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Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Procura-se humano para inalar gases a 43 reais por hora

Volkswagen volta a demonstrar que a ética não está em suas prioridades

Berna González Harbour
Thomas Steg, executivo da Volkswagen suspenso pelo escândalo dos testes com gases tóxicos.
Thomas Steg, executivo da Volkswagen suspenso pelo escândalo dos testes com gases tóxicos.Markus Schreiber (AP)
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Montadoras alemãs são acusadas de usar cobaia humana em testes
Acionistas exigem 29,7 bilhões de reais da Volkswagen pelo escândalo das emissões

Não. Não estamos em Auschwitz em 1944. Mas na Clínica Universitária de Aachen a inalação de gases tóxicos foi testada em 25 pessoas saudáveis em experiências financiadas entre 2012 e 2015 pela Volkswagen, BMW e Daimler. Atenção à linguagem orwelliana: o chamado “Grupo de Pesquisa Europeu sobre o Meio Ambiente e a Saúde”, tão ambiental como era abundante o Ministério da Abundância e tão amoroso como o do Amor do grande romance 1984, é o órgão de nome retumbante por trás do qual se escondem as experiências. É financiado pelas três empresas automobilísticas alemãs e a Bosch.

Esse lobby encomendou e financiou as experiências, que consistiam em fazer inalar dióxido de nitrogênio (NO2) para demonstrar que as emissões de gases dos motores a diesel não eram prejudiciais. “Não foram comprovadas reações à inalação de NO2 e inflamações nas vias respiratórias”, concluíram cientificamente seus responsáveis. Também o fizeram com macacos nos Estados Unidos.

Mas que ninguém se tranquilize: no primeiro caso os cientistas que realizaram os testes reconheceram que o gás utilizado era somente um dos emitidos pelo diesel; e, no segundo caso, o carro utilizado para emitir os gases em um cômodo cheio de macacos no qual tiveram o detalhe de colocar uma televisão estava equipado com um software para reduzir as emissões.

Após a revelação do escândalo, os responsáveis da Daimler e da Volkswagen se apressaram em levar as mãos à cabeça e expressar sua surpresa por algo que — dizem — desconheciam. Oh, como isso pôde acontecer. O Governo alemão lhes lembrou que o que devem fazer é reduzir as emissões e não tentar provar que não são prejudiciais.

A primeira notícia foi publicada pelo The New York Times, que relatou os testes em macacos, e ampliada depois pela imprensa alemã, que acrescentou a dos humanos. A BBC se encarregou de documentar como funcionam os testes científicos sobre poluição, tão legais e comuns como os de medicamentos: devem ser realizados por entidades públicas sob rígidas medidas éticas e transparências em seus procedimentos, e nunca por lobbies particulares, como o do motor. Os participantes passam duas horas trancados em um cômodo com níveis de gases do diesel próprios de Pequim e Nova Délhi: 90 minutos sentados e 30 em movimento. Repetem o teste em ar limpo em outro dia. E após as duas sessões análises são feitas. Os humanos recebem 11 euros (43 reais) por hora e são feitos sob supervisão de órgãos públicos de saúde. Essa supervisão não ocorre com macacos.

A Volkswagen, que ainda não se recuperou da fraude das emissões, e as demais empresas voltam a demonstrar que a ética não está em suas prioridades. Cabe às autoridades da Alemanha e da Europa manter sob controle um lobby que coloca nossa saúde em jogo sem peso na consciência.

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