“Eu não entrevisto negros”: executivo denuncia racismo em processo de seleção
Presidente da Bayer no Brasil levanta bola do debate sobre inclusão dos negros nas grandes companhias
Theo Van der Loo, presidente há seis anos da Bayer no Brasil, está hoje “perplexo” e “assustado” com a atenção que recebeu nas redes socais estes últimos dias, com um post que revela a influência do racismo nos processos de seleção de trabalho. “Gostaria de que ficasse claro que esta não é minha causa como presidente da Bayer, pois hoje sou presidente e amanhã não. Esta é uma causa que defendo como cidadão brasileiro, e gostaria de que não fosse minha e sim da sociedade”, explica. “Não pretendo liderar nada”.
Van der Loo publicou na rede social para profissionais LinkedIn uma história sobre uma entrevista de trabalho, e levantou a bola do debate sobre a inclusão racial nas grandes companhias. Seu post teve quase 306.000 visualizações em quatro dias, um bom número em uma rede restrita a interações de trabalho. Na historia, Jorge* é formado em Tecnologia da Informação e procura emprego. Ele tem um ótimo currículo e, dias atrás, foi chamado por uma empresa para tomar parte de um processo de seleção. Ao chegar, o aguardavam uma funcionária do departamento de Recursos Humanos e a pessoa responsável por fazer a entrevista. Mas não houve entrevista. Jorge ouviu o entrevistador reclamar à sua colega: “Eu não sabia que ele era negro. Eu não entrevisto negros”.
Jorge, no Brasil do século XXI, saiu da empresa sem sequer ter defendido seu currículo e formação. Mas ele contou a penosa cena a Van der Loo, um branco, e ele ficou extremamente indignado. “Ontem, dia 24 de Março, ouvi uma história inaceitável e revoltante”, escreveu. “Um conhecido meu, afrodescendente, com uma excelente formação e currículo, foi fazer uma entrevista. Quando o entrevistador viu sua origem étnica disse à pessoa de RH que ele não sabia deste detalhe e que não entrevistava negros! Eu disse ao meu amigo para fazer uma denúncia. Aí outra surpresa! A resposta: “Pensei, mas achei melhor não fazer, pois posso queimar minha imagem. Sou de família simples e humilde custou muito para chegar onde cheguei”.
Theo tentou que Jorge desse entrevista, mas ele recusou. “Tem medo de ser reconhecido e não achar mais emprego”, lamentou o executivo. Eles, na verdade, sequer se conhecem pessoalmente, mas Theo vasculha na internet perfis de profissionais afrodescentes e os guarda na esperança de poder lhes oferecer uma oportunidade na Bayer. Foi assim que conheceu Jorge, e tanto outros, alguns já sob suas ordens.
Filho de holandeses, Theo nasceu em São Paulo em 1955 e criou-se com crianças do asfalto e da favela do bairro de Brooklin, na zona sul da cidade. “Meus pais sempre me passaram uns valores fortes para não ter preconceito. Os dois viveram a Segunda Guerra e eu lembro da minha mãe sempre ajudando as pessoas, a todas, independentemente da cor ou a classe”.
A Bayer, conta Theo, tem com um comitê próprio pela inclusão e há funcionários dedicados a essa questão. O curioso é que em outros países o foco está em favorecer a integração de mulheres, pessoas com deficiência ou LGBT, mas no Brasil chegou-se à conclusão de que a maior lacuna estava na falta de oportunidades dadas aos negros. No país, enquanto mais de 53% da população se declara negra, apenas representam 17,4% da parcela mais rica do país, segundo dados do IBGE de 2014. “Vejo as pessoas negras com dificuldade de encontrar emprego e fazer carreira. É uma questão de ter uma sociedade mais justa. Minha missão é na Bayer, mas cada CEO tem sua responsabilidade”, alerta o executivo. “Se a gente quer um país melhor não podemos ignorar as desigualdades sociais, e no Brasil quem as sofre são principalmente os afrodescentes. É necessário ter mais negros nas grandes empresas fazendo carreira. É melhor para o país. Do jeito que esta não dá para ficar”.
O executivo relata que tenta colocar seu grãozinho de areia na inclusão racial nas empresas que trabalhou há mais de uma década e alerta: “Essa questão não pode depender apenas dos departamentos de RH, a iniciativa tem que partir também dos CEOs das companhias. Somos nós quem podemos influenciar as contratações”, reivindica. Theo diz que hoje se viu empurrado a denunciar, mas relata os anos de contatos com coletivos e representantes do movimento negro que o ajudaram a tomar consciência de uma realidade, "muito mais profunda e grave do que pensava", que ele nunca sofrerá. “Precisamos do envolvimento do branco, que é ele quem discrimina. Mas quem tem que estar na frente da causa são os negros, que são eles os que sofrem o preconceito, e não eu como branco.”
*O nome foi trocado para preservar a identidade do profissional
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