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Pela primeira vez, ondas gravitacionais e luz de uma explosão estelar são captadas

Dezenas de telescópios realizam observação inédita da fusão de duas estrelas de nêutrons

Reconstrução da fusão de duas estrelas de nêutrons
Reconstrução da fusão de duas estrelas de nêutronsESO

Pela primeira vez desde que Einstein previu sua existência, há mais de um século, os cientistas captaram, quase ao mesmo tempo, as ondas gravitacionais e a explosão de luz produzidas pela fusão de duas estrelas de nêutrons, as menores e mais densas do universo.

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Esses astros são restos de estrelas de grande massa que consumiram todo o seu combustível atômico e explodiram, produzindo uma supernova. O que sobra é uma estrela cuja matéria fica sob uma pressão tão alta que tem um diâmetro de apenas 20 quilômetros, e onde uma colherinha de nêutrons pesa cerca de um bilhão de toneladas.

A fusão das duas estrelas de nêutrons observadas ocorreu há 130 milhões de anos na NGC 4993, uma galáxia da constelação de Hidra, a maior entre as 88 conhecidas. Ao se aproximar e colidir, os dois astros liberaram parte de sua massa na forma de ondas gravitacionais, que se expandiram pelo universo na velocidade da luz e que, segundo anunciou Albert Einstein com a Teoria Geral da Relatividade, deformaram com sua passagem o espaço e o tempo até chegar à Terra.

Em 17 de agosto, às 8h41 (13h41 em Brasília), o software de detecção automática do Observatório de Ondas Gravitacionais (LIGO), em Hanford (EUA), soou o alarme ante uma nova vibração nos interferômetros da luz laser. As mesmas ondas foram captadas também a mais de 3.000 quilômetros de distância dali pelo detector gêmeo do LIGO, em Luisiana, e em Pisa (Itália), por seu homólogo europeu Virgo. Dois segundos depois, o telescópio espacial Fermi, da Nasa, e o Integral, da Agência Espacial Europeia, observaram a detonação de raios gama, o tipo de explosão mais potente do universo depois do Big Bang. Esses observatórios determinaram o ponto do céu de onde provinham os sinais e lançaram alertas internacionais a dezenas de telescópios no mundo inteiro. No entardecer daquele dia, os mais potentes telescópios do Observatório Austral Europeu já apontavam para aquele ponto. Em questão de semanas, cerca de 70 observatórios ao redor do globo captaram o evento em todo o espectro eletromagnético, de raios X a ondas de rádio, passando pela luz visível e o infravermelho.

Nessas densas estrelas, uma colherinha de nêutrons pesa cerca de um bilhão de toneladas

Esse violento fenômeno astronômico é o primeiro na história que pôde ser visto e ouvido de forma simultânea, graças aos telescópios convencionais e aos detectores de ondas gravitacionais. Essas vibrações foram descobertas há apenas dois anos. Desde então, o LIGO captou quatro fenômenos, todos eles produzidos por buracos negros, e seus pais científicos ganharam este ano o Nobel de Física pela façanha.

Esse novo sinal é o primeiro que provém de outro tipo de objeto – as estrelas de nêutrons. É também o mais longo e próximo já captado (a 130 milhões de anos-luz). Tanto que abrangeu toda a gama de frequências do LIGO, muito parecidas com as dos instrumentos musicais.

É o primeiro fenômeno astronômico que pôde ser visto e ouvido de forma simultânea, graças aos telescópios convencionais e aos detectores de ondas gravitacionais

“Esse é o evento de ondas gravitacionais mais intenso já detectado”, afirma Alicia Sintes, chefa do grupo de gravitação e relatividade da Universidade da Ilhas Baleares (Espanha), que faz parte da colaboração internacional LIGO. “O sinal da fusão durou 100 segundos, ao passo que os anteriores alcançaram poucos segundos. Como foi produzido quase ao mesmo tempo que uma explosão de raios gama, é a primeira vez que temos a contrapartida visível de um evento de ondas gravitacionais, o que representa um feito histórico, pois estima-se que esse tipo de explosão só acontece em galáxias como a nossa a cada 10.000 anos”, completa.

Uma análise minuciosa desse cataclismo é publicada hoje numa coleção de 15 artigos nas revistas Physical Review Letters, Science e Nature. Os trabalhos confirmam as previsões teóricas realizadas há décadas sobre a origem das explosões rápidas de raios gama e um tipo de explosão estelar conhecido como kilonova. Acredita-se que as estrelas de nêutrons cospem ouro, platina e chumbo nesses eventos, além de outros elementos mais pesados que o ferro.

As kilonovas cospem ouro, platina, urânio e plutônio

“Esse é o primeiro espectro de uma kilonova que pudemos observar. E vimos que os elementos pesados são lançados a 20% da velocidade da luz, muito mais rápido que durante uma supernova”, explica Christina Thöne, pesquisadora do Instituto de Astrofísica de Andaluzia (CSIC) e coautora de cinco dos estudos publicados hoje. A maioria dos elementos conhecidos tem origem astronômica. Os leves, como o hidrogênio e o hélio, foram produzidos após o Big Bang. Outros, como o carbono, o nitrogênio e o ferro, foram gerados por fusão nuclear de estrelas durante bilhões de anos. A colisão das duas estrelas anunciada hoje esclarece como ocorre o chamado “processo rápido” após a explosão de uma kilonova, que permite criar metade de todos os elementos mais pesados que o ferro conhecidos, incluindo o plutônio e alguns metais de terras raras, tão cobiçados em nosso planeta por sua escassez e sua utilidade na fabricação de baterias.

As fusões de buracos negros detectadas até agora tinham como resultado um só buraco muito maior, equivalente a cerca de 30 massas solares. As duas estrelas de nêutrons observadas eram muito menores, com aproximadamente uma massa solar, explica Thöne. Os modelos indicam que, quando uma estrela de nêutrons supera cerca de duas vezes a massa do Sol, a pressão é tão forte que a matéria colapsa e forma um buraco negro. “Ainda não foi possível confirmar, mas acreditamos que as duas estrelas de nêutrons colidiram e criaram um buraco negro”, conclui Thöne.

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