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Obesidade
Crônica
Texto informativo com interpretação

Contra a gordura

Os obesos são os mais pobres das sociedades ricas; os famintos são os das mais pobres

Martín Caparrós
Nos Estados Unidos, a obesidade custa, apenas em atendimento à saúde, o equivalente a 550 bilhões de reais por ano.
Nos Estados Unidos, a obesidade custa, apenas em atendimento à saúde, o equivalente a 550 bilhões de reais por ano.Bruce Gilden (Magnum)

O problema é que temos corpos de milhões de anos. Somos arcaicos: nosso organismo muda muito mais lentamente do que o modo como o usamos. A gordura – sem ir mais longe – foi, no princípio, uma grande vantagem evolutiva: a capacidade de armazenar energia fez com que aqueles homens primitivos – mais primitivos ainda – pudessem suportar temporadas de escassez e continuar vivos, e assim começaram a inventar deuses e terminaram inventando o pirulito. A gordura nos trouxe até aqui: graças à gordura somos, contra a gordura vivemos em cruzada.

Como aqueles ancestrais que puseram em andamento, milênio após milênio, o mecanismo de reserva de gordura se mexiam, eles a gastavam. Nós, sedentários contumazes, não mais, e nos tornamos gordos.

A obesidade é um dos problemas sérios deste mundo, e um desses de que realmente se fala. À primeira vista, a parábola é fácil: há, no planeta, quase tantos obesos como famintos; é simples concluir que uns devoram a comida de que os outros necessitam. Mas não é verdade: os obesos também são desnutridos, só que vivem em países mais prósperos. Sua obesidade vem, na maior partem, do consumo de comida porcaria, a mais barata, a mais prejudicial. Os obesos, em geral, são os mais pobres das sociedades ricas; os famintos são os das mais pobres.

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Os famintos vivem longe dos centros de poder; os obesos, bem perto. É fácil não ver os famintos; em troca, os obesos estão aí, incomodam, questionam e, pior, custam caro. Nos Estados Unidos, por exemplo, a obesidade custa, somente em atendimento à saúde, o equivalente a 550 bilhões de reais por ano. Por isso – e porque há muito dinheiro no negócio de emagrecer – a luta contra a gordura é uma grande batalha destes tempos.

Mas às vezes as notícias em destaque são desalentadoras: nos últimos dias, um estudo de milhares de casos conduzido pela Universidade Harvard constatou que dietas nas quais se confiava não funcionam como se supunha – não emagrecem. Então, quando as esperanças esmorecem, aparece a grande Mãe Ciência. É a era dos comprimidos maravilhosos.

Os anúncios são abundantes. O mais recente, no fim de outubro, veio da Universidade da Califórnia, e do doutor Shingo Kajimura: conseguiram um remédio que ativa a transformação da gordura branca – estática, ruim – em gordura marrom – boa, fácil de se transformar em energia e, portanto, desaparecer Mas nenhum tem a força da evocação – a magia implícita – do que fez, há alguns meses, Ronald Evans, do Instituto Salk, também na Califórnia.

Seu medicamento, a fexaramina, que despertou tantas expectativas e logo será testada em macacos, faz com que o corpo acredite que comeu como um porco e, então, se dedique a metabolizar essa comida imaginária; a consumir suas gorduras, suas reservas, sem o menor esforço, como qualquer faminto.

Os remédios servem para enganar o corpo, fazê-lo crer que não dói o que de fato dói, que tem uma energia ou bem-estar ou pH que não tem. Até o fazem acreditar que fez algo que não fez para fazer com que faça algo que não faria. E propõem uma solução que não atue sobre as causas, mas sobre as consequências: não coma menos, não coma melhor, coma como sempre, mas tome uma pílula com o café.

É a magia de um procedimento que consegue o que todos gostaríamos: desvincular causas e efeitos, romper com essa ideia moral de que as coisas são conseguidas com esforço, que são o resultado de um esforço. Graças à Mãe Ciência não será necessário tomar cuidado com o que se come, nem tampouco melhorar a alimentação de milhões: o corpo próprio e o corpo social se ajeitarão com soluções mágicas. É um mito que sempre existiu: em castelhano se chamava Jauja (o paraíso), e continuamos buscando-o. Se não acreditássemos nele, ainda passaríamos fome, como aqueles ancestrais que inventaram a gordura.

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