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Por que a gente deixa de fazer o que gosta em nome do amor?

Sequência de ‘Pequeno Dicionário Amoroso’, de Sandra Werneck, chega aos cinemas Filme faz pensar por que as pessoas desistem dos sonhos, diante e detrás das telas

Gabriel (Daniel Dantas) e Luiza (André Beltrão) no segundo filme.
Gabriel (Daniel Dantas) e Luiza (André Beltrão) no segundo filme.Reprodução

“O amor dura 70 dias ou 32 cópulas, o que vier primeiro”, argumenta em plena corte o ator José Wilker, no papel de um advogado que trata da separação de um casal em Pequeno Dicionário Amoroso. O filme – lançado em 1996 com direção de Sandra Werneck e que se tornou símbolo da retomada da produção cinematográfica no país – acaba de ganhar uma continuação em que muito sobre as relações amorosas foi atualizado, mas não a ideia de que o amor, nos moldes românticos, é uma busca fadada ao fracasso.

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Na tela, vemos o reencontro de Luiza (Andrea Beltrão) e Gabriel (Daniel Dantas), mais de 15 anos depois de um casamento que terminou, mas que ainda desperta carinho, boas risadas e um breve ataque de paixão. Assim é como os dois se reencontram: novamente com a desculpa de um enterro, mais maduros e já com filhos, para viver um breve relacionamento. Nele, depois de ter experimentado uma série de fracassos, o casal até se diverte, mas não vai além de confirmar que muitos de nós abandonam seus sonhos em nome de parceiros idealizados. Conclusão? O melhor é mesmo ficar sozinho.

Os filhos de ambos representam a dose de atualização da franquia. Na casa dos 20, Alice (filha dele) é bissexual e adepta do amor livre, conceito que termina por frustrá-la quando sua proposta de relacionamento a três, com uma menina e um menino de quem ela gosta de igual maneira, naufraga por ciúmes. Já Pedro (filho dela), um menino meio solitário de apenas 13 anos, adentra a adolescência em tempos de pornografia online e chats que promovem encontros (potencialmente perigosos) com estranhos às escuras e não tira maior proveito disso.

Desilusão
O casal Gabriel e Luiza no primeiro filme.
O casal Gabriel e Luiza no primeiro filme.Reprodução

O primeiro filme desperta carinho em muitos espectadores que, sobretudo em meio à mingua de longas-metragens brasileiros nos 90, simpatizaram com uma das raras (à época) comédias românticas nacionais. Fez 400.000 espectadores apoiado no frescor de boas atuações, ainda que um pouco caricatas, de atores globais e até da fórmula dos capítulos definidos a partir de verbetes – inspirada no clássico do filósofo e sociólogo Roland Barthes sobre o tema, Fragmentos de um discurso amoroso.

Em Pequeno dicionário amoroso 2, codirigido por Mauro Frias, os verbetes – “biscate”, “caça”, “fardo”, “jogo” e “paranoia”, entre outros – estão presentes, porém, mais do que discursar sobre a dinâmica dos casais, se concentram em mostrar que ninguém está satisfeito. E o fazem de uma maneira superficial, com esquetes que não aprofundam nenhum personagem – aqui interpretados com muito menos frescor. O resultado, ainda que não almeje nenhum tratado com a mesma profundidade de Barthes, é excessivamente superficial. As ações de Luiza e Gabriel, mais velhos, e das pessoas ao redor deles, jovens mas também desiludidos, são mais radicais (envolvem tolerância à traição, poliamor e conversas diretas sobre qualquer tema), mas seus corações são mais vazios.

Em um depoimento de Sandra Werneck ao EL PAÍS, quando a sequência foi anunciada, a diretora comentou que fazer cinema no Brasil, ainda que seja mais fácil hoje do que já foi, é uma atividade que pode ser menos apaixonante – na visão dela, dada a complicação das grandes equipes e dos orçamentos inchados que afastam o diretor de um trabalho mais íntimo e artesanal no set. Ao parecer, Werneck, que dirigiu sucessos como Cazuza – O tempo não para, eleito o melhor longa-metragem de 2004 pela Academia Brasileira de Cinema, também desistiu de desafios cinematográficos mais sedutores – como alguém que desiste das complicações do amor.

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