O primeiro milhão num ano de crise
Tiago Piedade largou o direito para virar investidor profissional no turbulento ano de 2008

Ao completar 18 anos, Tiago Piedade ganharia um carro de seu pai. Ele escolheu, contudo, receber o valor do automóvel em dinheiro, montante que na época era de 20.000 reais. A escolha foi natural para ele, que vem de uma família de profissionais do mercado financeiro e cresceu rodeado de jargões que não fazem o menor sentido para a grande maioria dos brasileiros. Na época, tinha acabado de ingressar na faculdade de direito, mas já nutria um gosto especial pelo mundo das ações listadas na bolsa de valores.
A primeira aplicação foi feita de uma forma que hoje reconhece como “muito errada”. Quer dizer, é controversa, já que quebra uma regra básica que todo investidor segue: nunca colocar todos os ovos em uma mesma cesta. “Apliquei os 20 mil reais em um único fundo, de um banco, cujo benchmark (indicador de desemprenho) era o Ibovespa”. Na ocasião, o ano de 2000, o Ibovespa estava na casa dos 11.000 pontos. Três anos depois, foi para 22.000 pontos. “Ou seja, dobrei meu investimento. Resgatei quase 40.000, pois paguei imposto, e comprei um carro de 20.000, aplicando o resto no mercado novamente. Desta vez, em um grupo de quatro ações que eu escolhi”, relata. Desta forma, economizaria até a taxa de administração cobrada por gestores de fundos no mercado.
De 2004 a 2008, o Ibovespa só se valorizou, ainda que com uma certa volatilidade. Nesse intervalo, o benchmark subiu quase 300%, lembra Piedade. “Era muito fácil ganhar dinheiro na época, pois a economia estava crescendo e as empresas acompanhando esse movimento”, explica.
Em setembro de 2008, um mês após Piedade ter completado 25 anos, eclodiu a crise financeira do subprime (crédito sem lastro) nos Estados Unidos, derrubando as bolsas do mundo todo. Naquele ano, Piedade tinha acabado de atingir a marca mais importante para qualquer investidor: o primeiro milhão.
“Antes, era só deixar o dinheiro parado para fazê-lo render. As pessoas não estavam acostumadas com uma volatilidade tão forte. A bolsa despencou. Para mim, foi ótimo, pois as ações estavam cotadas a preços bem baixos, cerca 40% menos do preço que deveriam. Quem consegue perceber essa distorção ganha”, afirma. “A crise não é negativa. É apenas uma correção de preços, que um dia subiram exageradamente. Depois caem exageradamente, até que voltam a atingir um preço mais de acordo com a realidade”, complementa.

Aos 25 anos, decidiu largar o emprego num escritório e viver como investidor profissional, especulando no mercado. Também foi buscar formação formal na área, matriculando-se no curso de ciências econômicas. Fez cursos de extensão sobre o mercado de capitais e tirou certificados que lhe permitiram administrar carteira de terceiros.
Na ocasião, tinha um apartamento no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro, e outro em Laranjeiras, que alugava para terceiros. “Comprei para diversificar investimentos”. Em 2011, vendeu os dois, aproveitando o boom do mercado imobiliário. Hoje, mora em imóvel alugado. A lógica é “simples”, conforme ele destaca. “Na renda fixa, eu consigo uma rentabilidade de 1,2% por mês. O aluguel de um apartamento não tem gerado mais de 0,4% do valor do imóvel por mês. Vale mais a pena morar num lugar alugado do que possuir um imóvel”, justifica. O que Piedade investe no mercado imobiliário hoje é feito somente por meio de fundo, listado em bolsa (um FII).
A estratégia de variar aplicações em segmentos diferentes foi ganhando força com o tempo. Deixava 30% do patrimônio em ações na bolsa e o resto dividia na chamada “renda fixa”, como títulos públicos e imóveis. Hoje, esse percentual é de 10% em ações e 90% em renda fixa. “Com os juros altos, os títulos públicos estão pagando muito bem. A perda de credibilidade do governo também ajuda. Os investidores passam a cobrar prêmios maiores para comprar dívida publica”, pondera. Este ano, preferiu ficar mais de fora do mercado de ações porque com o tempo “aprendeu a ficar mais cauteloso”. Piedade, que hoje é dono da GNT Investimentos, de agentes autônomos de investimento. Não revela quanto esta crise econômica lhe rendeu até o momento, mas garante que a estratégia que escolheu “tem dado muito certo”. Só se arrepende de não ter apostado em fundos cambiais quando o dólar estava começado a subir. “Perdi o timing. Mas não dá para acertar sempre”, brinca.