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Contra a moda dos food trucks

Na Espanha, o que a maioria deles precisaria é de uma rígida inspeção gastronômica

Em 1926 já havia food trucks. Antes, também.
Em 1926 já havia food trucks. Antes, também.RICHARD J. S. GUTMAN

Corria o ano de 1872 quando passou pela cabeça de Walter Scott que podia vender doces e sanduíches pelas ruas de Providence (Rhode Island) em uma carroça. “Era uma boa ideia, já que no século XIX os restaurantes dos Estados Unidos fechavam às 20h e, além disso, Walter podia ir onde estivessem seus clientes”, afirma Richard J. S. Gutman, diretor e curador do Museu de Artes Culinárias da Johnson & Wales University de Providence, e um dos maiores especialistas em food trucks do mundo.

Pouco a pouco a carroça foi substituída por um caminhão, a ideia se expandiu a outras cidades e a oferta gastronômica se sofisticou até que, em 2008, Kogi’s Roy Choi conquista Los Angeles com seus tacos de churrasco asiático, fato que marca o nascimento dos food trucks atuais.

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Na Espanha, o furor começa em meados de 2013 e acontece com todas as características de uma bolha gastronômica. Sem ordem nem boa disposição, mas com excesso de modismo e intrusão. O que demorou quase 150 anos para se consolidar na cultura gastronômica popular dos Estados Unidos, na Espanha foi assimilado em um ano e meio. Hoje não há hipster que não suje a barba com as salsichas que um pessoal sem experiência em gastronomia despacha da janelinha de algum trailer muito chique.

O glamour é que estraga tudo. A primeira coisa que detesto da forma como os food trucks estão se expandindo por nossas ruas é seu aspecto super brilhante. Muito diferente do que acontece do outro lado do Atlântico: “há caminhões clássicos cujos proprietários se ofenderiam se alguém lhe dissesse que querem uma clientela hipster”, diz Gutman.

Não vou negar, minha experiência com os food trucks é bem negativa. Salvo exceções contadas nos dedos de uma mão, em geral eram locais excessivamente cheios, com comida simplória, mal feita e com preço alto. É possível atribuir isso à falta de profissionalismo dos organizadores e de alguns proprietários de food trucks?

Pedro G. Asensio, coproprietário de um dos trailers que valem a pena e cozinheiro de longa data, confirma que “há dois tipos: os profissionais da gastronomia que nos colocamos sobre rodas e amadores que montam food trucks porque sua tortilla de batatas fica boa”. Pedro, a bordo de seu Kraken, oferece petiscos de lula extraordinários.

Se a intrusão e a preocupação com a forma mais do que com o conteúdo são incômodas, o mais grave é a falta de legislação. Em determinados conjuntos de food trucks as etapas da cadeia de frios não são respeitadas e caixas de alimentos crus ficam sob o sol do meio-dia, sem se levar em conta que podem se tornar culturas bacteriológicos letais.

“Há trailers a partir de 1.000 euros [cerca de 4 mil reais], mas que não permitem um bom trabalho. Um food truck deve ter em seu interior câmaras frigoríficas, água e todo o necessário para servir ao cliente em condições higiênicas”, diz Vincenzo Cavallaro, proprietário do Na Madrona Prepara la Pasta, um autêntico food truck no qual investiu mais de 80.000 euros [320.000 reais] e onde serve deliciosas porções de massa com molhos frescos, como arancini, panna cota e outras delícias italianas. Vincenzo, além disso, é cozinheiro com restaurante fixo em Caldes de Montbui (Barcelona) e um dos fundadores da Associação Catalã de Food Trucks, organização que busca regularizar este segmento.

Marca aproveita uma feira de food trucks
Marca aproveita uma feira de food trucksJORDI LUQUE

Richard J. S. Gutman nos conta que nos Estados Unidos “os food trucks estão sujeitos às mesmas normas de segurança e saúde que os restaurantes convencionais e, sem dúvida, isso exige uma licença”.

Apesar de tudo, este verão tivemos mais ocasiões do que nunca para que um food truck atropelasse nosso estômago. Determinadas marcas – a cervejeira que patrocina tudo na Catalunha e uma outra de iogurtes com superpoderes – estão promovendo as concentrações. Devem ser consideradas um suculento ponto de contato com seu público. Nas palavras – que reproduzo – de nossa critica gastronômica, Mónica Escudero, se tornaram “campos de concentração para consumidores” que podem fazer filas de uma hora para conseguir uma porção de macarrão tailandês regular. Outro ponto negativo: o interesse em ter um público cativo em um espaço fechado que continuará vivo enquanto houver marcas e organizadores que tirem partido disso.

Cabe perguntar, como fez David Valdívia, o que se considera um food truck. Porque, mais do que isso, o que não falta na Espanha é a pantomima gastronômica sobre rodas, propiciada pela falta de escrúpulos de alguns e pelo descaso de uma administração que vira as costas a um fenômeno que, bem regulamentado, seria realmente uma festa.

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