Francês compara ambiente inflamado no Engenhão a nazistas
Renaud Lavillenie, que perdeu o ouro no salto com vara para Thiago Braz, critica torcida brasileira
Na terra de Adhemar Ferreira da Silva, o herói brasileiro desta Olimpíada não poderia sair de outro lugar que não fosse o estádio de atletismo. Adhemar, campeão de salto triplo em 1952 e 56, antes de transformar seu corpo atlético em um ícone com sua participação como ator nas versões teatral e cinematográfica de Orfeu do Carnaval, é a grande lenda do atletismo brasileiro. Thiago Braz da Silva, que derrotou Renaud Lavillenie na mais disputada final do salto com vara de que se tem lembrança – um corpo a corpo entre dois atletas que pareciam boxeadores, trocando golpes sem descanso até que um deles, o francês, disse “chega” – tem tudo para se tornar o seu sucessor. Lavillenie é o recordista mundial (6,16m, destronou o mítico Serguei Bubka) e foi o medalhista de ouro em Londres 2012. Para derrotá-lo, Braz, de apenas 22 anos, precisaria superar a barreira dos seis metros pela primeira vez na sua vida. Chegou ao Rio com uma melhor marca de 5,92m. A noite começou com vento e chuva, mas depois a meteorologia deu uma trégua e ocorreu a conjuntura astral evocada pelo público, escasso, porém enlouquecido. Braz saiu do Engenhão com a marca de 6,03m, recorde olímpico, e com uma medalha de ouro, a primeira do seu país no Estádio Olímpico.
A competição prenunciava-se tediosa, rotineira. Sinal disso era a calma de Lavillenie, último saltador a empunhar a vara. Isso foi depois que a noite já estava mais serena, e o sarrafo se encontrava a 5,75 metros de altura. Quatro saltos limpos colocaram o francês em 5,98m. Já era o recorde olímpico. Para ganhar, bastava esperar que os demais continuassem falhando.
Braz chegou à sua tentativa final acumulando saltos anulados. Fez 5,75m numa segunda tentativa, e depois conseguiu 5,93m. Aí o público entrou no jogo, comemorando interminavelmente cada um dos seus saltos e vaiando com a mesma intensidade as tentativas do francês. Assim o brasileiro se recarregou de energia, e Lavillenie foi desmoronando. Pelo sistema de som, o locutor pediu que a torcida respeitasse os preparativos do rival do brasileiro e fizesse silêncio durante os saltos. Isso só serviu para que fosse ainda mais vaiado, que suas falhas fossem ainda mais aplaudidas, que Braz ganhasse ainda mais confiança.
Num ambiente de estádio de futebol, completamente enlouquecido, o mundo viu o valor de jogar em casa. Quando o atleta local decidiu se abster da tentativa de 5,98m, que não lhe renderia nada, e pediu que o sarrafo subisse para 6,03m, a balança se inclinou a seu favor. Lavillenie, já muito tenso, deveria ser o primeiro a atacar a nova altura. Falhou na primeira, e Braz também. Falhou na segunda, mas Braz desta vez não. Elevado pelo delírio da torcida, passou sobre o sarrafo sem nem sequer resvalar. O êxtase após a agonia. “Mas a torcida tão inflamada me prejudicava”, contou depois o novo campeão olímpico. “Eu me obriguei a me concentrar na minha técnica, a esquecer o público”.
Lavillenie, abatido, também atribuiu o resultado à torcida. “Em 1936, o público de Berlim estava contra Jesse Owens”, disse, numa alusão ao nazismo que ele depois admitiu ser exagerada. “Desde então não víamos algo parecido. É algo que precisamos encarar, mas não deixa uma boa imagem do público. Não fiz nada de mal para os brasileiros.”
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