Arte como serviço público
Pinacoteca reúne em SP dez anos do projeto ‘Megafone.net’, de Antoni Abad O trabalho do artista espanhol dá voz aos coletivos marginais, como os motoboys de SP
Nos dias de hoje, tirar o celular do bolso, fazer uma foto e postá-la em redes sociais pode parecer banal. Mas em 2004, quando o artista catalão Antoni Abad teve a ideia de munir motoboys em São Paulo desse aparelhinho aparentemente indefeso, celulares comuns (e seus donos) estavam longe da atual era da selfie. Sua ideia, batizada de Megafone.net, era dar-lhes a voz que não têm no dia a dia, apesar de serem indispensáveis para a cidade, estimulando registros autorais de suas vidas anônimas para compartilhar com o máximo de pessoas. Um ato social de unir tecnologia à arte, que apesar da atual era de superexposição, continua sendo revolucionário.
Neste sábado, o artista pioneiro na exploração de novas tecnologias e no uso plataforma criativa e de pesquisa estreia em São Paulo a exposição que comemora uma década desse projeto. O evento, que fica em cartaz na Pinacoteca até 18 de outubro, reúne fotos, vídeos e registros documentais das diferentes edições do projeto realizado de 2004 a 2014 em países como Espanha, México, Costa Rica, Brasil, Suíça, Colômbia e Argélia, com curadoria de Cristina Bonet, Soledad Gutiérrez e Roc Parés.
A estreia do evento foi em 2014, no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (Macba), e agora chega à cidade que o inspirou. “O nome Megafone.net foi dado pelos próprios motoboys, que à época eram cerca de 220.000 em São Paulo”, disse Abad que sob esse título reuniu os 13 projetos realizados até o aniversário de dez anos. Segundo ele, que falará com o público da Pinacoteca às 11h30, no sábado de abertura da exposição, cinco deles permanecem ativos, incluindo o dos motoboys paulistanos, que constituíram um grupo e continuam publicando em seu canal*MOTOBOY.
Tudo começou com os taxistas da Cidade do México, um coletivo imprescindível para a abarrotada metrópole latino-americana e ao mesmo tempo denegrido e considerado pouco mais do que um conjunto de perigosos meliantes. “Era 2004 e a tecnologia do celular começava a mostrar todo seu potencial, de modo que decidimos utilizá-la no âmbito artístico para dar voz e visibilidade a coletivos que não costumam aparecer nos veículos de comunicação, em um contexto que não fosse negativo”, explicou o artista, lembrando que as publicações no Facebook via celular só começaram a acontecer em 2009.
Depois das primeiras experiências, Abad envolveu os ciganos de Lleida e León e as prostitutas de Madri em sua iniciativa. Em cada caso a estratégia foi a mesma: entregar celulares a um certo número de pessoas de um determinado coletivo marginal e dar-lhes acesso a uma interface na Internet para que publicassem em tempo real textos, fotos e áudios, com o objetivo de contar suas vidas, frequentemente ignoradas e modificar as percepções equivocadas divulgadas pelos veículos de comunicação. “Por um lado, quisemos liberar socialmente os celulares e por outro utilizar o museu como base de ação e o dinheiro destinado à arte para iniciativas de corte mais social”, afirmou o catalão, que ao se lançar na aventura da arte digital, abandonou uma carreira de escultor e videoartista com excelente projeção no mercado da arte.
“Na realidade, ele decidiu investir o capital de prestígio internacional acumulado em seus primeiros 25 anos de trajetória individual”, afirmou o curador Roc Parés. Em Barcelona, a cidade natal de Abad, o projeto foi realizado com 40 pessoas com deficiências motoras e produzido pelo Centro Arts Santa Mònica. “Nas edições anteriores os participantes explicaram sua realidade, mas o Canal Acessível, de Barcelona, se transformou em uma ferramenta para denunciar as barreiras arquitetônicas e os casos de falta de civilidade”, explicou o artista.
O braço espanhol do projeto lhe valeu em 2006 o Prêmio Nacional do Governo da Catalunha e o Golden Nica, a premiação mais prestigiosa das artes eletrônicas, concedida pelo Ars Electronica Center de Linz (Áustria). As pessoas com deficiência também protagonizaram projetos em Genebra e Montreal, mas Abad continuou trabalhando com outros coletivos desfavorecidos: os refugiados saharauis da Argélia, os imigrantes latinos e asiáticos de Nova York e as vítimas do conflito armado colombiano.
Entre os próximos projetos artístico-sociais de Antoni Abad, está o desenvolvimento de um gadget para que pessoas cegas possam publicar seus próprios conteúdos navegando em um mapa desenvolvido especialmente eles. “O ser humano comum costuma percorrer os mesmos caminhos todos os dias, mas, se quiser mudá-los, basta olhar ao seu redor e escolher novas rotas. Os cegos não têm essa possibilidade, por isso estamos trabalhando em um dispositivo que lhes permita se aventurar por uma cidade criando intervenções em um mapa e se guiando por elas”, explica. A previsão é que a ideia seja testada pela primeira vez em setembro, na Austrália.
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