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Coluna
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O fofo é o novo cafa

#MeuAmigoSecreto é fofo. E no que o fofo é mais cafa do que os canalhas normais? No dom-juanismo. Ele é doente pela conquista. Não (obrigatoriamente) pela conquistada.

#MeuAmigoSecreto é fofo. E aqui não vai nenhuma denúncia, apenas uma constatação: o fofo também é canalha. Tenho dito e repetido. O tipo fofo, fofo moderno, lidera, no momento, as queixas das minhas amigas nas redes sociais e ao pé do ouvido deste cronista e ombudsman dos corações prejudicados.

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E no que o fofo é mais cafa do que os canalhas normais? No dom-juanismo. Ele é doente pela conquista. Não (obrigatoriamente) pela conquistada. Ele acende o olhar da moça e foge na hora que ela deseja fazer da vida dos dois uma fogueira gigante de Caruaru ou Campina Grande. Está aí o ponto fraco da fofolândia: fazer a coisa certa, bote certa nisso, e cair fora diante do incêndio amoroso.

Do cafa de fato e de direito, nada se espera, a não ser, com licença da palavra, a phoda com ph. O fofo promete demais. Eis a diferença. O fofo faz ficção científica no juízo da mina e não entrega o futuro que deveras noveliza.

O fofo foge de todos os fogos, el fuego. O fofo é um canalha que já vem com extintor sentimental na mochila. Todo fofo, aliás, usa mochila. Está sempre de partida.

Falar em mochila... Todo hipster é automaticamente um fofo. Mas nem todo fofo é hipster, seja lá o que isso signifique na crônica de costumes.

Sacanagem com os fofos da minha parte, não é? É. No raso no raso, devo invejar os fofos. Como eles são profissas aparentando o máximo da vida alternativa. Eu devo ter sido um fofo na vida passada.

#MeuAmigoSecreto é fofo. E nem estou falando ainda de machismo, essa doença infantil do macho latino por excelência. Sim, o fofo também é machista, como todos nós. Talvez o fofo seja menos machista do que o macho-jurubeba, digo, o homem à moda antiga. O fofo tem algum senso de justiça –e não somente na divisão de tarefas domésticas. O fofo já foi criado por mulheres batalhadoras. O fofo viu a mãe ganhando a vida da família –esse testemunho põe o fofo adiante.

As lindas contradições da história –nesse mundão perdido de teses prontas- alumiando nosso caminho. Não, o pensamento, por mais vazio e liso que seja, não cabe numa hashtag. Voltemos ao fofo enquanto fofo propriamente dito.

É ele o principal assunto das mensagens que recebo desde que comecei a escrever no El País. As moças se queixam. O fofo é o mais claro e óbvio dos enigmas. Como se dissessem: os machões dançaram, caro Norman Mailer, mas esses meninos fogem das mulheres como o diabo da cruz. Esses meninos...

Que fazer, velho tio Lênin?

Se eu fosse mulher, ainda preferiria um fofo, deixa quieto, sigamos com as queixas que chegam na posta-restante do cronista do amor louco.

Mas entendo o priu do apito do mulherio. O fofo foge à luta. O fofo talvez não veja na mulher o centro do universo, a única razão para viver à vera. O fofo pedala. O fofo até fode, mas não vê nisso a única razão da existência. E pensando bem, é, né?

Please, Mr. Postman

No que agora recupero a primeira cartinha de queixa de uma moça desgostosa com a fofolândia, como registrei no meu novo livro. Sim, o principal defeito do fofo é alardear todo amor que houver nessa vida e sumir como um homem qualquer. Repare:

“Aí do nada o desgraçado desaparece. Quebra geral a narrativa. Nem um sinal de tambor na floresta, necas de uma mensagenzinha, mesmo que sem graça, em uma garrafa atirada nos mares internéticos...”

Eis o fofo em carne e osso. Digo, o fofo em “alma sebosa”, como canta meu menino vadio Johnny Hooker.

A moça tenta um contato de terceiro grau. Nada. A moça, amigo, vos digo, não é uma desesperada que viu no encontro uma cena de matrimônio. Ao contrário. Estava na dela, tipo ele fala em casamento… ela toma uma coca zero ou um suco daquelas coisas verdes estranhas que a gente antigamente botava no tutu à mineira.

Só fica puta da vida porque o miserável das costas ocas, o malassombro, não é claro no seu sumiço. Havia até falado em ver “As mil e uma noites”, o filme, com a nega. Sem se falar em outras fofuras futuras futuristas etc.

Aí chegamos ao ponto, colega. Os fofos são os piores nesse aspecto. Só os fofos pulverizam o ambiente com o bom-ar das falsas promessas. Os fofos sentem a extrema necessidade de continuarem fofos. São escravos disso. Amam ser elogiados pela utópica fofolândia que carregam no mapa imaginário de bolso.

Não vivem sem. Nem a pau, duvido. São escravos da fofura ou da falsa e viciante fofura.

O cafajeste até deixa um certo suspense, afinal de contas sabe que o encontro de um homem e uma mulher é e sempre será dirigido pelo cineasta Hitchcock, mas o cafa não engana com os signos da fofice de um possível namoro. Todo cafa é apenas um budista -sem templo- que vive o momento amoroso.

O perigo, nesse sentido, amiga, vem do fofo. O que apenas prova que o contrário da cafajestice não é a fofura.

O bom homem é, digamos assim, o homem normal, o homem da agricultura, do comércio, da pecuária, o vaqueiro, o suburbano sem os arrotos do canalha-bouquet dos vinhos finos.

O fofo pode ser sim um perigo.

O fofo sofre da doença da conquista pelos bons modos e a boa impressão que causa. Aquele que faz a moça ligar para a amiga no dia seguinte e dizer, na euforia, “bicha, num acredito, o que é esse homem, tão sensível, curte literatura, ama o Morrissey…”

O fofo tem sangue frio na sua arquitetura da decepção. O fofo constrói todo um repertório de coincidência de meus livros, meus discos, minhas bandas etc.

Sumir todo mundo some, homem, mulher etc, mas na equação entre promessa e fuga ninguém supera a covardia –sentimental ou sexual- de um um homem dito fofo.

Tenho dito. Cada vez mais longe da certeza e cada vez mais perto da contradição chamada vida.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Os machões dançaram” (ed. Record), entre outros livros.

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