A virada como obra de arte
Phelps realiza uma virada magistral para levar os EUA à sua segunda medalha de ouro na natação
O ouro foi ganho na virada, aquela volta de 180o que os nadadores fazem ao atingir as paredes da piscina, girando a cabeça, empurrando-se com as pernas e impulsionando-se com um movimento ondular que imita o dos mamíferos marítimos. A força é projetada a golpes da cintura, por meio dos quadríceps até a ponta dos pés. Os norte-americanos a chamam de “o quinto estilo”, depois do crawl, costas, borboleta e peito. É a técnica que Michael Phelps tem dominado como ninguém na última década, a obra-prima que ele aplicou no último domingo para dar aos Estados Unidos uma vantagem que garantiu ao país a vitória no revezamento 4x 100m. A Monalisa da natação e, até agora, o auge das competições no Rio.
Phelps nadou a segunda série. Pegou o bastão de seu companheiro de equipe Caeleb Dressel com dois centésimos de segundo de desvantagem em relação à França, que liderava a prova. O francês Fabian Gilot aumentou a distância nos primeiros 50m: 22,42s ante 22,53s do norte-americano. Até que os dois chegaram à parede. Ali, Phelbs ricocheteou como uma bola de borracha e os torcedores presentes ao centro aquático explodiram em um clamor de espanto. Enquanto Gilot emergia e dava braçadas na superfície, Phelps continuava avançando sob a água, driblando a resistência como um peixe na corrente.
Quando subiu à superfície, já estava quase um metro à frente de Gilot, o suficiente para recuperar o espaço perdido e finalizar na dianteira. Gilot fez os 100m em 48,20s; Phelps, em 47,12s, o melhor tempo que já atingiu nessa distância.
Bob Bowman, seu técnico há 20 anos, ficou admirado. “Foram a melhor virada e o melhor nado submerso que Michael fez na vida”, disse. “Essa sim foi uma virada para valer! Provavelmente, foi o ponto de inflexão da prova. Os seus submersos estão agora super-rápidos. Na concentração de Atlanta fizemos alguns testes e constatamos que Michael era mais veloz nos últimos 50 metros dos 100 de nado livre: ali ele supera todo mundo. E isso, graças ao nado submerso”.
Bowman conta que, depois da prova, Phelps estava mais emocionado do que nunca. “’Calma, rapaz!’, eu lhe disse. E ele me disse: ‘Quando cheguei ao peitoril meu coração parecia que ia pular para fora do peito!’”.
“Tem certeza de que vou nadar os 4x 100?”
Quando Bob Bowman apareceu no último domingo no quarto de Michael Phelps, na Vila Olímpica, e lhe comunicou que ele participaria da final de revezamento 4x 100m, o porta-bandeira da delegação dos Estrados Unidos no Rio de Janeiro não esperava por isso. “Como? Tem certeza?”, perguntou, cheio de dúvidas. Bowman, que provavelmente mantém com Phelps o relacionamento mais longevo que qualquer técnico já teve com um pupilo seu, confessou que nunca havia visto o nadador tão emocionado. Nem antes, nem durante, nem depois de conquistar uma medalha de ouro que poderia ser a primeira das últimas cinco da extensa história olímpica de Phelps.
Fazia muitos anos que Phelps não nadava os 100m livre e nem ele mesmo nutria qualquer expectativa de que o convocassem para essa prova olímpica. Mas os técnicos da confederação norte-americana não encontraram ninguém melhor para fazer companhia a Nathan Adrian, o líder dos velocistas. Depois de monitorar Phelps por alguns meses nadando 100m borboleta, a prova individual mais curta em que ele preparou para esta Rio 2016, resolveram consultar Bowman. E este lhes disse: “Quando o Michael está rápido na borboleta, é porque está rápido no nado livre também. E ele está muito rápido nos 100m borboleta!”.
“Como garantir três pontos”
Bowman continua: “O Michael sabe o que tem de fazer no revezamento de 100. Ele sabe que precisa nadar muito rápido no segundo 50 e fazer a diferença na virada, como quem enfia um lance de três pontos no último minuto de um jogo de basquete”.
