Hiperrealismo no ABC
Giovani Caramello, comparado a Ron Mueck, faz sucesso em São Bernardo e no país
“Parabéns, viu? Orgulho de você representando a nossa cidade”, diz uma mulher de uns 40 anos, ao lado da mãe idosa, ao jovem artista Giovani Caramello. E se despede dele com um leve tapinha nos ombros, antes de deixar a galeria onde suas obras hiperrealistas estão disponíveis para visitação, em São Bernardo. O espaço – uma casa comum em uma rua residencial – é pequeno, mas tem estampado manchetes de cadernos culturais e já recebeu cerca de 500 visitantes desde fevereiro, quando Caramello foi comparado ao hiperrealista mais badalado da atualidade, Ron Mueck.
O mundo das artes tem outros códigos no ABC Paulista. Giovani, aos 24 anos, nascido em Santo André, já goza de uma certa fama que deixaria outros de pele eriçada. No entanto, não é mais que um jovem tímido – e muito talentoso – que se deixou inspirar pela formação da mãe em Artes e descobriu no hiperrealismo um caminho autoral para pôr a mão na massa e deixar seu emprego de modelador digital. Foi alçado a Mueck por acaso, quando alguém viu em suas obras um quê do australiano que levou mais de 400.000 visitantes à Pinacoteca de São Paulo de novembro de 2014 a fevereiro deste ano.
Aceito a comparação com naturalidade, mas acho que não estou nem perto tecnicamente do que ele faz
O cotejo faz sentido: assim como as obras de Mueck, as seis esculturas que marcam a estreia do brasileiro reproduzem figuras humanas à exaustão do detalhe, buscando, no entanto, ir além da mera comparação e transmitir força poética através de emoções emanadas por traços tão fiéis. Caramello já havia exposto as obras no Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa – com uma visitação de mais de 4.500 pessoas – quando a Pinacoteca abrigou a exposição do australiano e, inclusive, sido convidado pela galeria que hoje o representa, a OMA. Mas, inclusive na ausência de outros hiperrealistas no horizonte brasileiro das artes, e, por sorte ou conveniência do timing, o título lhe cai bem. “Aceito a comparação com naturalidade, mas acho que não estou nem perto tecnicamente do que ele faz”, rebate Giovani.
Todas as suas seis obras já foram vendidas para colecionadores de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Segundo o dono da OMA, Thomáz Pacheco, a procura pelo jovem artista se tornou intensa, e os próximos passos a dar são participar de feiras de arte e organizar exposições individuais, como faz a galeria com seus outros representados. “As esculturas mais caras foram vendidas por 6.000 reais e já existe uma boa fila de espera para as próximas”, conta o galerista, de terno e gravata. Satisfeito com sua descoberta, ele planeja deixar o cargo administrativo que ocupa na Volkswagen para se dedicar inteiramente à arte.
Sozinho
Na pequena área dedicada ao acervo da OMA, ficam expostas as esculturas de Giovani Caramello, que medem em média 80 centímetros e pesam de dois a três quilos. Falam, sobretudo, de sensações cotidianas com boa dose de introspecção, como mostram Ansiedade e Oblívio, que impressionam muito mais pela angústia do que pelas rugas.
Sozinho, sua obra mais divulgada, retrata um adolescente que veste uma capa de super-herói pequena para o seu tamanho e tem os ombros caídos, desânimo reforçado pelo olhar perdido. Por que sentimentos tão negativos? “Na arte, quando você transmite felicidade, parece que se perde o interesse. É como um fotógrafo que tira foto de um palhaço alegre: ele nada mais é que um palhaço normal. Mas se ele tirar foto de um palhaço triste, traz um questionamento”, opina.
Autodidata até o último fio de cabelo de suas esculturas, Giovani costuma adaptar a resina brasileira para ter que comprar menos silicone importado. Financia seu trabalho dando aulas de escultura em seu próprio ateliê e aceita encomendas, sempre e quando as obras solicitadas sejam as que ele já começou – e que venderá para determinado comprador, assim que estiverem finalizadas. “Se alguém chegar e falar ‘quero uma peça assim’, aí eu não faço”, explica, revelando que já recusou os pedidos de muitas pessoas querendo reproduções hiperrealistas de si mesmas. Para ele, que promete extrapolar São Bernardo e dar orgulho a todo o país, não é preciso seguir as ideias de outros.
Hiper-esforçado
Pergunta. Como se vira um escultor hiperrealista sozinho, por assim dizer?
Resposta. No colégio, com 14 anos, eu tinha muito interesse em computação gráfica em 3D. Quando me formei, acabei fazendo um curso na área e logo consegui um trabalho de modelador digital. Pra tentar aprimorar minha modelagem tridimensional, eu comecei a fazer a tradicional, que é a escultura. Mas fui além: pegava os materiais e experimentava. Fiz um curso de modelagem com argila, pra começar a entender como funcionava. Quando terminou, eu continuei.
P. Não há outros brasileiros, que se saiba, fazendo o mesmo trabalho. Com quem você conversa mais sobre as suas obras e como aprimora sua técnica?
R. No Brasil, não há quem faça esse tipo de trabalho para galerias. Tem um ou outro que faz pra cinema, teatro... Não tem muito a ver com o que eu faço, só que a técnica é parecida. Cheguei a conversar com alguns profissionais, mas conversei mais com artistas de fora, como o britânico Jamie Salmon e o japonês Kazuhiro Tsuji. E eles me deram algumas dicas. A maior parte delas foi sobre a pintura das peças, que eu não sabia quase nada. Eu mandava fotos, e eles diziam: "Você pode fazer assim, tal...".
P. O que vem agora?
R. Tenho mais de seis obras em mente. Já estou fazendo algumas. Quero me fechar no ateliê pra produzi-las e só sair quando terminar. Uma delas é um autorretrato de corpo inteiro, outra é um menininho de braços cruzados com uma coroinha na cabeça.... Estou ganhando confiança para fazer uma mulher também. Não tinha feito até agora, porque acho mais complicado. É muito sutil.
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