Desenvolver novos medicamentos não é tão caro como dizem farmacêuticas
Um estudo com base em dados públicos analisa o custo de criar novos tratamentos oncológicos
A aprovação da primeira terapia genética conta o câncer nos EUA reavivou o debate sobre o alto preço que alcançam alguns medicamentos. O tratamento, desenvolvido pela Novartis, demonstrou uma alta eficácia contra um tipo de leucemia pouco comum que afeta crianças e jovens de menos de 25 anos. O preço do fármaco, que consiste em uma só dose, é de 475.000 dólares (1,5 milhão de reais)
A indústria justifica o alto preço de alguns fármacos pelo investimento milionário que precisa fazer até levá-los ao mercado. O problema é que nenhuma farmacêutica revela quanto custa desenvolver os remédios. O processo de pesquisa e desenvolvimento de um novo fármaco leva mais de uma década e custa o equivalente a 8,2 bilhões de reais, segundo um centro de estudos especializado neste campo da Universidade Tufts (EUA). Um estudo dessa instituição financiado pela indústria farmacêutica se baseou em dados de 10 empresas e 106 fármacos cedidos voluntariamente pela indústria sem identificar de que empresas nem de que remédios se tratava. O cálculo foi atualizado em várias ocasiões e é a referência para as principais entidades patronais do setor, incluindo a espanhola Farmaindústria.
Agora, dois pesquisadores dos EUA realizaram uma nova estimativa do que custa para colocar no mercado um novo fármaco oncológico. Seus resultados indicam que o tempo necessário é de sete anos e o gasto médio, de 648 milhões de dólares (2,03 bilhões de reais), cerca de quatro vezes menos que o apontado no trabalho anterior.
O novo estudo se baseia em dados públicos sobre 10 empresas farmacêuticas que colocaram um fármaco oncológico no mercado dos EUA cada uma delas entre 2006 e 2016. Os pesquisadores, Vinay Prasad, da Universidade de Ciência e Saúde do Oregón, e Sham Mailankody, do Centro de Câncer Sloan Kettering, de Nova York, analisaram os relatórios financeiros das empresas para estimar quanto gastaram em pesquisa e desenvolvimento até colocar seu fármaco no mercado. O trabalho, publicado no Jama Internal Medicine, afirma que o custo de desenvolver um composto oscilou entre os 159 milhões de dólares (500 milhões de reais) e o 1,95 bilhão de dólares (6,12 bilhões de reais). Nove das 10 drogas analisadas produziram mais benefícios que gastos e quatro delas geraram 10 vezes mais dinheiro do que se gastou em seu desenvolvimento, segundo o trabalho. Uma das drogas analisadas, a eculizumab, custava 409.000 dólares (1,29 bilhão de reais) e chegou a ser considerada “o medicamento más caro do mundo”.
Esta é uma das primeiras “estimativas transparentes sobre o gasto em pesquisa e desenvolvimento em medicamentos oncológicos, e que tem implicações no atual debate sobre o preço dos fármacos”, dizem os autores do estudo. Sua principal limitação – reconhecem – é que as 10 moléculas analisadas representam somente 15% de todos os fármacos contra o câncer aprovados pela agência de medicamentos FDA, dos EUA, no período analisado, e seus dados tampouco são diretamente extrapoláveis para remédios para outras enfermidades. Há outra limitação que este trabalho compartilha com todos os anteriores: “não há transparência sobre o investimento em pesquisa e desenvolvimento das empresas” e, sem ela, não se pode calcular o custo exato de desenvolver novos remédios, afirmam.
A estimativa anterior da Universidade de Tufts era uma “caixa preta de dados secretos, de modo que ninguém podia analisá-los para saber em que estavam baseados”, explica em um email Jerry Avorn, professor de Medicina da Universidade Harvard. “A nova estimativa supera esse problema porque todos os dados são transparentes e nesse sentido é mais realista”, diz o médico. “É um passo na direção adequada para explicar se é justo que os novos fármacos contra o câncer alcancem preços tão incrivelmente altos que muitos pacientes não podem pagar”, acrescenta. A situação é especialmente grave nos EUA, já que ali os preços dos fármacos são fixados pelas empresas e não são negociados com os governos, como acontece na Europa, observa.
Joseph Dimasi, um dos autores do estudo da Tufts financiado pela indústria, desabona o novo trabalho em razão do tipo de empresa analisada. Todas são firmas pequenas, diz, e o estudo não inclui companhias que não tiveram sucesso com nenhum de seus fármacos candidatos, por isso apresenta uma taxa de êxito mais elevada do que a real. Cinco das empresas estudadas foram compradas por companhias maiores durante o período do estudo.
Esta é uma das primeiras “estimativas transparentes sobre o gasto em P+D em medicamentos oncológicos, e tem implicações no atual debate sobre o preço dos fármacos”
Para Jaume Puig-Junoy, especialista em economia e saúde da universidade Pompeu Fabra, o trabalho serve para mostrar “primeiro, que o custo da pesquisa e desenvolvimento em oncologia é muito variável; e, segundo, que ainda sendo essas cifras menores que outras anteriores continuam sendo muito elevadas e continuamos sabemos muito pouco dos efeitos da redução na produtividade da farmacêutica sobre este custo e do custo da ineficiência na gestão da pesquisa e desenvolimento”.
“É uma estimativa bem calculada”, opina o oncologista Josep Tabernero. O preço dos novos medicamentos oncológicos foi um dos principais temas de debate durante o congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Médica, realizada em Madri nesta terça-feira. Tabernero, novo presidente da entidade, considera que “as margens de lucro que as farmacêuticas obtêm não são sustentáveis em nenhum lugar do mundo e é necessário abrir um debate sobre qual é o preço justo dos medicamentos”, explica. O oncologista do Hospital Vall d’Hebron, de Barcelona, cita o caso da Kite Pharma, uma farmacêutica que desenvolveu uma nova terapia genética e que acaba de ser comprada pela Gilead por 10 bilhões de euros (3,74 bilhões de reais). O fármaco pode chegar a custar mais de 700.000 dólares (2,2 bilhões de reais), diz Tabernero.
O oncologista aponta outro problema que aumenta o preço final dos fármacos. “Os estudos clínicos às vezes não são bem definidos e os benefícios para a saúde do paciente são bastante escassos. Isto tem de ser pago, e a indústria nunca perde, sempre recupera tanto o que investiu bem como o que investiu mal”.
“O custo real do desenvolvimento de fármacos é um mundo tão pouco transparente que qualquer novo estudo é bem-vindo”, opina Eduardo Sánchez, economista da Universidade Pública de Navarra e presidente da Associação de Economia da Saúde. O trabalho termina com “uma carta aos Reis Magos ao pedir que se tornem públicos os dados das empresas para que se possa calcular o que realmente custa desenvolver seus fármacos, algo que deveria ser feito por lei, mas é muito difícil”, acrescenta.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.