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Assim foi feita a luz no universo depois de 180 milhões de anos de escuridão

A detecção de um sinal de rádio do universo primitivo é o primeiro indício da formação das estrelas

Recriação artística do aspecto que poderiam ter as primeiras estrelas.
Recriação artística do aspecto que poderiam ter as primeiras estrelas.N.R.Fuller, National Science Foundation
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Dizem as teorias cosmológicas que há 13,7 bilhões de anos, um ponto infinitamente denso começou a se expandir a uma velocidade superior à da luz. Poucos segundos depois daquele Big Bang, o cosmos já era imenso e tinham sido lançadas as bases do universo que conhecemos, embora ainda fosse um mundo estranho. O eco daquela explosão ficou gravado em um fundo cósmico de micro-ondas que permeia tudo, mas quando apenas 380.000 anos tinham passado, veio a escuridão. A massa de partículas que formavam o universo antigo começou a esfriar e permitiu que prótons e elétrons se juntassem para formar hidrogênio neutro, gás que absorveu a maioria dos fótons ao seu redor. Isso tornou o universo opaco e deu origem à Era das Trevas do Universo, um período fora do alcance dos telescópios que detectam a luz visível.

Durante quase 200 milhões de anos, os germes do universo que conhecemos se alimentaram na sombra do espaço-tempo. A matéria foi se agrupando assistida pelo poder gravitacional da matéria escura e, finalmente, as primeiras estrelas nasceram. Esses astros — enormes, azuis e de vida breve — começaram a emitir uma radiação ultravioleta que mudou o ecossistema cósmico. A radiação modificou o estado energético dos átomos de hidrogênio que se tornaram independentes da radiação cósmica de fundo e começou a amanhecer no universo.

Hoje, um grupo de pesquisadores liderados por Judd Bowman, da Universidade do Estado do Arizona (EUA), publicou na revista Nature a detecção de um sinal produzido 180 milhões de anos depois do Big Bang, que se torna a prova mais antiga que temos da formação de estrelas. A conquista se deve a uma antena especial, do tamanho de uma geladeira, colocada em uma região remota da Austrália. Ali, longe das interferências de rádio e dos artefatos humanos, os pesquisadores colocaram um receptor que tinha um objetivo bem definido pelos físicos teóricos. No momento de perder sua neutralidade, o hidrogênio começou a emitir ou absorver a radiação circundante em um comprimento de onda específico: 21 centímetros, equivalente a uma frequência de 1.420 megahertz. Com a expansão do universo e seguindo a norma da mudança para o vermelho, pela qual o comprimento de onda da radiação aumenta com a distância, os astrônomos calcularam que o sinal chegaria à Terra numa frequência próxima aos 100 megahertz.

O detector utilizado para captar o sinal instalado no Observatório Radioastronômico de Murchison, do CSIRO, na Austrália Ocidental
O detector utilizado para captar o sinal instalado no Observatório Radioastronômico de Murchison, do CSIRO, na Austrália OcidentalCSIRO Australia

Apesar de terem projetado um detector extremamente sofisticado, capaz de capturar esse sinal e distingui-lo da radiação cósmica que banha continuamente nosso planeta (os autores descreveram a conquista como detectar o bater de asas de um beija-flor no meio de um furacão), no início os pesquisadores não encontraram o sinal esperado. Em sua abordagem inicial, calcularam a amplitude de emissão daquele hidrogênio primordial, contando que estaria mais quente do que o seu entorno. Mas, pensaram depois, talvez estivessem errados. Quando mudaram o modelo assumindo que o gás estaria mais frio e reduziram a frequência de busca, encontraram o sinal de ondas de rádio que estavam perseguindo ao redor dos 78 megahertz.

Depois de encontrar o sinal da formação das primeiras estrelas, o mistério da temperatura do hidrogênio deixou espaço para indagar nessa segunda incógnita. O que havia esfriado esse gás? Uma das possibilidades seria que a temperatura da radiação do universo naquela época fosse maior que a do fundo cósmico de micro-ondas estudado por sondas como a europeia Herschell. Outra opção é a que foi proposta por um segundo artigo publicado no mesmo número da Nature. Esse trabalho, dirigido por Rennan Barkana, do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), sugere que as interações com a matéria escura, muito mais fria do que a convencional, explicariam o descompasso entre as teorias e o que foi observado.

Os dois trabalhos abrem uma janela para uma fase da história cósmica até agora opaca. É a primeira vez que se observa esse período em que os ancestrais das nossas estrelas e nossas galáxias começaram a se formar. Agora, outros observatórios poderão continuar investigando esse período sabendo melhor onde procurar e ao longo do caminho é possível que a busca de matéria escura se ajuste melhor. Essa substância, que representa mais de 80% da totalidade da matéria do universo, desempenhou um papel fundamental na evolução do universo e continua a fazê-lo. E, apesar do nome, tirou o cosmos de quase 200 milhões de anos de escuridão.

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