Goleiro Casillas encerra um ciclo de 25 anos de glória no Real Madrid
Clube está disposto a negociar rescisão para facilitar a transferência dele para o Porto
Mari Carmen estava arrumando sua casa em Boadilla, algumas semanas atrás, quando encontrou uma camiseta minúscula, puída pelo uso e manchada pelo tempo. Na altura do peito, à direita, no lugar onde atualmente aparecem os logotipos das multinacionais de roupas esportivas, um farrapo cuidadosamente cerzido; no centro, duas fortificações vermelhas sobre fundo branco; e à esquerda, bem costurado, o escudo triangular com as insígnias heráldicas da cidade de Bilbao e as cores do Athletic. “Esta é a única camiseta de futebol que compramos para ele”, lembra a mãe de Iker Casillas, olhando a peça com uma ponta de pesar. “Ele a colocava com três anos. Quero dar a ele para guardar, porque isto é parte da essência dele.”
As coisas essenciais nunca são demais. José Luis, o pai de Casillas, um agente da Guarda Civil nascido na cidade de Ávila e criado em Bilbao, nunca mais lhe comprou camisas de times. Não foi necessário. O Real Madrid começou a dá-las a Iker a partir dos 9 anos – desde 1991. Durante os 25 anos seguintes, esse foi um ótimo negócio para o clube. Nunca – com exceção de Sanchís – um jogador prata da casa, inscrito no clube desde o dente de leite, ofereceu resultados tão bons para o Real Madrid. Nunca, também, um goleiro trouxe tantos títulos ao Bernabéu. A epopeia está a ponto de terminar de forma inesperada. O Real negocia a rescisão do contrato do goleiro, que duraria até 2017. Segundo fontes do clube, a diretoria está tão convencida de que o melhor é se desligar dele que está disposta a pagar entre 10 e 15 milhões de euros (35,5 a 53,3 milhões de reais) para saldar pelo menos parte da rescisão e liberá-lo. Seu destino parece ser o Porto, que se mostrou disposto a assumir parte das obrigações que caberiam ao Real.
A história de Casillas em Chamartín se aproxima de um final abrupto, mas sua carreira não terminou, e sua marca é indelével. Aos 34 anos, é o jogador com mais vitórias na Liga Espanhola (334); conquistou cinco Ligas, duas Copas do Rei e três Champions, além de duas Eurocopas e uma Copa do Mundo pela seleção. Mas muitos madridistas – aqueles que sempre exigem o sucesso imediato – o repudiaram, convencidos de que as suspeitas levantadas por José Mourinho valiam mais do que uma vida inteira dedicada ao clube.
Mourinho chamava-os de “as ovelhas negras”. Dizia que Casillas, Ramos e, em menor grau, Cristiano, criavam um sentimento contagioso de revolta em campo. Advertia que era um empecilho nefasto para um projeto triunfal. Há numerosos testemunhos das advertências do agitado treinador entre os funcionários e os dirigentes do Madri. O que espanta não é a mensagem em si. É que deixou raízes em muitos dos responsáveis por conduzir o clube, convencidos, segundo confirmam os observadores da Cidade Esportiva de Valdebebas e do Bernabéu, de que era necessário renovar a equipe para obter vitórias. Nem a Décima os fez duvidar. Um ano depois da apoteose em Lisboa, o diretor-geral do clube, José Ángel Sánchez, comunicou a Casillas que estava sendo planejada uma substituição no gol e que seu sucessor seria David de Gea. O novo técnico, Rafa Benítez, tampouco se mostrou especialmente lisonjeiro com o capitão. Foi assim que Casillas, aborrecido por um clima social que também se voltava contra ele, foi procurar outro time. Encontrou o Porto.
Casillas nunca se recuperou da bateria de golpes que recebeu em 2013. A lesão e as suplências geraram tanta ansiedade quanto a crescente onda de vaias que a multidão lhe dedicou. Para alguém que vive da confiança em si mesmo, aquela maré contrária, em sua própria casa, tornou a erosão definitiva. Seus companheiros o viram atravessar meses inteiros como um espectro. Até seu físico mudou. Perdeu peso. Perdeu a ilusão. Perdeu a fé em recuperar o amor da torcida.
Julen Lopetegui, o treinador do Porto, e a pequena comunidade espanhola do clube da foz do Douro, lhe prometeram carinho e apoio. “Precisamos de um goleiro que ganhe partidas”, dizem no vestiário português, onde não faltam ex-empregados do Madrid. Ali Casillas não é considerado um jogador derrotado. Ali lhe proporcionam tudo o que necessita para realizar sua última vontade profissional. Casillas já disse. Quer retirar-se em grande estilo. Jogando a Champions e a Eurocopa pela Espanha. As datas do próximo torneio europeu estão marcadas em vermelho. O capitão da Roja sonha fazer um último esforço por tudo aquilo que realmente sustentou sua vida. Como diria Mari Carmen: “a sua essência”.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.