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CECILIA MALMSTRÖM | COMISSÁRIA DE COMÉRCIO DA UE

“Queremos alíquota zero com os EUA, mas com exceções agrárias”

Representante europeia admite que bloco foi pouco transparente no início da negociação

Alejandro Bolaños
A comissária de Comércio da União Europeia, a sueca Cecilia Malmström.
A comissária de Comércio da União Europeia, a sueca Cecilia Malmström.alvaro Garcia

Na sexta-feira, não cabia nem um alfinete a mais na agenda de Cecilia Malmström (Estocolmo, 1968). A nova comissária (ministra) de Comércio da União Europeia se mostrou otimista em Madri sobre a chance de concluir a Rodada Doha do comércio global, mas cautelosa quanto ao diálogo com os países do Mercosul. Entretanto, diante de parlamentares, empresários e veículos de comunicação, ela deixou claro que sua prioridade é resolver a negociação do ambicioso Acordo Comercial e de Investimentos com os Estados Unidos (TTIP, na sigla em inglês), que começou em 2013.

Pergunta. A UE demorou mais de um ano para divulgar ao público qual era o seu mandato para a negociação, o que acabou vazando. E só agora a Comissão começa a revelar qual é a posição inicial da UE em cada assunto. Não diria que, em termos de transparência, a Europa entrou mal na negociação?

Resposta. Começou mal, sim. Foi um erro não publicar o mandato de negociação, e também foi um erro não fazer isso quando já circulava pela Internet. Mas não foi uma falha da Comissão. No Conselho da UE não havia unanimidade. Meu antecessor, o comissário Karel de Gutch, pediu muitas vezes que fosse publicado, e o Conselho se negou. E nesse meio tempo cresceram as suspeitas, a mitologia...

P. Se Barack Obama obtiver agora o mandato reforçado do Congresso dos EUA, a negociação entrará em sua fase decisiva. A Comissão publicará os documentos com os acordos parciais que vão sendo alcançados?

R. Isso dependerá de obtermos um documento definitivo com relação a um tema que seja negociado, porque muitas vezes restam coisas por detalhar. E depende também de os EUA estarem de acordo com publicá-los antecipadamente. Mas vamos ampliar a quantidade de documentos que tornaremos públicos.

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P. O nível médio das tarifas entre ambos os países é baixo, mas em alguns casos, como a importação do tabaco nos EUA, há uma penalização de 350%.

R. E na Europa taxamos em 34% a roupa que vem dos EUA, e 35% os sapatos…

P. Obama estabeleceu como meta obter uma tarifa zero para todas as mercadorias. Acha isso possível?

R. Não em todas as áreas. Haverá uma tarifa quase zero, mas de ambos os lados há sensibilidades especiais no setor agrário. Não poderemos chegar à tarifa zero na carne de vitela, nas aves de granja e alguns outros casos.

P. Os EUA comunicaram alguma exceção à UE?

R. Sim, eles também têm alguma reserva no setor agrário, mas, no resto, o objetivo é a alíquota zero. Isto vai muito além das tarifas, o acesso ao mercado é muito importante. OS EUA são muito fechados em alguns setores, e para as empresas espanholas seria ótimo poder entrar em setores como as telecomunicações ou o tráfego marítimo. E há também a ideia de coordenar a regulação.

P. Os EUA têm uma lei (chamada Buy American) que privilegia os produtos norte-americanos em contratos públicos. Renunciarão a isso?

R. Com eleições nos EUA em 2016, não é realista pensar que vão mudar uma norma que tem quase cem anos. O que queremos é uma lista a mais ampla possível de setores que podem receber exceções na lei.

P. As reticências francesas eram conhecidas, mas não a rejeição majoritária da sociedade alemã a um acordo com os EUA.

R. No fim das contas, todos os países da UE precisam dizer sim ao acordo. Isso vale para a Alemanha, para Malta ou para a Eslovênia.

P. A Alemanha não é um país a mais...

R. A chanceler [primeira-ministra] alemã, Angela Merkel, já disse muito claramente que deseja um acordo. Eu tenho a responsabilidade de entabular um diálogo com a sociedade alemã. Mas é o Governo que precisa convencer os seus cidadãos.

P. O temor é de que a negociação comercial debilite os controles ambientais, de segurança alimentar ou do âmbito trabalhista. Será incorporada alguma blindagem específica para esses temas?

R. Queremos fazer algum tipo de declaração conjunta com os norte-americanos, porque é muito importante também para eles. No mandato negociador europeu está muito claro que não serão rebaixados os parâmetros jurídicos. E, sempre que a UE negocia, os serviços sociais que não estão abertos à concorrência privada em um país, como a educação e a saúde, ficam excluídos.

P. Os sistemas jurídicos dos EUA e da UE são os que mais dão garantias para o investimento privado. É necessário o tribunal de arbitragem, que permita às empresas litigar com os Estados fora do sistema ordinário?

R. Há casos, com muito dinheiro em jogo, de discriminação, de nacionalizações, de mudança de autorizações com o jogo em andamento... Aí as empresas europeias não estão protegidas pela lei norte-americana, que não proíbe discriminar [companhias por causa da sua origem]. Nesses casos, muitíssimo limitados, deve haver a possibilidade de recorrer ao tribunal de arbitragem.

P. Mas houve casos de uso abusivo das arbitragens. Como evitar isso?

R. No acordo comercial que assinamos recentemente com o Canadá já se dava mais transparência ao processo. É possível fazer mais na escolha dos árbitros, como publicar uma lista oficial de juízes, e ficará mais limitado em quais casos há a possibilidade de recorrer à arbitragem. Não deve considerá-lo como um tribunal secreto para VIPs, e sim como uma arbitragem para casos muito específicos.

P. Os EUA rejeitam incluir a regulação bancária na negociação. Eles acham a regra europeia fraca demais?

R. O que queremos é discutir sobre como cooperar dentro das obrigações que exigem de nós em outros fóruns, como o G-20, mas o Departamento do Tesouro considerou que o que queríamos era harmonizar a regulação, e não é assim.

P. Cogitou-se reconhecer mutuamente qualquer tipo de autorização quando o nível de proteção for semelhante. Essa ambição inicial está sendo cumprida?

R. É um dos capítulos nos quais mais se tem avançado.

P. E, para o futuro, há o desejo de coordenar num fórum o processo prévio à formulação de novas normas nos EUA e na UE. Desse modo não ficaria condicionada a elaboração das leis antes que os Parlamentos se pronunciem?

R. Há muitos interesses comuns, exista esse fórum ou não, e vamos tentar fazê-lo o mais aberto possível para que se discuta, se compartilhem experiências, sejam feitas propostas, mas não é para fazer leis, isso cabe aos Parlamentos.

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