Bowman e Phelps se reencontraram depois de quase uma década de esfriamento. A conquista das oito medalhas de ouro em Pequim levou a sua convivência ao limite da violência. Testemunhas das sessões de treinamento dizem que elas acabavam em meio a berros e altercações. Discutiam na piscina, no vestiário e até mesmo no estacionamento do Meadowbrook, a sede do Clube da Natação do Norte de Baltimore do qual ambos são sócios-proprietários. As coisas chegaram a um ponto de tensão tão forte que, na preparação para os Jogos de Londres, ao avaliar que o trabalho vinha sendo desastroso, Bowman abandonou Phelps e tirou um mês de férias na Austrália.
A reconciliação, em 2014, tornou possível o resgate da harmonia anterior e as agendas obsessivas. À dupla Phelps-Bowman, uniu-se o terceiro elemento dessa mistura, o preparador físico da Universidade de Michigan Keenan Robinson. Amigo próximo de Phelps desde o seu período em Michigan, quando se prepararam para os Jogos de 2008, Robinson se dedicou a proporcionar ao gênio aquilo de que ele precisava. “Aos 31 anos, Michael já tem muita idade para treinar 85.000 metros por semana”, explica Bowman. “Meu objetivo foi treinar distâncias menores, mas com mais qualidade e velocidade. O trabalho de fortalecimento fora da água, na academia, foi essencial para compensar a perda de resistência inerente à idade. Acredito que dessa maneira Michael nadará mais rápido do que nunca”.
A sua força ficou evidenciada na pressão que fez com os pés sobre a parede na virada. “Fui para martelar a parede!”, disse. O resultado foi o melhor tempo que ele jamais havia realizado nos 100m livre, uma distância para a qual nunca antes havia se preparado seriamente. Ele sempre a deixava em segundo plano, para se firmar nas provas de média distância, que são as que oferecem mais flexibilidade e possibilidade de medalhas.
O fato de Phelps não privilegiar a velocidade não significa que não pudesse nadar como os mais velozes. Até Rio 2016, sua melhor marca nos 100m livre foi o segundo melhor tempo de todos os tempos na natação norte-americana, superado apenas pelos 47,33s de Dave Walters nos Mundiais de 2009, auge dos maiôs flutuantes vetados pela FINA a partir de 2010.
“Com Michael”, observa Bowman, “você sabe que, quando um estilo vai bem, os outros vão também. Se ele está rápido nos 100 de borboleta, então será rápido no crawl. Comecei a ver que ele estava confiante na concentração de San Antonio, duas semanas atrás. Fizemos algumas sessões de treinamento em ritmo de competição, e ele me disse: ‘Foi muito bom’. ‘É verdade, foi muito bom’”, eu disse.
O reencontro parece concluído. Michael Phelps conquistou um ouro que não estava nos seus planos. Seu objetivo é ganhar mais cinco. Os últimos de sua carreira.
As comentadas marcas da massagem com ventosas
Os Jogos do Rio e, em especial, as imagens de Phelps durante a final de 4x 100m, no domingo, fizeram o público televisivo descobrir uma técnica de massagem que já vem sendo usada por profissionais da fisioterapia há alguns anos e que despertaram enorme curiosidade nas redes sociais esta semana. Trata-se da massagem com ventosas, ou cupping. A técnica consiste na aplicação de copos de cristal aquecidos sobre os músculos contraídos a fim de gerar um vácuo que promove uma sucção das fibras, estimulando a circulação e aliviando a dor. O efeito colateral é desagradável apenas visualmente, pois os pacientes passam a exibir hematomas circulares.
Recentemente, o ginasta norte-americano Alex Naddour recomendou o seu uso. “É o segredo que me manteve sadio durante todos esses anos”, disse, em tom de brincadeira, quando lhe perguntaram sobre as manchas, que aparecem também em outros atletas, como no caso de Phelps no domingo.
“É aplicado com facilidade”, conta Chris Brooks, também ginasta. “Você mesmo pode colocar sozinho”. O equipamento pode ser comprado por cerca de 15 euros (cerca de 54 reais).
Na Espanha, o pioneiro do cupping é o atacante do Real Madri Gareth Bale, que o utiliza para atenuar as contrações nas costas desde 2014.
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