_
_
_
_

Coppola: “O cinema sem risco é como não fazer amor e querer filhos”

Vencedor do prêmio Princesa de Astúrias das Artes defende a experimentação

Gregorio Belinchón

Francis Ford Coppola não era um defensor de suas raízes italianas. Por isso, não parecia a melhor opção para dirigir O Poderoso Chefão. Não era sequer a primeira. Mas recebeu uma oferta que não poderia recusar, tornou-se um dos líderes da Nova Hollywood, que durou apenas alguns anos até que os mais jovens do movimento, George Lucas e Steven Spielberg, o devoraram, e Coppola transformou-se em um clássico —abandonando qualquer paixão pela experimentação— aos 40 anos... para seu pesar. E até hoje.

Mais informações
O melhor do cinema latino esquenta a 39ª Mostra de São Paulo
O tedioso presente que o filme não conseguiu prever
Cristiano Ronaldo foi vetado do último filme de Scorsese
Terceiro trailer de ‘Star Wars: o despertar da força’

Por isso, o cineasta que participou de uma conferência de imprensa no hotel Reconquista, em Oviedo, Espanha, onde nesta sexta-feira receberá o prêmio Princesa de Astúrias das Artes, parecia o autêntico Coppola. Além de sua alegria pelo prêmio, além dos autógrafos na saída da conferência, quando se recusou a entrar no carro, atravessou a calçada e se divertiu com os fãs, Coppola (Detroit, 1939) deixou uma marca de verdade. E, quando apostou na "experimentação e no risco" como única possibilidade para que o cinema avance criativamente —apesar da "aversão da indústria diante dessas duas possibilidades"—, soava autêntico. "A arte sem risco é como não fazer amor e tentar ter filhos", comentava fazendo referência a Hollywood. E o melhor exemplo é ele mesmo.

Há anos que Francis Ford Coppola vive de seus negócios de turismo, de seus hotéis de luxo espalhados pelo mundo. Mas foi à ruína várias vezes. "Não tinha nenhum problema em arriscar meu próprio dinheiro e também o faria hoje. É melhor do que pedir dinheiro a uma pessoa que nem sequer te respeita. Prefiro ganhá-lo eu mesmo e depois investir em meu próprio trabalho." E por isso seus dois últimos filmes consistiram em um drama rodado em Buenos Aires (Tetro) e um de terror no qual utilizou em 3D em algumas sequências e o protagonista vivia entre a realidade e os sonhos (Virgínia). "O que me atrai no cinema é seu componente mágico, queria criar nesse mundo." Influenciado pelos cineastas que viu quando criança nos anos cinquenta, tanto norte-americanos quanto europeus, ele compreendeu que o risco tinha de fazer parte de seu estilo. "Hoje não vejo esse risco no cardápio dos grandes estúdios, e como criador você deve apostar em obras pessoais, únicas", não em histórias que podem ser contadas por qualquer um. "Se fizermos algo que parece interessante, é possível que alguém acabe gostando."

Nesse risco que defende agora, encontra-se seu mais recente trabalho, Distant Vision, um média-metragem de 52 minutos produzido em meados deste ano nos EUA e projetado em uma faculdade em Oklahoma, com alguns dados autobiográficos e filmado em tempo real. Coppola batizou o projeto de Live Cinema, e é por onde quer se aventurar.

Coppola adora falar sobre arte, mas se recusa a comentar seus próximos projetos, “porque deixa o motor sem energia". Não dá nenhuma uma pista sobre seu possível retorno à máfia ítalo-americana —há anos foi anunciado que o filme seria pago por um investidor milionário. "Estou interessado no cinema independente. Floresce ciclicamente e nos proporciona filmes de qualidade", esquivou-se na hora de comentar seus trabalhos. Reconheceu que os anos setenta, sua década mais produtiva, "não foi fácil". Coppola passava de obra-prima a obra-prima mergulhado em uma depressão constante. Qualquer um diria: "É que nem sempre fui um sucesso de crítica e de público, mas acredito em ser paciente, em apostar no trabalho". Disse que na época de Apocalypse Now fala na realidade "da moralidade, não da guerra", o que daria certa unidade temática àquele momento de sua carreira. Sobre O Poderoso Chefão, disse que não conhecia tão bem os Corleone para saber como enfrentariam a atual crise econômica. "Lamento que alguns dos grandes vilões atuais o escolham como seu filme favorito pela atitude fria e pragmática de seus protagonistas."

Coppola afirmou estar pouco interessado na política como elemento germinador do cinema, mas, sim, na corrupção — outro tema recorrente em seus filmes. "É uma doença da qual não se pode sobreviver, é preciso acabar com ela, e é possível. A corrupção é uma forma de mentir, e a mentira é o que permite que um grande país com um grande exército bombardeie outro e diga: somos os mocinhos e os terroristas são os vilões." Assim acabou lembrando da tragédia dos refugiados sírios. "Nunca esquecerei cidades como Alepo ou Palmira na Síria, e a situação atual parece inaceitável."

Faria um filme sobre a corrupção? "Tenho 76 anos. Minha maior preocupação agora é viver o tempo suficiente para filmar os filmes que quero." E foi almoçar, antes de sua palestra na tarde de quinta-feira com estudantes e posterior encontro com o público no Teatro Jovellanos, na cidade de Gijón.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_