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Presidente da Sony: “O vinil e o filme fotográfico terão uma segunda vida”

Kazuo Hirai aposta na qualidade do som e da imagem e na realidade virtual

Poucas pessoas têm a influência de Kazuo Hirai (Tóquio, 1960) em tantos setores. A empresa que preside, Sony, ocupa um lugar de destaque nos produtos eletrônicos, onde é pioneira; no cinema e na música, com seus respectivos estúdios e gravadora; telefonia móvel de alta qualidade, como o Xperia; e lazer digital com o console de videogame PlayStation.

Kaz Hirai, fotografado terça-feira passada na feira CES.
Kaz Hirai, fotografado terça-feira passada na feira CES.Robyn Beck (AFP)
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Kaz, como é conhecido há décadas, preocupa-se com a excelência de sua marca, mas também que ela seja uma opção sólida e apta para todo os públicos.

Hirai criou o PlayStation quando ninguém achava que podia competir com Sega e Nintendo. Hoje, é líder nesse campo. Criar essa divisão foi o melhor aval para chegar ao seu cargo atual. Vindo de uma família tradicional japonesa, vinculada às finanças, mas educado nos Estados Unidos, ele conseguiu unir ambas as culturas e dar um novo impulso à Sony. A empresa passou por uma melhoria financeira: no primeiro trimestre de 2015, obteve lucro operacional de 780 milhões de dólares (3,1 bilhões de reais), o mais alto dos últimos oito anos. E os analistas afirmam que a Sony trabalha agora de maneira mais compacta, como um grande grupo e com menos divisões, inovando num ritmo mais rápido. Uma de suas últimas apostas foi a adoção de ferramentas de financiamento coletivo para lançar produtos. A entrevista ao EL PAÍS foi realizada durante a Consumer Electronic Show (CES), a maior feira de eletrônicos do mundo, em Las Vegas.

Pergunta. Nesta edição da CES, seu estande conta com um grande número de dispositivos, muito diferentes entre si. Se tivesse de escolher um, qual seria?

Resposta. Para mim é muito difícil escolher, mas ficaria talvez com o aroma stick, um difusor para a casa voltado a um público muito diferente do habitual. Também gosto do relógio inteligente de tinta eletrônica. E, em outro campo, gosto também de nossa televisão de maior destaque, com alta definição e sem fios. Percebemos que o ciclo dos produtos é diferente agora, mais rápido, com a busca de novidades.

P. Chama a atenção o fato de que a Sony, uma empresa com recursos e experiência, aposte na fórmula do financiamento coletivo. Por quê?

R. Não fazemos isso por necessidade. A Sony tem recursos para desenvolver novos produtos, mas o fazemos por uma questão mais importante: a capacidade de se envolver nos projetos. Muitas vezes, alguém tem uma ideia, nós a aceitamos e a desenvolvemos, mas os que a propõem vão perdendo entusiasmo ou veem que, como nós investimos o dinheiro, tanto faz o resultado. Além disso, aceitar dinheiro dos consumidores confere uma responsabilidade a mais, faz com que sintamos seu apoio e sua exigência. Ao mesmo tempo, serve para medir o interesse real pela compra de um produto. Quero apoiar as pessoas que têm paixão, que acreditam muito no que fazem, que assumem riscos. A Sony está mudando, e eu também enfrento novos desafios. Criei uma nova divisão, voltada aos negócios imobiliários.

P. Voltemos à TV que coroa o seu estande. O que a torna tão especial?

“A Sony faz com que seus produtos tenham um valor emocional, mas não pretendemos que sejam percebidos como um luxo”

R. A qualidade da tela, evidentemente, mas também o sistema de gestão dos fios. É uma de minhas obsessões há anos. Antes de ser presidente da Sony, eu ficava muito incomodado quando me mostravam um protótipo de tela, e tudo era lindo, mas logo depois, na casa do consumidor, ficava muito diferente. Não é bom investir em algo tão bem desenhado e que logo fique horrível na casa por causa do emaranhado de fios. Não desenhamos para ganhar prêmios, desenhamos para as casas. Não gosto que os fios apareçam. Sou obcecado em solucionar esse problema. Este é um passo nessa direção.

P. E se os demais copiarem vocês?

R. Se nos copiarem? Bem, não gosto dessa palavra. Prefiro falar de inspiração, mas é evidente que isso acontece. Nos seguem na disposição do estande, em como colocamos os produtos, em seu desenho... Nós pensamos no aparelho e em seu dia-a-dia. Isso não pode ser copiado tão facilmente.

