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Coluna
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O nacionalismo na Catalunha

Tragédia é a palavra que convém a uma região que, desde o referendo ilegal, perdeu mais de 3.000 empresas, viu seu comércio e seu turismo caírem, e o desemprego aumentar

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Só de maneira fugaz e conjuntural o nacionalismo é uma ideologia progressista. Ocorre quando irrompe nos países colonizados por uma potência imperial, que explora e discrimina os nativos, e os encoraja a defender sua língua, seus usos e costumes, suas crenças, impregnando-os de uma “consciência nacional”. Esse tipo de nacionalismo foi decrescendo com a descolonização e se transformando na ideologia ultrarreacionária com que sátrapas sanguinários como Mobutu no ex-Congo belga e Mugabe na ex-colônia britânica do Zimbábue se eternizaram no poder, saquearam seus países e os banharam em sangue e cadáveres.

Todas as ditaduras que a América Latina padeceu, de esquerda como as de Fidel Castro, Hugo Chávez e Velasco Alvarado, e de direita como as de Pinochet, Aramburu e Fujimori, pretenderam justificar-se com argumentos nacionalistas. E, o mais grave, conseguiram muitas vezes alienar, com a patriotada circense e sentimental da bandeirinha, do hino e do discurso que esbanjam a mancheias, setores importantes da população. Isso explica o inexplicável: que tantos tiranetes desprezíveis e cleptômanos sejam “populares”. O nacionalismo é uma perversão ideológica muito disseminada, porque apela a instintos profundamente arraigados nos seres humanos, como o temor ao diferente e ao novo, o medo e o ódio ao outro, ao que adora outros deuses, fala outra língua e pratica outros costumes, instintos – nem é preciso dizer – absolutamente incompatíveis com a civilização. Por isso, o nacionalismo em nossos dias já é somente uma ideologia reacionária, anti-histórica, racista, inimiga do progresso, da democracia e da liberdade.

Por sorte restam poucas colônias no mundo, e claro que a Catalunha, onde o vírus nacionalista irrompeu com força, jamais foi uma delas. Mas isso de nada importa. O nacionalismo é uma ficção ideológica, e como tal pode se permitir as tergiversações históricas que forem necessárias. Por isso, apesar de ser talvez a região mais culta da Espanha, há na Catalunha numerosos catalães convencidos desta grotesca falsidade: que a Catalunha foi conquistada, ocupada e explorada pela Espanha, nada mais e nada menos que como a Argélia pela França, a América Latina pela Espanha e Portugal, e meia África pelo Reino Unido. A verdade é muito distinta, mas quem se importa com a verdade quando se trata de ganhar uma eleição? Se alguém pergunta a qualquer nacionalista catalão como foi possível que uma “colônia” chegasse a ser, várias vezes em sua história moderna, a capital industrial e cultural da Espanha, a locomotiva de sua modernização, responderia, sem dúvida, que se deveu ao espírito de trabalho e à superior capacitação dos catalães em relação aos outros espanhóis. O que, além do mais, implicaria que, uma vez independente, os catalães –esse povo superior?– alcançariam e logo superariam a Alemanha.

O nacionalismo cresceu na Catalunha porque foi promovido desde a escola por Governos locais que tinham um plano muito bem orquestrado e o puseram em prática de modo sistemático, e porque os Governos espanhóis e os cidadãos do resto da península se desinteressaram pelo problema e, no final das contas, deram as costas à maioria de catalães que queriam continuar sendo espanhóis, uma maioria que foi decrescendo pelo desamparo e o isolamento em que se sentiu, desconsiderada pelo resto da Espanha. Cayetana Álvarez de Toledo explicou isso com absoluta lucidez há alguns dias, no Ateneo de Madri, ao receber o prêmio Sociedade Civil do think tank Civismo. Seu discurso foi uma dramática reflexão sobre a responsabilidade do conjunto dos espanhóis, por seu desinteresse e apatia, na tragédia que a Catalunha está vivendo.

Tragédia, sim, é a palavra que convém a uma região que, desde o referendo ilegal convocado pela Generalitat, perdeu mais de 3.000 empresas, viu seu comércio e seu turismo caírem, e o desemprego aumentar. Além disso, é cenário, pela primeira vez desde a transição da ditadura franquista para a democracia, de uma violência política que já parecia erradicada da Espanha moderna. Que, nestas condições, ainda haja um número potencial de eleitores para reconduzir ao Governo a mesma equipe que está agora na prisão ou foragida, como apontam algumas pesquisas, não entra na cabeça de muitos cidadãos sensatos. Eles se perguntam se uma epidemia de masoquismo se abateu sobre o eleitorado catalão.

O problema é que eles tentam entender racionalmente o problema do nacionalismo na Catalunha. Os princípios da lógica e do conhecimento racional não servem para entender o nacionalismo, como não serviriam para explicar as crenças religiosas nem o misticismo. Trata-se de um ato de fé, contra o qual todos os argumentos se tornam migalhas. Quando os instintos substituem as ideias, tudo fica muito confuso e os melhores esforços fracassam.

Eu gostaria, a esse respeito, de mencionar o pequeno livro que Eduardo Mendoza acaba de publicar: Qué Está Pasando en Cataluña (“O que está acontecendo na Catalunha”, editora Seix Barral). Como tudo o que ele escreve, é um ensaio claro, inteligente e com análises sutis e inovadoras. No entanto, o sabor amargo e pessimista de suas últimas frases contrasta com as ideias ricas e serenas com as quais o livro se inicia. Mendoza não parece ver saída alguma em uma situação na qual o independentismo e seus adversários chegaram, pode-se dizer, a um empate técnico. Ele não é independentista – diz, claramente, que “não há razão prática que justifique o desejo de se tornar independente da Espanha”–, mas estabelece uma certa equivalência entre os opostos, já que não lhe agrada nenhum dos dois (os anti-independentistas tampouco). Então para que escreveu este livro? “Para tentar compreender o que está acontecendo.” A ideia é válida, mas, consegue? Temo que não. Suas observações são originais, embora nem sempre convincentes. Por exemplo: define o catalão de uma maneira sugestiva, mas, creio, insuficiente, pela simples razão de que as psicologias nacionais simplesmente não existem, ou têm tantas exceções que se tornam pouco realistas. Eu, por exemplo, que conheço muitos catalães, não acho que haja dois deles que se pareçam entre si.

Aos atos de fé, como o nacionalismo, é preciso contrapor, além de razões, outro ato de fé. Se você acredita na liberdade, na democracia, na civilização, não pode ser nacionalista. O nacionalismo está em oposição a todas essas instituições e categorias que nos foram tirando da tribo e do garrote e da selvageria e nos inculcaram o respeito aos demais, ensinando-nos a conviver com os que são distintos e acreditam em coisas diferentes das que nós acreditamos, e nos fizeram entender que viver na legalidade e na diversidade e na liberdade é melhor que na barbárie e anarquia. Somos indivíduos com direitos e deveres, não partes de uma tribo, porque fazer parte de uma tribo, ser apenas um apêndice dela, é incompatível com ser livre. Descobrir isso é o melhor que ocorreu à espécie humana. Por isso devemos nos opor, sem complexos de inferioridade, com razões e ideais, mas também com convicções e crenças, aos que quiserem regressar a essa tribo feliz que inventamos porque nunca existiu.

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