada. Seja como for, essa suspensão só aconteceu após a punição do aplicativo.

Procurados pela reportagem desde sexta-feira, a assessoria de imprensa da rede social limitou-se a mandar a nota publicada no primeiro parágrafo deste texto. As outras perguntas não tiveram respostas até o momento. Já o site da Rocket está fora do ar desde sexta-feira.

Um mês antes de tudo isso acontecer, Neto Barni, um dos sócios da Rocket, fora nomeado gerente de comunicação digital do Governo de Santa Catarina. O acúmulo das funções pública e privada não é ilegal, já que Barni é sócio da empresa e não proprietário sozinho. Mas pode configurar conflito de interesses. Questionado sobre isso, o Governo de Santa Catarina não se manifestou.

Print da publicação de Neto Barni, comemorando a ida à Conferência Anual do Facebook em maio.
Print da publicação de Neto Barni, comemorando a ida à Conferência Anual do Facebook em maio.

Como funcionava

Se o escândalo com a Cambridge Analytica envolvia o armazenamento de dados dos usuários, inclusive os dos que não autorizaram expressamente isso, para utilizá-los nas campanhas políticas, agora, o uso do Voxer utilizava o usuário como o próprio cabo eleitoral. Com esta ferramenta, o MBL chegou a publicar conteúdos em nome dos usuários sem que alguns deles sequer percebessem, segundo publicou O Globo. Ainda que todos tivessem que dar a anuência para que a republicação acontecesse, o risco desta prática pode ser considerado alto, já que a página do movimento se engajou, por exemplo, numa campanha difamatória contra a vereadora Marielle Franco, assassinada no mês passado.

Dentre os termos que as páginas do Facebook devem seguir está: "Você não coletará conteúdo ou informações de usuários nem acessará o Facebook usando meios automatizados (como bots de coleta, robôs, spiders ou scrapers) sem nossa permissão". Ao utilizar um aplicativo que acessa o perfil do usuário para publicar conteúdo, não só o aplicativo fere as regras, mas o MBL, que o utiliza, também. Mas o Facebook também não se pronunciou ao ser questionado sobre uma possível punição também à página do MBL.

Apesar de não ter sido punido diretamente, assim que a reportagem de O Globo foi publicada, o MBL rapidamente atacou o jornal. Comparou sua tática de divulgação, ainda, à do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que, segundo o movimento, "também se beneficia" do aplicativo. A campanha do tucano criou o aplicativo Talckmin, que promete enviar informações sobre a campanha e facilitar a repostagem de seus conteúdos por diversas redes. Testado pelo EL PAÍS, não foi encontrada a possibilidade de o aplicativo publicar conteúdos em nome do usuário. 

O MBL também publicou uma nota oficial afirmando que "vem sendo alvo de uma perseguição implacável por parte de veículos viciados da grande imprensa" porque faz campanha ativa e convocatória de protestos defendendo a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - o Supremo Tribunal Federal julga um pedido da defesa do petista nesta quarta. Na nota, o MBL também diz que seus integrantes tomarão "todas as medidas possíveis contra essa perseguição". Além do veto ao aplicativo, o MBL teve outro revés: Na semana passada, a página do Ceticismo Político, uma das mais reproduzidas pelo MBL, foi banida do Facebook porque o criador da página não foi identificado, o que se configura em uma conta falsa.

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