P. Durante muitos anos, a Sony foi percebida como uma marca cara, quase de luxo. Isso também muda?

R. Há alguns anos, a eletrônica era para poucos. Hoje é uma coisa à qual todos têm acesso, com muitas categorias: televisão, câmeras, celulares... Nós nos esforçamos para sermos os melhores em desenho, em pesquisa de materiais. Queremos que os consumidores estejam orgulhosos da compra, que ela seja duradoura. A Sony faz com que seus produtos tenham um valor emocional, mas não pretendemos que sejam percebidos como um luxo.

“Não gosto que os fios apareçam. Tenho obsessão por solucionar esse problema”

P. Seu walkman de alta definição custa 1.200 dólares. Na CES, dedicaram uma mesa para vinis, que podem ser conectados ao walkman. Por quê?

R. Existe interesse pelos analógicos. Os analógicos voltam, na música e na fotografia. O vinil e o filme fotográfico terão uma segunda vida. Os artistas de nossa gravadora me pedem isso. Querem lançar um LP. Minha filha, que estuda fotografia, usa máquina digital para a aula, mas tem uma câmera analógica para uso pessoal. E ela me deixou claro que gosta de trocar o rolo e do processo de revelação. Sobretudo, saber que tem 36 disparos a faz pensar melhor em cada um deles. Tudo volta. Lançar nosso sistema para digitalizar o vinil e permitir que a pessoa o leve consigo sem perder qualidade é uma aposta no formato. Cada vez há mais interesse na qualidade, em formatos que não percam fidelidade. Quero confessar que não encontro profissionais que saibam de verdade de áudio analógico. Convenci e contratei muita gente que já estava aposentada para poder lançar esse produto, técnicos de som que sabem tratar o vinil. E isso acontece também com os discos dos artistas.

P. Voltando à fotografia: quando começaram a lançar câmeras com lentes intercambiáveis, muitos profissionais diziam que elas eram como um brinquedo para aficionados. Agora, cada vez mais gente muda para esse sistema. Como conseguiram isso?

R. Com muita pesquisa e buscando a excelência. Com os primeiros modelos, muitos profissionais me diziam “parecem câmeras feitas por uma empresa de aparelhos, não câmeras de fotos”. Assumi isso com humildade, mas continuamos no ramo. Sabia que nossos conhecimentos de imagem dariam frutos. Tudo o que sabemos de telas graças aos televisores, de sensores graças às câmeras de vídeo, de luz, tudo isso tinha que acabar funcionando. Com a linha alpha 7, chegamos ao ponto que tanto queríamos. O novo desafio que assumo é criar uma nova gama de lentes para explorar de verdade seu potencial. Vejo o corpo da câmera como o PlayStation; e as lentes, como se fossem os jogos. A potência e o conteúdo têm que avançar juntos para terem sentido.

“Não encontro profissionais que saibam de verdade de áudio analógico. Convenci e contratei muita gente que já estava aposentada”

P. Dentro do que foi apresentado na CES, há vários aparelhos um tanto atípicos: um projetor de pequenas dimensões, um viva-voz escondido numa lâmpada... São só protótipos ou chegarão ao mercado?

R. Tudo o que é exibido é real. Gosto de fazer coisas novas. Quando me nomearam diretor-presidente, apostei no primeiro projetor em 4K (ultra alta definição de vídeo). Foi ideia minha e vendeu muito bem. Quero que o mesmo aconteça com essas propostas. Sou contra o costume de mostrar protótipos e que a coisa termine aí. Tudo o que exibimos irá ao mercado. É preciso assumir riscos, perder o medo de que algo dê errado.

P. Como o PlayStation se encaixa em todo esse universo?

R. O PlayStation é um vetor de crescimento que nos dá uma base de negócios firme. E tem algo muito importante no plano estratégico: demograficamente, nos leva a um público mais jovem que o habitual da Sony. Serve para que possamos reforçar a marca e tem uma tecnologia muito potente. Vai nos permitir entrar à realidade virtual com excelência, unindo imagem e som.

P. Quando veremos sua proposta no mercado?

R. Ainda este ano.

P. O Google publicou padrões para gravar em 360 graus. A Samsung apresentou uma câmera pensada para fazer vídeos para Oculus. A Sony fará câmeras para gravar vídeos em realidade virtual?

R. Fomos pioneiros em câmeras de gravação em 4K, que é nosso espaço natural. Mas não vamos nos precipitar. Quando lançarmos, será para fazer o melhor conteúdo em realidade virtual. Faremos uma solução melhor, que está sendo elaborada em nossos laboratórios.

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