Cristopher Nolan: “Dunkirk’ não fala de heroísmo, mas de humanidade”

Diretor reconstrói evacuação de 330.000 soldados de Dunquerque em filme que estreia dia 27 de julho

Cena de Dunkirk, de Cristopher Nolan

Foi batizada de Operação Dínamo e consistiu na evacuação de 300.000 soldados aliados da costa francesa em maio de 1940, no início da Segunda Guerra Mundial, quando Adolf Hitler parecia invencível. Nas praias que circundam o terceiro porto mais importante da França, permaneceram outros 35.000 soldados que acabaram se tornando prisioneiros de guerra, um número pequeno para o que poderia ter sido a pior derrota – e que, graças às poucas baixas, acabou ficando conhecida como “o milagre de Dunquerque”.

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Aquela mítica façanha bélica chega agora à telona pelas mãos do londrino Christopher Nolan, de 46 anos, através de Dunkirk, um filme íntimo, próximo e intenso, que mergulha o espectador naqueles dias de maio e que tem estreia prevista no Brasil para 27 de julho. Não são palavras que descrevam um épico de guerra. Tampouco têm muito a ver com seu autor, um cineasta um tanto arrogante e rígido que, fiel aos estereótipos, não costuma mostrar seu afeto. Ainda menos na tela. “As pessoas me dizem que Dunkirk é um filme mais pessoal, mas prefiro defini-lo como um épico intimista”, confessa. Cada vez mais recluso em sua obra, Nolan não gosta de falar em público (“E me recuso a dar entrevista coletiva”), mas recebe o EL PAÍS no aeroporto de Santa Monica, protegido, em seu trailer, da mobilização da imprensa organizada pelos estúdios Warner. “Certamente é meu filme mais britânico e, de algum modo, isso o torna mais pessoal. Mas sempre me sinto intimamente conectado com todos os que faço.”

Amnésia, a saga Batman, Insônia, Interestelar... Nolan não é exatamente conhecido por voar baixo. Mas se superou com Dunkirk. O longa é narrado quase sem diálogo e 75% dele foi rodado com uma câmera IMAX. Em celuloide, claro. E embora se concentre num fragmento da história mundial, Nolan se permite brincar com o tempo – algo habitual em seu estilo – narrando, simultaneamente, histórias que transcorrem em terra ao longo de uma semana, no mar ao longo de um dia e no ar ao longo de uma hora. Influenciado por obras diversas, como Ouro e Maldição (1924), Alien: O Oitavo Passageiro (1979), Correspondente Estrangeiro (1940), Velocidade Máxima (1994), Carruagens de Fogo (1981) e A Batalha de Argel (1966), o realizador nega qualquer exercício estilístico. “Nunca tentei definir meus filmes estilisticamente. Não imponho meus gostos a eles”, defende-se. O estilo Nolan, diz, nasce com cada roteiro. “É a história que me diz onde colocar a câmera. Nesse aspecto, Dunkirk é o filme mais agressivamente subjetivo que já rodei.”

É a história que me diz onde colocar a câmera. Nesse aspecto, Dunkirk é o filme mais agressivamente subjetivo que já rodei

Nolan afirma que não prepara as gravações mais do que o necessário, recorrendo pouco a storyboards e pré-visualizações. A câmera lhe diz onde deve enquadrar a tomada seguinte, e ele se coloca bem ao lado, fazendo com que a lente fosse os seus olhos. E os do espectador. “A experiência está nos ensinando o grande valor do analógico. O cinema digital é como o McDonald’s”, afirma. Ao falar sobre a qualidade do cinema analógico, da incrível resolução de sua cor, do tanto que envolve uma fotografia que é “o mais próximo de como os olhos estão acostumados a ver a realidade”, Nolan levita. É a experiência visual, próxima e ao mesmo tempo épica que ele queria para uma história que nunca descreve como bélica, e sim de suspense. “Dunkirk não fala de heroísmo, mas de humanidade. O único que você quer desses caras é que sobrevivam.”

Nolan com uma câmera IMAXMelinda Sue Gordon (Warner Bros.)

Nesse ponto da carreira, é difícil dizer não a este realizador. Seu acordo com os estúdios Warner pode lhe conferir um salário de cerca de 17,5 milhões de euros (63 milhões de reais) e 20% da renda bruta da bilheteria, que, segundo a revista Box Office, poderia superar os 200 milhões de euros (720 milhões de reais) só nos Estados Unidos e no Canadá. Para Nolan, porém, o maior prêmio é ter rodado o filme que deseja ver. E que só alguns eleitos poderão realmente curtir – aqueles com acesso às salas IMAX para as quais o longa foi pensado. O diretor não se considera elitista; prefere descrever sua forma de fazer cinema com o “efeito derrame”.

“Quando vi Star Wars, foi num cinema de bairro que estava longe de ter um som Dolby Stereo. E daí? Adorei do mesmo jeito, e aquilo me motivou a ver o bom cinema. Agora é a mesma coisa. Não quero impedir as pessoas de verem Dunkirk com a maior qualidade possível. Mas estreio uma experiência da qual gostaria que o maior número possível de pessoas participasse”, esclarece. Mesmo assim, está preparado para o pior. “Se alguém assistir ao filme no telefone, Deus me livre, mas também quero garantir que tenha a melhor qualidade. Nem todas as apresentações têm que ser idênticas”, diz ele, que não tem celular. Sua paixão pelo cinema, especialmente por Blade Runner, O Caçador de Androides – longa que abriu seus olhos para este meio –, faz com que aguarde, com curiosidade de fã, a estreia de Blade Runner 2049. E avisa que é um grande admirador de Denis Villeneuve, diretor da sequência do clássico de 1982. “Mas ele penetra em terreno sagrado”, diz, e sorri pela primeira vez. “Claro que eu mesmo fiz isso com Dunkirk. E não há nada que admire mais do que a coragem.”

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