Fábricas de criatividade revolucionam aprendizado (e já há delas no Brasil)
'Fab labs' valorizam troca de informação e busca por conhecimento além da escola
Na entrada do Fab Lab Galeria Olido, no centro de São Paulo, uma escultura da Vitória de Samotrácia feita em impressora 3D recepciona os visitantes juntamente com três imagens de mulheres cientistas – Hedy Lamarr (inventora da tecnologia que possibilitou a criação do wifi), Tabitha Babbitt (inventora da serra circular) e Ada Lovelace (coinventora da primeira máquina de cálculo). “As pessoas sempre me perguntam se não vou terminar a escultura, pensando que o que falta é a cabeça”, brinca Ricardo Elias Delgado, líder do espaço, que faz parte da Fab Lab Livre SP, uma rede de laboratórios de criatividade, aprendizado e inovação criada pela Prefeitura de São Paulo.
Não se trata de uma escola, ao menos não uma no modelo tradicional. O conceito de fab lab (em inglês fabrication laboratory) surgiu há pouco mais de dez anos, no Centro de Bits e Átomos do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e designa espaços colaborativos de compartilhamento de conhecimento, tecnologias e ferramentas de fabricação digital. Os fab labs oferecem cursos inseridos na cultura maker, uma versão tecnológica do movimento “faça você mesmo”, nos quais pessoas comuns aprendem a desenvolver projetos, independentemente da idade ou escolaridade.
São três os modelos de fab lab disponíveis no Brasil: os públicos, como o da Galeria Olido, gratuitos por serem financiados pelo Governo; os acadêmicos, mantidos por entidades de ensino superior; e os privados (de interesse social ou não), em que os participantes pagam pelo uso do espaço. Todos têm uma característica em comum: equipamentos de ponta, como impressoras 3D, cortadoras a laser, plotter de recorte, fresadoras CNC (máquinas de corte e modelagem em diversos materiais que são guiadas por computador), computadores com software de desenho digital CAD, equipamentos de eletrônica e robótica, além ferramentas de marcenaria e mecânica.
A Prefeitura de São Paulo investiu 2,3 milhões de reais em equipamentos e mais 2 milhões de reais por ano em pagamento de insumo e pessoal no contrato com a ITS Brasil, vencedora da licitação, para a abertura de 12 laboratórios. Desde dezembro de 2015, os fab labs da rede atendem entre 4.500 e 5.000 pessoas por mês. A rede recebe um público variado. “Os mais velhos têm mais paciência para aprender, enquanto os mais novos são mais intuitivos. O diálogo entre gerações ajuda a desenvolver persistência para reavaliar os processos, identificar os erros e aprender”, explica Luiz Otávio Alencar Miranda, chefe da rede pública da Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil), responsável pelo Fab Lab Livre. Ele destaca um dado interessante: a participação feminina é alta nos espaços, chegando a 46% do total de inscritos.
Aprender fazendo
As estudantes de arquitetura Nathallya Martins, 19, e Camila Antunes, 21, frequentam o fab lab localizado dentro do CEU Heliópolis, com o objetivo de utilizar a máquina de corte a laser para montar maquetes de habitação de interesse social para o curso de arquitetura. “Esse equipamento não está disponível em nossa universidade, mas faz muita diferença na qualidade do trabalho”, diz Camila. Elas contam que, por enquanto, foram as únicas de sua turma a utilizar o equipamento. O motivo? Muita gente não conhece os fab labs.
No Brasil, já existem fab labs em várias cidades, mas a divulgação ainda é tímida. No caso do laboratório do CEU Heliópolis, há uma coordenação com o projeto Bairro Educador da região, o que faz com que o laboratório seja muito utilizado pelas crianças e jovens das escolas locais. “Discutimos ações conjuntas e já impactamos 56 escolas da região do Ipiranga com nossos projetos de capacitação de professores, que hoje voltam com seus alunos”, conta Yuri Alexsander Tavares Pereira, líder do Fab Lab Heliópolis.
Empreendedorismo
A mineira Heloísa Neves, fundadora do We Fab e professora do Insper, é uma das pioneiras no desenvolvimento e implementação de fab labs no Brasil. Formada em arquitetura, ela conheceu o movimento maker em 2012, quando passou um ano sabático na Espanha. No Fab Lab Barcelona, ela participou de um curso livre, ministrado pelo MIT e coordenado pelo Fab Academy.
Heloísa admite que passou o primeiro mês reclamando com o fab manager que pagou caro pelo curso e não estava aprendendo. “Demorou um pouco para eu entender que temos que pensar de maneira horizontal e ver que o professor não tem resposta para tudo”, conta. Aliás, muitas vezes a resposta está com o colega. “O maker é uma pessoa que, independentemente de título, tornou-se um expert naquele tema, e quer compartilhar o que aprendeu”, explica ela.
A maker revela que o foco dos fab labs é inovação na área social e educação. “Mas ele não é um espaço para criar produtos complexos e sim acolher pessoas." Em suas viagens, ela percebeu o grande alcance dos fab labs também na Holanda, nos Estados Unidos, e na França e ressalta que, no Brasil, o alcance ainda é limitado principalmente a estudantes de faculdades de arquitetura, design e engenharia. “Está muito elitizado ainda, dá para ampliar”, garante.
Educação por projeto
O Garagem abriu as portas em 2012 como o primeiro fab lab independente do país. Em 2015, a Associação Garagem Fab Lab se mudou do centro de São Paulo para o bairro de Barra Funda, com foco em se tornar um espaço construído pela comunidade. Sem vínculo ou financiamento de nenhuma instituição, o espaço sem fins comerciais conseguiu recursos para reforma por meio de crowdfunding. Todos os móveis do laboratório foram feitos pela CNC, uma fresadora (máquina guiada via computador) capaz de fazer peças maiores. “A própria CNC foi construída aqui, por um arquiteto e um químico, e também temos a nossa própria impressora 3D, feita por mim, que sou designer de produtos e por um amigo fotógrafo”, conta Tauan Bernardo, diretor do Garagem.
Ali, a regra do “faça você mesmo” atrai pessoas curiosas e autodidatas, que pagam um valor mensal para utilizar o espaço ou participar dos cursos. E não há barreira para o acesso à tecnologia. “O conjunto de máquinas é adequado para pessoas que não têm conhecimento técnico”, afirma Tauan. O espaço recebe muitas crianças, especialmente para os cursos de programação e robótica.
“Somos bastante requisitados por empresas e instituições de educação para trazer o movimento maker para dentro da escolar”, conta Tauan. Essa experiência fez com que o Garagem montasse um grupo de estudos para entender como a educação pode interagir melhor com o movimento maker. “Trabalhamos com a ideia de educação por projeto, bastante difundida nos Estados Unidos e Europa”, afirma. Trata-se de uma metodologia de trabalho educacional que tem como objetivo a construção do conhecimento em torno de metas definidas previamente por professores e alunos. “Para realizar projetos, os estudantes precisam aprender as disciplinas”, conta Tauan.
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