A crise é um banquete para a sátira política do Carnaval
O humor dos artistas do Carnaval pode servir para afrouxar o cinto da crise que está aprisionando o país e o ajudar a respirar com maior esperança
Apesar da crise ou talvez por causa dela, espera-se que o Carnaval deste ano, embora com menos recursos econômicos, desperte um interesse especial entre o grande público.
Essa semana de desnudamento festivo, na qual não existe o dia separado da noite e onde correm soltos os rios da sensualidade, seria aproveitada como uma forma de submeter as angústias, temores e iras da crise política e econômica a um rito de exorcismo laico.
A crise política e econômica que açoitou o Brasil em 2015 encontrará este ano, afirmam os especialistas, uma válvula de escape na sátira dos compositores das letras de marchinhas de carnaval, cantores e humoristas dos malfeitos dos políticos.
Esses poetas encontraram sempre um campo fértil no humor político que arrasa com tudo, já que golpeia tanto os detentores do poder como a oposição. Seu lema é a irreverência. Mas a arma da sátira será mais difícil para eles este ano porque terão que levar em conta que foram precisamente esses personagens da política e das empresas, muitos dele já na prisão, que acabaram dividindo a sociedade em guelfos e gibelinos, como nas antigas disputas medievais.
Não vai faltar material a esses compositores. Já começam a aparecer as primeiras letras de algumas marchinhas inspiradas em personagens concretos que durante o ano que acabou foram os protagonistas das manchetes dos meios de comunicação, para o bem e para o mal.
Das 611 músicas inscritas no concurso do Carnaval do Rio, por exemplo, 120 são de críticas à presidenta Dilma Rousseff e ao odiado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, e citam a Operação Lava Jato, que conduz a cruzada contra a corrupção política e empresarial.
Segundo explicou ao jornal O Globo o advogado e compositor Thiago de Souza, que para este ano já compôs 14 marchas de cunho político, o cenário desta vez apresenta uma trama cênica completa e de humor com várias tonalidades, dada a riqueza dos personagens criados pela crônica política, policial e judiciária da Operação Lava Jato.
É uma trama, de fato, que reúne com grande riqueza e variedade de personagens todas as artes cênicas, como o drama, a comédia e a opereta.
Trata-se de um verdadeiro banquete para os artistas da sátira, que poderão usar suas armas com total liberdade, pois se há um momento no Brasil em que tudo é permitido e não existem personagens tabus ou intocáveis é o das marchas de carnaval.
Os políticos no poder neste país são acusados de não terem sabido administrar a crise que afeta o Brasil e ainda se arrastará sem que se saiba até quando. Por isso, seria importante lembrar-lhes que essa falta de habilidade e criatividade para fazer funcionar a maltratada economia contrasta – como sempre advertiram vários antropólogos deste país, como Roberto DaMatta – com a eficiência dos organizadores das representações cênicas das famosas e históricas escolas de samba, um verdadeiro exemplo de criatividade, funcionalidade, pontualidade e beleza ao mesmo tempo.
Sempre se disse que se o Brasil fosse administrado com a mesma eficiência demonstrada pelos especialistas do Carnaval, o país superaria os mais bem organizados do Planeta.
Quem sabe se desta vez a lição da sátira popular que apresentarão os artistas do Carnaval não servirá para afrouxar o cinto da crise que está aprisionando o país e o ajudar a respirar com maior esperança.
Os poetas costumam dizer que nada é mais libertador que a sátira e a metáfora. Tomara que os políticos que serão fustigados e exibidos com humor em músicas e máscaras, e que são incapazes de devolver ao Brasil o prestígio que merece e que já teve no mundo, aprendam com a força criativa e festiva do Carnaval que este país é maior e mais importante que todos os seus imbróglios de corrupção.
Dói até em quem não é brasileiro, mas ama este país, a notícia publicada, por exemplo, por Lauro Jardim (do jornal O Globo) na qual se informa que um importante banqueiro de investimentos do país, depois de uma série de conversas com investidores estrangeiros, concluiu: “O Brasil saiu do mapa”.
Que o Carnaval, cuja força quase cósmica impressionou o Nobel de Literatura Vargas Llosa, ao participar um ano no Rio de um bloco carnavalesco, sirva, pelo menos, para que o mundo saiba que o Brasil continua firme no mapa, como uma peça-chave do continente. Os políticos e governos passam, e o Brasil seguirá aqui, criando arte e momentos festivos de renovação humana e espiritual como poucos saberiam fazer melhor.