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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Um convite ao debate

A política de financiamento do BNDES faz parte da política externa do Brasil

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está na boca do povo, mesmo que pouca gente conheça o que ele faz. Nas manifestações pelas ruas do Brasil, no Congresso Nacional, na selva amazônica do Peru ou nas terras baixas da Bolívia, em Buenos Aires ou nas reuniões das maiores empresas nacionais e estrangeiras, o dinheiro que sai dos cofres de um dos mais importantes financiadores do mundo está na pauta. Todos querem saber o destino desses recursos do contribuinte brasileiro.

De norte a sul, de leste a oeste, o BNDES impulsiona a construção de estradas, hidrelétricas e gasodutos no país. A política de financiamento do banco faz parte da política externa do Brasil. Habilita empresas brasileiras, conhecidas por sua capacitação técnica e gerencial, a “internacionalizar-se”, isto é, ganhar competitividade nos mercados além-fronteira.

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O BNDES viabiliza linhas de crédito para essas empresas competirem com suas rivais mundo afora. Exportando bens e serviços nacionais, as construtoras e suas obras têm impacto sobre a geração de empregos, a captação de investimentos, o estímulo ao comércio e à modernização tecnológica e a melhoria das condições de vida da população brasileira.

Na crise financeira de 2008, injetando recursos em obras de grande envergadura econômica e impacto social, o BNDES ajudou a implementar medidas anticíclicas que permitiram ao Brasil sair rapidamente da recessão.

Mas o desenvolvimento do Brasil é inseparável da economia global e, em particular, de nossa vizinhança latino-americana. A América do Sul detém um terço da água potável do mundo; no entanto, regularmente falta água para uso doméstico e na lavoura. Armazena uma das maiores reservas de energia do mundo (hídrica, térmica, solar, eólica, nuclear etc.); mas apagões ainda são comuns. Detém a mais produtiva agropecuária do mundo e jazidas minerais riquíssimas; mesmo assim milhões ainda vivem na miséria.

Transformar as potencialidades do continente em desenvolvimento requer consolidar um espaço regional verdadeiramente integrado e competitivo. Esse é o papel pensado nos últimos anos para o banco, o segundo grande objetivo do BNDES. Desde 2007, já desembolsou 8,5 bilhões de dólares na América Latina em projetos para consolidar malha continental de conexões em setores cruciais: energia, transportes e comunicações.

O Brasil e seu entorno agora enfrentam novo desafio. A economia internacional se recupera lentamente e a América Latina vê reduzirem-se os preços de muitos de seus produtos de exportação. Nessa etapa, o BNDES é mais importante do que nunca.

Menos conhecidos são outros impactos das obras e projetos financiados pelo banco, inevitáveis em se tratando de megaobras de grande escala e envergadura. No Brasil é intenso o debate sobre como compatibilizar desenvolvimento e proteção ambiental; progresso social e preservação da biodiversidade, um de nossos trunfos econômicos e científicos para o futuro. As expectativas em relação à atuação do BNDES nunca foram maiores.

Esse debate torna-se ainda mais urgente no momento em que o Brasil vive uma dupla encruzilhada. Por conta de restrições orçamentárias, o BNDES anunciou revisão de sua política de subsídios e financiamentos. Mas esse esforço será pouco produtivo sem aprofundarmos outro debate, já encampado pelo povo e analistas especializados: como melhorar a governança de nossas instituições públicas e privadas.

Colaborar nesse esforço é o objetivo do BRIO, um dos primeiros watchdogs brasileiros. Um estudo apresentado esta semana lança luz sobre a importância de assegurar que os recursos do BNDES sejam utilizados da forma mais eficaz e transparente. O estudo recolhe informações de ampla gama de fontes públicas e privadas, de cidadãos comuns a autoridades governamentais, em seis países latino-americanos (Argentina, Bolívia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela).

O resultado é uma investigação pormenorizada que busca identificar e iluminar desafios à frente: como melhor estruturar projetos, em particular no que se refere a estudos prévios e de impactos sociais e ambientais.

Essa é tarefa urgente. Bem conhecemos os inconvenientes associados a projetos inadequados. São questionamentos judiciais e controvérsias públicas que se multiplicam, sempre com o mesmo resultado: atrasos na entrega de obras, suspeitas de corrupção e problemas envolvendo a população local. Sem falar no desgaste para a imagem internacional das empresas brasileiras.

Daí a relevância da análise crítica contida no relatório. Apresenta visão pedagógica e construtiva, voltada para fomentar a sustentabilidade econômica, política e socioambiental do trabalho do BNDES. Os primeiros passos já estão sendo dados. Segundo estudos recentes, muitas dessas preocupações foram contempladas, por exemplo, no projeto hidrelétrico no Rio Xingu.

Num momento em que a sociedade brasileira dá-se cada vez mais conta da importância vital da transparência e do diálogo no trato da coisa pública, o BNDES tem todas as condições de dar sua contribuição nesse empenho coletivo de aperfeiçoamento institucional. Como escreveu um técnico do Governo brasileiro em documento enviado ao BRIO, as informações sobre desembolsos do BNDES são “de natureza pública (seja ela ostensiva ou não), cujo acesso é alçado constitucionalmente à categoria de Direito Fundamental”. O debate está lançado. Ganharemos todos com ele.

Fernando Mello é jornalista e é aluno de mestrado na Universidade de Georgetown, em Washington. Em 2013, ganhou o Prêmio de Reportagem em Profundidade, da Sociedade Interamericana de Imprensa.

Marcel F. Biato, diplomata de carreira, tem se concentrado especialmente no estudo de temas relacionados com a América Latina e o Direito Internacional. Mais recentemente foi assessor internacional da Presidência (2003-2010) e embaixador do Brasil na Bolívia (2010-2013).

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