Espanha, um país esgotado
Repetição das eleições gerais encontrará sociedade fatigada pela falta de soluções políticas

Contra o que ditavam a responsabilidade e o bom senso, as forças políticas da Espanha não dão sinal de tentar um esforço final para evitar a repetição das eleições, como provavelmente constatará o Rei na rodada de consultas que começará nesta segunda-feira com os dirigentes políticos. A situação leva os espanhóis às urnas por uma mistura de lideranças frágeis e interesses partidários, unida à falta de ambição em um projeto para o país. Se votar de novo fosse a chave para estabilizar a situação política, pelo menos haveria uma esperança, mas há poucos motivos para crer que a dinâmica acionada vá nessa direção.
Em mais de quatro meses houve somente uma tentativa séria de formar um Governo. Esse único projeto, fruto do pacto entre o Partido Socialista (PSOE) e o Cidadãos, foi ferrenhamente combatido pelo Partido Popular (PP) e pelo Podemos, os grandes culpados, por sua atitude destrutiva, por ser necessário repetir as eleições gerais. O líder socialista Pedro Sánchez, no páreo até os debates de investidura, sumiu do primeiro plano, e ninguém mais voltou a tentar outro acordo, e menos que todos, o atual presidente Mariano Rajoy. Desde a votação fracassada de Sánchez teve início uma sucessão de impasses, falsas largadas e nenhum avanço. É de se supor que o presidente em exercício não cairá na tentação de oferecer um acordo de última hora, para continuar no poder, depois de ter se limitado a ver o que vinha.
A provável convocação às urnas encontrará a sociedade cansada, aborrecida e fatigada. O grau de confiança na situação política é notavelmente baixo, a julgar pelas pesquisas. Quase todo o ano de 2015 foi consumido em campanhas eleitorais de alcances diversos — autonômico, municipal, estadual — antes de entrar em outro grande compasso de espera em 2016. Exceto se houver grandes surpresas, não há perspectiva que não a de organizar uma nova campanha eleitoral e prolongar a interinidade até o verão europeu. Muito tempo para uma condição razoável de estabilidade, e mais ainda para um país pressionado por problemas e fraturas muito urgentes. Nem sequer há garantia de que será aprovado o próximo Orçamento do Estado — ação vedada legalmente ao Governo em exercício —, e fica mais distante o horizonte da reforma da Constituição, mal evocada até pelos socialistas, antes seus grandes defensores.
Partidos chegam desgastados, e as instituições, em crise
Os problemas não podem ser eternamente suportados. Nas palavras de Jean Monnet, um dos pais do que hoje é a União Europeia, “nada é possível sem as pessoas, mas nada é duradouro sem as instituições”. Esgotada pela crise de confiança provocada por tantos anos de problemas econômicos, a Espanha enfrenta também uma crise institucional. Os maiores partidos chegam meio abatidos à provável convocação das eleições. E o Governo em exercício se nega a cumprir os deveres básicos impostos pelo controle parlamentar.
O próprio Parlamento está cambaleante. O Senado não tem praticamente nada para fazer, e o Congresso perdeu a chance de mostrar que uma câmara sem maioria absoluta pode se tornar o centro da vida política. O novo Congresso tem matado o tempo com a tramitação de iniciativas que, como era de conhecimento dos deputados desde o primeiro momento, não teriam viabilidade em caso de interrupção da legislatura. Isso não foi obstáculo para propor desde a revogação da lei de melhora da educação até a redução da idade de voto para 16 anos, ou a bateria de medidas sociais incluídas na chamada lei 25. Com essas tentativas se distraíram alguns grupos refratários a cumprir a primeira de suas obrigações, que era a de preparar a eleição de um presidente do Governo, tarefa constitucionalmente tão vital para o Congresso que seu descumprimento conduz à iminente dissolução do Parlamento.
Congresso perde a chance de mostrar o que pode ser feito sem a maioria absoluta
Se for preciso votar novamente, terá sido perdido mais de um ano sem se fazer nada em relação ao prolongamento dos altos níveis de desemprego e de emprego precário nem às reformas paradas por falta de impulso político, nem à irrelevância no exterior, nem à deterioração da confiança pela Europa. O país vive simplesmente da renda de uma saída de crise econômica que, mal iniciada, já permite entrever o risco da contração do crescimento. Não há como não se alarmar diante da falta de pulso e de coragem representada pela impossibilidade de identificar um projeto capaz de tirar o país da crise.
As forças políticas que tentam polarizar e perturbar, em busca dos votos que não tiveram em 20 de dezembro do ano passado, merecerão uma taxativa desqualificação nas urnas. O mínimo que se pode esperar dos maiores partidos é que mantenham suficiente reserva de responsabilidade para resolver de imediato a formação de um Governo depois das eleições de 26 de junho — caso indispensáveis — e que ponham em marcha uma legislatura digna desse nome.