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Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Excessos de Erdogan

O presidente turco distorce a democracia com expurgos e acusações

O presidente turco, Tayyip Erdogan.
O presidente turco, Tayyip Erdogan.HANDOUT (REUTERS)

Se, como acaba de anunciar o presidente Erdogan, a democracia turca enfrenta uma ampla conspiração com ramificações internacionais liderada por seu ex-aliado e agora feroz opositor, o líder religioso Fethullah Gülen, e apoiada pelo Ocidente — “o golpe teve atores turcos, mas o roteiro foi escrito no exterior”, disse nesta semana em Ankara —, é nos tribunais, nacionais e internacionais, onde deveria reclamar seus direitos e conseguir as condenações ou extradições pertinentes. Mas em nenhum caso se deve aceitar a demissão arbitrária de funcionários públicos ou o fechamento puro e simples de veículos de comunicação, como fez desde o primeiro momento.

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As democracias têm o direito, e a obrigação, de se defender de seus inimigos, especialmente quando estes se valem de instrumentos como as Forças Armadas, que os cidadãos colocaram em suas mãos para defender a integridade e a soberania do país, com o objetivo de derrubar os representantes democraticamente eleitos, tomar o poder pela força e suspender direitos e liberdades.

No caso específico da Turquia, a envergadura das cumplicidades necessárias para organizar e lançar o golpe de Estado de 5 de julho, juntamente com a extrema violência com a qual os golpistas agiram em seu assalto ao poder — que desembocou na perda de centenas de vidas —, justificam uma investigação a fundo da trama golpista e uma depuração completa das eventuais responsabilidades que possam ter surgido em relação àqueles que, por ação ou omissão, colaboraram com o golpe. Todos estes passos, inclusive a declaração do estado de emergência, são legalmente limitados e sujeitos à própria Constituição, inclusive — como acontece no contexto europeu — sujeitos a mecanismos de notificação por instituições como o Conselho da Europa, do qual a Turquia é membro, cuja missão é garantir os direitos fundamentais.

No entanto, pouco do que vimos na Turquia nas semanas transcorridas desde o golpe está em conformidade com o expectável por parte de uma democracia avançada pertencente ou em vias de aproximação com as principais organizações, da OTAN à UE, passando pelo Conselho da Europa e pela OSCE, que certificam a qualidade dessas democracias.

Ao contrário, o número de pessoas presas, mas especialmente a destituição de juízes, acadêmicos, professores e o fechamento de mais de 130 veículos de comunicação deixam em evidência que Erdogan, como ele, aliás, reconheceu, está utilizando o golpe Estado para limpar a Administração turca e os meios de comunicação do país daqueles que havia tempo tinha designado e fichado como rivais políticos.

O fato de a Turquia, um aliado-chave da OTAN e da UE tanto na luta contra o jihadismo como na questão migratória, deslizar por uma ladeira autoritária deve ser motivo de extrema preocupação. Precisamente devido a essa importância, tanto Washington como as capitais europeias devem lembrar a Erdogan quais tentações deve abandonar e de que lado deve se colocar com toda a clareza.

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