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A MEMÓRIA DO SABOR
Coluna
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Gustu, o compromisso com a cozinha

Restaurante mostra a essência da despensa da Bolívia e valoriza produtos nunca vistos nos mercados de La Paz

Kamilla Seidler, diante do restaurante Gustu.
Kamilla Seidler, diante do restaurante Gustu.

Sylvan Ruffenach é um chef maduro. Completados os 46 anos, passou por locais de renome, como o Martinez, em Cannes, o Hotel de Palais, em Biarritz, Le Bonne Auberge — o restaurante de Philippe Rostang em Antibes —, o Maison Blanche dos irmãos Pourcel, em Paris, e o Daniel, em Nova York. Há muitas outras referências em uma carreira que já dura 28 anos, mas a mais chamativa é a atual. Há seis meses ele apresentou sua candidatura para ser o segundo da cozinha do Gustu, um pequeno restaurante aberto há pouco mais de dois anos em La Paz, na Bolívia, e desde então ali está... trabalhando como voluntário.

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De qualquer lado que você olhar, o Gustu é um restaurante diferente. Nasceu há dois anos e meio em La Paz como um restaurante-escola para jovens de poucos recursos, promovido pela fundação dinamarquesa Melting Pot. Em menos de um ano ocupava um lugar destacado no escalão latino-americano, posicionando a gastronomia boliviana no mapa das cozinhas que contam. A partir de então, é um atrativo para jovens profissionais que chegam de meio mundo para participar do projeto e completar sua formação.

Um deles é Rodrigo Aguillar, responsável pela produção do restaurante. O guatemalteco de 24 anos é formado em Nova York e se consolidou ao lado de Eneko Atxa nas cozinhas do Azurmendi, o três-estrelas Michelin perto de Bilbao. Ouço parte de sua história e ambições mais imediatas — voltar à Guatemala para conhecer o sortimento de seu país — quando traz à mesa uma espetacular versão de sopa de cebola que mostra o essencial da cozinha do Gustu. Não segue uma receita convencional. A base é uma infusão de coa, uma divertida erva do altiplano, tão concentrada que se mostra densa e potente, mal cobrindo o fundo do prato. Conta com o acréscimo de cebola crocante e alguns nhoques feitos de batata pintabocas (um tipo de batata vermelha), uma das variedades andinas que têm a preferência da cozinha de Kamilla Seidler, a jovem profissional dinamarquesa que dirige o restaurante desde o primeiro dia. É um prato perfeito e surpreendente. Quase tanto como o tartar de llama, outra das referências que distinguem o mais recente menu do Gustu. Temperam a carne suave com flor de camomila, raspas de limão e um tipo de alcaparra feito a partir de flores de sabugueiro. É finalizado com algumas lâminas de tutano, uma finíssima fatia de iucae um arroz crocante. É um desses pratos que justificam uma refeição.

A proposta de Kamilla Seidler chega repleta de surpresas e referências tão estranhas a outras culturas como a coa, a batata pintabocas, o inhame, a flor de sabugueiro, o amaranto, protagonista de outro prato para se levar em conta, a carne de llama, o lagarto branco ou peixes amazônicos como o surubim e o pirarucu. São o resultado do compromisso com a variedade do país, o estímulo aos principais que norteiam o Gustu: só usa produtos bolivianos. O desafio é monumental, quase épico. O restaurante não utiliza nenhum ingrediente produzido, criado ou cultivado fora do país. Nem sequer no bar.

O resultado é uma cozinha vibrante que não trabalha com o receituário tradicional e, no entanto, oferece a proposta mais boliviana do momento. Mostra a essência do sortimento do país e valoriza produtos nunca vistos até há pouco mais de um ano nos mercados de La Paz.

O trabalho da equipe formada por Kamilla Seidler no restaurante e o venezuelano Michelangelo Cestari, à frente dos projetos da fundação, tem consequência. Uma das primeiras foi impulsionar linhas de distribuição que aproximem esses produtos dos mercados. Também fizeram escola. Gabriela Prudencio, uma das primeiras alunas de Gustu, acaba de abrir Propiedad Pública, um pequeno e bem-cuidado restaurante que vale a pena visitar no bairro de San Miguel, enquanto Sebastián Quiroga está a ponto de fazer o mesmo em Ali Pacha, com a ajuda de María Claudia Chura, companheira de empreitada. Não é pouco em um panorama tão estático como o de La Paz.

Por sua vez, Sylvan Ruffenach foi rejeitado como o número 2 na cozinha. Vai encerrar seu voluntariado para dirigir o Ara, restaurante do hotel que a Melting Pot gerencia em Calacoto a partir do início do ano.

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