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Coluna
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A almejada independência da Catalunha

Nada como experiência vivida para entender melhor a profundidade do abismo que separa os sentimentos catalães e castelhanos

Manifestação em prol da unidade da Espanha
Manifestação em prol da unidade da EspanhaJAVIER LIZÓN (EFE)

Em 1993, logo após minha chegada para assumir o posto de Embaixador em Madri, fui convidado, juntamente com todos os embaixadores americanos, para uma visita a Barcelona. O Presidente da Catalunha, Jordi Pujol, deu-nos então uma lição preciosa a respeito dos sentimentos da Comunidade em relação à Espanha.

Felipe González havia acabado de ser eleito para seu último mandato como presidente. Para formar o governo, propôs uma aliança ao Partido Catalão. Pujol aceitou. Nossa visita deu-se logo após seu regresso de Madri.

Acompanhado pelo Cônsul Geral do Brasil em Barcelona, fiz uma visita de apresentação a Pujol. Foi extremamente cordial. Mas fez questão de colocar o Cônsul à sua direita, no lugar de honra. E mal me dirigiu a palavra nos primeiros dez ou quinze minutos de conversa. Foi então que, virando-se para mim e tendo falado sobre o que estava acontecendo na política espanhola, perguntou-me: “Embaixador, que se está dizendo de tudo isso em Madri?”, como se eu fosse Embaixador do Brasil apenas na capital da Espanha. Entendi e fomos polidamente adiante.

Pujol era um homem sagaz e cheio de personalidade. À tarde, fez uma apresentação do livro que acabava de editar: “Els Catalans in America”. Escrito em catalão, visava a mostrar aos americanos o que ele chamou de a contribuição da Catalunha para o desenvolvimento de nosso países. Disse enfaticamente “Fiquei calado durante o ano de 1992. Não me associei às celebrações da conquista da América. Tudo aquilo, o massacre e a espoliação dos povos indígenas, a exploração colonial, foi obra de Castela! Este livro mostra a contribuição da Catalunha ao desenvolvimento da região”.

No mesmo dia, à noite, foi-nos oferecido um jantar no Palácio, mais precisamente no belíssimo Pátio das Laranjeiras, na cobertura do edifício. Pujol entusiasmou-se ao narrar o passado da Catalunha, seu papel no Mediterrâneo e outras proezas. Disse, entre outras coisas, que, daquele Palácio, a Catalunha tinha tido autoridade sobre a Grécia! E que, até hoje, quando os filhos fazem travessuras, as mães gregas ameaçam: “Comportem-se, senão aí vêm os catalães!”. No dia seguinte, o jornal conservador ABC estampava: "Aí vienen los catalanes'!

Nada como esse tipo de experiência vivida para entender um pouco melhor a profundidade do abismo que separa os sentimentos catalães e castelhanos. A própria língua catalã, nada difícil de entender para um lusófono, é própria de uma região de encontro multicultural. Tem um pouco de castelhano, de italiano, de francês e de português.

E pensar que quando se esgotou a dominação castelhana sobre Portugal e, consequentemente, sobre o Brasil em 1640 (o chamado período filipino – Felipe II, III e IV), eclodiu ao mesmo tempo uma revolta para a independência da Catalunha. Os espanhóis resolveram lutar contra a Catalunha, no entendimento de que logo, logo, seria fácil retomar Portugal. Pois retomaram a Catalunha, mas nunca mais recuperaram Portugal.

A princesa espanhola, mulher do Duque de Bragança, o mais alto nome da nobreza portuguesa e chefe da rebelião contra o domínio castelhano, foi procurada por uma nobre espanhola para convencê-la de que o que se estava fazendo era fútil e que não demoraria para que Portugal retornasse mansamente, como o fizera havia 80 anos, ao domínio de Madri. Ouviu da então duquesa de Bragança que era “melhor ser Rainha por duas horas do que Duquesa por toda a vida.” Nada mais representativo do sentimento de arrogância da antiga nobreza europeia.

Lembrei-me de tudo isso nestes momentos em que, mais uma vez, a Catalunha mostrou seu descontentamento com a condição de integrante da Espanha, provocando uma rápida e decisiva reação de Madri. Sem encontrar apoio na Europa nem em parte alguma, acabaram por recolher-se ao lugar em que foram incorporados à Espanha pelos Reis Católicos.

Acredito que para entender melhor ainda a profunda inquietação da monarquia espanhola e do governo central com essa afirmação unilateral e impulsiva do desejo de independência do atual regime catalão, apoiado por boa parte de sua população, deve-se relembrar que a Espanha, ao longo de sua História, foi-se formando pela união e conquista dos reinos adjacentes à Castela dos Reis Católicos. O “núcleo duro” de Castela e León foi incorporando Navarra, Asturias, Aragón, para formar a monarquia espanhola. O crescimento territorial continuou com as casas de Habsburgo e de Bourbon. Algumas das atuais autonomias, entretanto, sempre mantiveram suas línguas e seu feroz sentimento de independência. É o caso, por exemplo, da Galícia, de Valência, de Euzkadi (os Países Bascos) e da Catalunha. Acredito que a firme reação do Poder Central contra a tentativa separatista desta última tenha entre seus motivos mais profundos o temor de que ao exemplo catalão possa se seguir uma espécie de debandada dessas regiões com nacionalismos mais afirmativos.

A confrontação, no entanto, continuará. Entre outras razões porque, com seus cerca de 8 milhões de habitantes, a Catalunha é em si mesma a parte da Espanha mais desenvolvida economicamente. E ainda mais pelo papel de liderança que exerceu na Guerra Civil Espanhola contra o franquismo, levantando-se contra o regime do Generalíssimo que foi particularmente duro com a região, proibindo mais uma vez o uso e o ensino da língua catalã assim como qualquer manifestação de “nacionalismo” regional.

Há que entender e respeitar o sentimento catalão. Mas há que entender e respeitar também o imperativo nacional de união da Espanha representada por Madri e pela Coroa espanhola.

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