Cunha ganha tempo com manobra que adia ação contra ele na Câmara
Pode demorar até duas semanas abertura de processo que pode levar à sua cassação
Uma interpretação divergente sobre as regras internas da Câmara dos Deputados deve atrasar em até duas semanas a abertura do processo que analisará um eventual pedido de cassação do mandato do deputado e presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A expectativa era que o conselho começasse a se reunir nesta semana para que os deputados analisassem o pedido de abertura de inquérito apresentado pelo PSOL e pela REDE.
Porém, a Secretaria da Mesa Diretora, órgão subordinado ao presidente da Casa entendeu que, ao invés de três dias úteis, ou três sessões quaisquer, deveria esperar três sessões ordinárias desde a data em que os pedidos fossem protocolados. Como foram registrados na quinta-feira passada, no entendimento da presidência do Conselho de Ética o processo deveria ser aberto nesta terça-feira. Os aliados de Cunha na Mesa Diretora entenderam, contudo, que a primeira sessão só conta a partir desta terça-feira (dia 20), ou seja, seriam duas sessões nesta semana, mais uma na próxima semana e o prazo burocrático para a devolução do documento.
“Se dependesse de mim, já teria sido aberto. Mas o entendimento da Mesa é diferente”, afirmou o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA). O presidente diz que gostaria de encerrar esse julgamento ainda em 2015, mas os prazos podem ser alongados.
Com a demora, Cunha ganha uma sobrevida na Câmara e, consecutivamente, na presidência da Casa. Na segunda-feira, ele reafirmou que não irá renunciar ao seu cargo sob nenhuma hipótese e que conseguirá provar sua inocência em qualquer foro. Em nota divulgada no site da Câmara, ele disse que jamais recebeu vantagens indevidas no escândalo da Petrobras e criticou o vazamento de informações das investigações.
A situação de Cunha começou a se agravar quando apareceram documentos de um banco suíço, com sua assinatura e cópias de seu passaporte, mostrando que ele e seus familiares tinham ao menos quatro contas correntes naquele país. O Ministério Público local informou que ao menos 24 milhões de dólares foram movimentados por essas contas e enviou toda a documentação para a Procuradoria-Geral da República, que abriu mais um procedimento investigativo contra o parlamentar. Ele já respondia por suposta participação na operação Lava Jato. Além disso, o deputado teria uma frota de carros de luxo, entre eles um Porsche Cayenne (de quase 430.000 reais) em nome de uma de suas empresas, a Jesus.com.
Nenhuma dessas informações constam das declarações que Cunha entregou à Justiça Eleitoral, quando se candidatou ao cargo de deputado, ou à própria Câmara, quando foi empossado. No Tribunal Superior Eleitoral, consta que ele tinha 1,6 milhão de reais em bens. E o único veículo vinculado ao seu nome seria um Toyota Corolla, ano 2007, superestimado em 60.000 reais.
No último dia 13, dois partidos que fazem oposição a Cunha, PSOL e REDE, recolheram 50 assinaturas pedindo a abertura do procedimento no Conselho de Ética. A suspeita não é por corrupção, mas pela quebra de decoro ao mentir durante um depoimento da CPI da Petrobras quando disse que não tinha contas no exterior. Internamente, na Câmara, a situação dele começou a se complicar e até antigos aliados já veem sua situação como insustentável.
Em um primeiro momento, no Conselho de Ética, a avaliação era de que ele teria entre 11 e 14 dos 21 votos a seu favor. Agora, o cálculo é que tenha entre cinco e nove. Para tentar reverter um possível quadro desfavorável, alguns dos aliados mais próximos de Cunha passaram a ocupar vagas de suplentes no órgão. Entre eles estão os peemedebistas Carlos Marun (MS) e Manoel Júnior (PB). Em princípio, eles não têm direito a voto, mas na ausência de um titular podem assumir a vaga e se posicionarem a favor do correligionário.
À espera do adversário
As movimentações nos bastidores da Câmara se intensificaram também ao ponto de se discutir possíveis sucessores de Cunha. Ao menos três partidos, PSOL, PSDB e o próprio PMDB, já debatem quem seriam os candidatos caso o parlamentar carioca perca seu cargo. Paralelamente, segue a hesitação dos partidos de oposição em condenar abertamente o deputado, de quem dependem para levar adiante um pedido de impeachment. Nesta terça, as siglas voltaram a falar em afastamento de Cunha, mas sem pedir a cassação. Já o Governo também oscila: enquanto comemora o enfraquecimento de Cunha e, por consequência seu poder de fogo para dar início a um processo de destituição, depende de uma Câmara operante para tentar aprovar algumas das medidas relacionadas ao ajuste fiscal.
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