Por que a China está investindo no Brasil?
Entre 2007 e 2016, empresas chinesas anunciaram para o Brasil investimentos de 80 bilhões de dólares, dos quais 46 bilhões de dólares foram empenhados
Apreensões alarmistas de setores mais conservadores têm apontado motivos para se preocupar com a entrada dos investimentos chineses no Brasil. Na verdade, não há razões para isso. A ascensão da China como potência global é inevitável, sendo impossível e insensato que o Brasil tente se blindar frente a essa nova realidade. É de fundamental importância que futuros governos brasileiros, o setor privado e a academia continuem a se empenhar em construir uma relação bilateral com maior equilíbrio em longo prazo. A aproximação com a China pode trazer inúmeras oportunidades, mas para isso é necessário seguir buscando um maior entendimento da inserção do país asiático no Brasil e no mundo.
A partir dos primeiros anos da década de 2000, as relações entre Brasil e China começaram a abrir espaço para uma agenda bilateral com maior complexidade. A considerável expansão do comércio entre os dois países, a maior interação em fóruns internacionais e a ampliação da agenda política sino-brasileira indicavam o surgimento de um novo patamar nas relações bilaterais. Nesse contexto, surgiu também um fenômeno sem precedentes: a entrada de volumosos investimentos chineses no Brasil.
De acordo com monitoramento realizado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), entre 2007 e 2016, empresas chinesas anunciaram um montante de investimentos no país na ordem de 80 bilhões de dólares, dos quais 46 bilhões de dólares foram de fato postos em prática. Os setores envolvidos são inúmeros, passando pela exploração de recursos naturais, indústrias diversas, agronegócio, tecnologia, finanças e, mais recentemente, a área de geração e transmissão de energia.
Mas o que tem despertado tanto o interesse da China em investir no Brasil?
Primeiramente, a presença desses investimentos no país não é um caso isolado. Por volta dos anos 2000, Pequim passou a apostar em uma política de internacionalização de empresas chinesas ligadas a setores estratégicos, que buscavam, em distintas fases, investir em recursos naturais, mercado consumidor e novas tecnologias. Essa política permitiu que diversas empresas chinesas passassem a investir massivamente em todo o mundo, operando por meio de projetos greenfield, joint ventures, e, mais recentemente, via fusões e aquisições.
Sob a ótica geopolítica, há um interesse de “ocupação de espaços” por parte de Pequim, sendo interessante para a China ter no Brasil um ponto focal na América Latina. A história recente foi marcada pela grande influência dos Estados Unidos na região, sobretudo durante a Guerra Fria. Passadas as tensões ideológicas, surgiram novos tópicos na agenda internacional — como o combate ao terrorismo, imigração e tensões na Ásia — que levaram a um relativo afastamento de Washington. Isso possibilitou a abertura de espaço para uma maior influência de outras potências na América Latina, como tem sido visto com o avanço dos investimentos chineses na região, onde o Brasil figura como o destino mais relevante.
Outro elemento que chama a atenção é o fato de que os investimentos chineses mais volumosos no Brasil são feitos por algumas das maiores empresas estatais do país asiático. Para se ter uma ideia, do valor total dos investimentos confirmados, cerca de 70% têm origem em estatais centrais chinesas, segundo estudos do CEBC. No fim das contas, essas gigantes atendem as orientações do Conselho de Estado, um dos mais altos órgãos do aparato estatal de Pequim. O desenho desse cenário tem como objetivo garantir que a atuação dessas empresas esteja em linha com as prioridades estratégicas de longo prazo da China no Brasil. É o caso da presença crescente no país de grandes empresas da área de energia e commodities, como State Grid, China Three Gorges, Sinopec, CNPC, CNOOC e COFCO.
Finalmente, existem fatores endógenos do atual quadro econômico brasileiro que favorecem a entrada dos investimentos chineses. A desvalorização relativa do Real, o certo grau de desenvolvimento da indústria nacional, o mercado consumidor emergente e a escala da economia brasileira na conjuntura regional contribuem para que o interesse da China na América Latina seja direcionado principalmente para o Brasil. Além disso, o recente movimento pró-privatizações do governo brasileiro tem sido mais um fator que contribui para a atração de investimentos estrangeiros. Exemplo disso foi a visita de Estado feita por Temer à China, em setembro, na qual foram assinados diversos memorandos de entendimento e acordos bilaterais.
Nesse contexto, os benefícios dos investimentos chineses no Brasil são bastante evidentes: contribuem para a geração de empregos, aumentam a produtividade em determinados setores, possibilitam transferência de tecnologia, criam redes de interconectividade entre empresas chinesas e fornecedores locais, trazem projetos para regiões menos desenvolvidas do país e tendem a diminuir gargalos de infraestrutura.
Mas é preciso observar as duas faces da moeda. A China, movida por seu típico pragmatismo, percebe uma grande oportunidade para aumentar sua influência geopolítica no Brasil e na América Latina por meio de investimentos, sobretudo devido ao afastamento dos EUA e a um cenário de crises políticas e econômicas locais. Somado a isso, os benefícios provenientes dessas inversões no país ajudam a fortalecer uma imagem favorável à China, o que em última instância, contribui para que o Brasil esteja mais propenso a se alinhar a Pequim em fóruns e organizações multilaterais.
Tulio Cariello é formado pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Desde 2012 acompanha os investimentos chineses no Brasil.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.