Dezenas de medalhistas olímpicos sob suspeita de doping
Relatório da Federação de Atletismo questiona mais de 800 atletas, 55 deles premiados
12.000 análises de sangue, de 5.000 atletas. É a base de dados da IAAF (Federação Internacional de Atletismo, na sigla em inglês) a que tiveram acesso a rede de TV alemã ADR e o jornal britânico The Sunday Times. Uma bomba que pode explodir com intensidade suficiente para se tornar o maior escândalo de doping, duas semanas antes do início do Mundial de Atletismo de Pequim (China). Os dados aos quais os meios de comunicação tiveram acesso foram analisados, por recomendação das mesmas pessoas que os vazaram, por dois dos maiores especialistas em antidoping, os cientistas Robin Parisotto e Michael Ashenden. Este último assegura que as informações mostram que o atletismo está na mesma “posição diabólica” que o ciclismo na época de Lance Armstrong, quando, segundo as autoridades norte-americanas, a equipe dele “pôs em marcha o programa de doping mais sofisticado, profissionalizado e bem-sucedido que o esporte conheceu em sua história”.
A base de dados revela que um terço das medalhas dos Jogos e Mundiais disputados entre 2001 e 2012 foram conseguidas por atletas cujos exames de sangue mostram valores suspeitos. Ou seja, indicam o possível consumo de substâncias ilegais para melhorar o desempenho. São 146 medalhas sob suspeita, 55 delas de ouro. Os dados também revelam que mais de 800 atletas têm valores “altamente suspeitos de doping ou pelo menos anormais”. Entre eles não está Usain Bolt. Nem Mo Farah, que recentemente foi interrogado por membros da agência antidoping dos EUA devido a seu relacionamento como o treinador Alberto Salazar, que está no centro de diversas investigações por supostamente ministrar substâncias proibidas.
Os dados divulgados indicam que 10 medalhas dos Jogos de Londres foram conseguidas por atletas com valores duvidosos no sangue. A Rússia, segundo as reportagens, é o epicentro mundial das suspeitas, porque mais de 80% de seus atletas teriam conquistado medalhas de forma duvidosa. O jornal britânico destaca que 415 suspeitos são atletas russos e 77, quenianos. As federações de ambos países negaram as acusações, que atribuem a uma “campanha de difamação”. Há um aumento, sempre de acordo com o relatório, das transfusões de sangue e do uso de minidoses do hormônio eritropoetina (EPO) para aumentar a quantidade de glóbulos vermelhos, que transportam oxigênio, permitindo assim aumentar a resistência.
Documentário alemão já indicava
A rede de TV alemã ADR transmitiu em dezembro do ano passado um documentário sobre métodos de doping e práticas corruptas em torno da coleta de amostras e da gestão dos resultados. Mostrava a tramitação ineficaz de processos antidoping que envolviam a Rússia, a IAAF, atletas, treinadores, médicos e também o laboratório credenciado com sede em Moscou e a Agência Antidoping da Rússia (Rusada). Isso levou à formação de uma comissão independente, presidida pelo presidente de fundação da AMA, Dick Pound, para investigar a veracidade das revelações.
“Dada a natureza das acusações, que são uma continuação de outras realizadas em dezembro de 2014 pela mesma rede de TV, vamos enviar o documentário a uma comissão independente da AMA para uma investigação em profundidade”, afirmou neste sábado (1º/8) Reedie, presidente da AMA, por meio de um comunicado. Sobre a investigação independente anterior para investigar as acusações não se soube nada.
Uma fonte da AMA (Agência Mundial Antidoping) confirmou a este jornal que a IAAF tinha conhecimento havia anos que na base de dados havia valores hemáticos anormais, mas não agiu. E que agora, ainda segundo a mesma fonte, tenta se escudar no argumento de que a maioria dos dados é anterior ao passaporte biológico. Ele é obrigatório desde 1º de dezembro de 2009; os dados se referem a um período mais extenso (2001 a 2012).
Passaporte biológico
Fontes próximas à IAAF explicaram que a base de dados foi usada para as pesquisas que permitiram implantar o passaporte biológico. E que uma vez que ele entrou em vigor, as análises facilitaram a revelação de alguns casos de doping. O passaporte biológico, que coleta e armazena todos os dados sobre as propriedades e as variáveis no sangue dos atletas, foi introduzido exatamente para determinar os valores hemáticos naturais e não ter que esperar que surja uma anomalia para suspeitar da conduta dos atletas.
A IAAF admite a veracidade dos relatórios divulgados, mas ressalta que se trata de “dados médicos confidenciais e privados que foram obtidos sem consentimento”, razão pela qual ameaça com ações na Justiça. Entretanto, a federação se declara “consciente de que foram formuladas graves acusações a respeito da integridade e competência de seu programa antidoping”.
O presidente da AMA, Craig Reedie, demonstrou sua preocupação em relação ao escândalo. “Estas acusações exigem uma análise exaustiva para determinar se houve descumprimento do Código Mundial Antidoping e, se for o caso, quais ações serão tomadas pela AMA ou por outros organismos", assegurou Reedie. Sebastian Coe, presidente do comitê organizador dos Jogos de Londres e candidato a presidir a IAAF, disse: “Sei que a IAAF leva muito a sério este tipo de acusação, e haverá uma resposta detalhada sobre o tema”.
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