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Morre Johan Cruyff, viva o ‘cruyffismo’

Holandês mudou o olhar sobre o futebol e a história do Ajax e do Barça

Johan Cruyff, en una imagen de archivo.Vídeo: EL PAÍS VÍDEO
Ramon Besa
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Johan Cruyff morreu depressa, mas não correndo, e sem avisar, mas também sem improviso, da mesma maneira que vivia o futebol e entendia a vida, com um sorriso, um pirulito na boca e um câncer no pulmão, sempre arrebatador e às vezes tão óbvio que dava vontade de contrariá-lo, simplesmente para discutir, como quando contava que o branco é uma cor que só funciona por oposição, e não se referia necessariamente ao Madrid.

Em maior ou menor grau, acabando de o ver passeando pela rua ou no aeroporto, todos se convenciam de que estava ganhando a partida por 2X0, porque assim havia dito, e a maioria acreditava nele, por mais que em cada conversa sempre aparecesse o chato que garantia saber com certeza que convinha preparar-se antes cedo do que tarde para o adeus de El Flaco. E se foi na Quinta-Feira Santa certamente porque sabia que na sexta-feira os jornais não saem na Catalunha.

Assim único era Cruyff. Do mesmo modo que não queria obituários nem no papel nem na Internet, tampouco pretendia que se organizasse um cortejo fúnebre, e menos lhe apeteciam as carpideiras, alegre e direto como era, inclusive porta-voz de suas notícias, à sua maneira até de uma morte que agora se anuncia mesmo nos maços de Camel. Ninguém nunca falou tão claro como Cruyff. Não dominava nenhum idioma e, no entanto, era entendido em todos os lugares, circunstância que o dispensou de expressar-se em catalão, inclusive na Plaça Sant Jaume.

A linguagem de Cruyff é tão universal como sua lógica, de tal modo que sua obra transcende sua pessoa, até se transformar em uma religião cuja arma é inóqua: explica-se por meio de uma bola e de uma roda de bobinho, da mesma maneira que o jogo depende de um centímetro e de um segundo, como se constata em cada partida do Barça. O cruyffismo está mais expandido do que nunca desde que Cruyff deixou de estar. Não há um treinador mais cruyffista do que Guardiola. Até Messi bate os pênaltis como Cruyff. Não se sabe de ninguém que tivesse perguntado se um pênalti indireto era regulamentado até que Cruyff o bateu assim e nem sequer a FIFA o desautorizou. Não se sabia que se podia fazer um gol com a ponta da chuteira paralela à trave do goleiro até que um Ás voador marcasse. Tampouco constava que o Barça poderia ganhar do Madrid sem que nada acontecesse até o 5X0 do Bernabéu. Cruyff mudou a história do Barça como jogador e depois treinador do Dream Team.

Talvez porque fosse um radical irreverente e contrário ao poder, sempre subversivo, acabaram-se as dolorosas transições no Camp Nou. A mudança de ritmo de Cruyff desconcertou os rivais e estimulou o avanço do Barcelona. O barcelonismo já não se alimentava somente de seu relato, especialmente célebre na derrota, mas passou a ter uma marca ganhadora que hoje está na boca do Ajax, do Bayern, do Manchester City, da Champions. Há um antes e um depois de Cruyff no Camp Nou: 44 títulos até 1988 e outros 44 e, claro, desde sua chegada a Copa da Europa.

O barcelonismo soube a partir de Cruyff que não se perdia a Copa da Europa nos pênaltis nem por culpa das traves, mas se ganhava na prorrogação com um gol de falta em Wembley. O torcedor do Barça também entendeu que as Ligas não escapavam à última hora em Córdoba por um 1X0, mas eram vencidas nos acréscimos e sem jogar em A Coruña e Tenerife. Já então qualquer aficionado do futebol estava consciente de que a Holanda havia ganho a Copa do Mundo de 1974, apesar de perder para a Alemanha. O futebol total da Laranja e do Ajax cativou até quem não gostava de futebol, pela elegância, a velocidade e a plasticidade de Cruyff. O Flaco marcou época, como Pelé, Di Stéfano e Maradona.

Difícil para os dirigentes

Cruyff dinamizou o futebol em campo e o revolucionou como técnico no Camp Nou. A equipe atacava de modo desenfreado, desapiedado e vencedor, até que Cruyff discutiu pela última vez com Núñez. Nunca foi fácil para os dirigentes do Barça nem do Ajax nem da federação da Holanda. Cruyff encerrou sua vida profissional como técnico do Catalunya. “Rapazes”, alertou a seus jogadores catalães em uma partida, “hoje vocês têm que chutar toda vez que chegarem ao gol”.

Cruyff era muito direto quando lhe perguntavam sobre a Catalunha: se os jogadores chutam, os cidadãos também devem decidir o que querem ser –dizia–, sem medo, sem complicações, otimista, como no futebol, como o Barça. Amigo de Laporta, e pedra filosofal da equipe armada por Rijkaard e Guardiola, Cruyff discutiu com Rosell e mantinha uma relação correta com Bartomeu. Ao clube, tão aturdido como a torcida, também custou reagir à notícia do adeus de Cruyff aos 68 anos. Não se sabe de ninguém que tivesse conseguido acompanhar o Flaco de tão inteligente, preciso e rápido como era, inclusive no dia de sua morte, que surpreendeu a todos porque anunciara que a venceria e ninguém duvidou da palavra de Cruyff. Até as seções de obituário não conseguem acreditar e demorarão para sair nos jornais de Barcelona. O cruyffismo está mais vivo do que nunca no mundo e no Barça.

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