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A UE volta ao ataque na América Latina

O bloco, que fez pactos comerciais com nove países da região em 2013, quer ampliar os do Chile e firmar um acordo com o Mercosul

Alejandro Rebossio
Dilma e Barroso, em Brasília em julho.
Dilma e Barroso, em Brasília em julho.F. BIZERRA, JR. (EFE)

Em julho passado três líderes mundiais visitaram vários países latino-americanos: os presidentes da China, Xi Jinping, da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe. Ficaram evidentes as fortes relações que a China teceu nas terras latino-americanas desde o começo deste século, a decisão russa de seguir seus passos e o desejo japonês de não ficar para trás. Ao mesmo tempo, a União Europeia (UE) começa a mover suas fichas no mesmo tabuleiro. Fez um acordo de associação (livre-comércio de bens, abertura de serviços, investimentos e compras governamentais) com o Equador de Rafael Correa, que cinco anos antes havia fechado a negociação. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, viajou também para o Brasil e pediu que fossem finalizados os 15 anos de negociação do tratado entre a UE e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela).

Desde 2013, além do pacto com o Equador, entraram em vigor acordos de associação entre Bruxelas e oito países latino-americanos: os seis centro-americanos, incluindo a Nicarágua e El Salvador – membros da Aliança Bolivariana da Venezuela, Bolívia, Cuba, Equador e quatro países caribenhos – e dois membros da Aliança do Pacífico, Colômbia e Peru. Os países da UE já tinham tratados de livre comércio (TLC) com os outros integrantes da aliança em vigor: México (2000) e Chile (2003), e uma associação com o Cariforo (2009), integrado por 15 países caribenhos, incluindo a República Dominicana. Bruxelas iniciou contatos para ampliar os pactos com o México e o Chile, mas está mais avançado com o país da América do Norte.

Gráfico dos acordos entre América Latina e União Europeia (em espanhol)
Gráfico dos acordos entre América Latina e União Europeia (em espanhol)

A UE possui acordos de livre-comércio com 11 dos 19 países da região e dentro de um ano e meio ou dois chegará a 12, quando entrar em vigor o convênio com o Equador. Mas ainda falta o Mercosul, que representa 58,6% da economia latino-americana. Os EUA também liberalizaram quase ao mesmo tempo o comércio com 11 países da região, mas não negociou com o Equador. A China só tem TLC com o Chile, Peru e Costa Rica, mas se converteu no primeiro sócio comercial não apenas desses dois países sul-americanos, mas também do Brasil e da Venezuela, e no segundo da Argentina e da Colômbia.

"A UE e o Mercosul são noivos há 15 anos. Não será o momento de oficializar essa relação?", disse Barroso depois de se reunir com a presidenta brasileira, Dilma Rousseff. Não existe outro país ou bloco que mantenha uma negociação tão avançada com o Mercosul como a UE. "Estudos independentes demonstram que um acordo com a UE representaria para os países do Mercosul um aumento de suas exportações para a Europa próximo aos 40%", argumentou Barroso.

Entre 2009 e 2013, as exportações latino-americanas para a UE que mais cresceram em termos porcentuais foram as do Paraguai (200%), Bolívia (150%), Cuba (100%), Colômbia (92,5%), México (71,5%) e Peru (65,6%), enquanto que diminuíram as da Venezuela (-12,8%) e Argentina (-1,2%), e ficaram estancadas as de El Salvador e Panamá, também cresceram as de Honduras e do Chile (ambos ao redor de 20%), que deslocou a Argentina como terceiro sócio da UE na América Latina. As exportações do Brasil, o maior sócio, mais do que o México, cresceram 26,4%. As vendas europeias cresceram mais rápido para o Paraguai, Uruguai, Peru, Bolívia, Equador e Argentina, que desde 2012 impôs travas às importações de todas as origens.

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Barroso disse que na UE "sabem" que "o Brasil quer avançar em direção a um acordo comercial", mas "não decide sozinho e os ritmos dos outros membros do Mercosul são diferentes". Apontou para a Argentina de Cristina Kirchner e não para a Venezuela. Este país incorporado ao Mercosul em 2012 adotará o acordo alfandegário externo comum em 2016 e não participa das conversas com a UE. Se for concretizado o acordo, poderia se somar.

Barroso finalizou sua visita ao Brasil com declarações polêmicas: "Parece absurdo que a UE tenha acordos de livre comércio com o mundo inteiro, menos com o Brasil. Trouxe a Dilma e ao Brasil uma mensagem: vamos fazer um acordo UE-Brasil." Nunca antes havia apoiado um pacto direto com algum de seus membros.

Funcionários do governo argentino responderam no jornal argentino Buenos Aires Económico (BAE): "Esta é uma clara tentativa de romper o Mercosul, porque não têm um plano para o bloco que sirva a seus interesses escravizantes. É incrível como Barroso diz isto, quando estamos em negociações entre os dois blocos. Está querendo recuar em tudo que foi avançado até o momento, que havia sido muito se compararmos com os últimos anos." Mas a UE quer uma troca de ofertas com o Mercosul em setembro e outubro, embora a renovação da Comissão Europeia em novembro, as eleições presidenciais de Brasil em 5 de outubro e a crise da dívida da Argentina poderão dilatar a negociação.

Empresários do gigante sul-americano pressionam Rousseff para negociar porque acham que a exportação de alimentos e manufaturas para a UE irá substituir os degastados motores de crescimento do passado recente: as matérias primas e o consumo interno. Também pesa a rede de acordos bilaterais que países e blocos assinaram nos últimos anos e que podem marginalizar produtos do Brasil ou da Argentina em certos mercados. Um acordo com a Europa não significaria a ambos países uma avalanche de manufaturas baratas, mas coloca em risco setores como o de autopeças.

Na região da Comunidade Andina, Bruxelas só conseguiu avanços com a Colômbia e o Peru

A UE tinha tentado negociar um pacto com a quase desaparecida Comunidade Andina, mas avançou primeiro só com a Colômbia e o Peru. Não há contatos com a Bolívia. Por que o Equador mudou? O modelo econômico de Correa, assim como o de Evo Morales, é diferente do da Venezuela: contas fiscais um pouco mais organizadas e menor intervenção na economia.

O Equador, cujo 30% das exportações à UE são de bananas, via como seus concorrentes no mercado desta fruta – Colômbia, Costa Rica e Panamá – podiam ganhar terreno. No final de 2014, Bruxelas previa tirar de Quito as preferências tarifárias pela subida da renda per capita equatoriana, e isso faria com que as vendas de atum, camarão, flores e outros produtos pagassem taxas no valor de 240 milhões de euros (728 milhões de reais) anuais.

Correa quer investimento estrangeiro para mudar a base produtiva do país andino, dependente do petróleo e outras matérias-primas. A UE alega que os TLC costumam fomentar mais o investimento que o comércio porque oferecem às empresas proteção jurídica e abertura ao intercâmbio. Entre 2001 e 2013, o investimento estrangeiro acumulado como porcentagem do PIB subiu no Chile, Colômbia, México e Peru, mas também no Brasil, principal receptor de capital estrangeiro na região. Por outro lado, retrocedeu na Argentina, Equador e Venezuela.

Barroso irritou a Argentina ao propor um acordo direto entre a União e o Brasil

As empresas europeias defendem os TLC porque brigam pelo mercado latino-americano com rivais locais, dos Estados Unidos, China e Rússia. Desde 2000, a UE se manteve como fornecedor e comprador de mais de 10% do comércio latino-americano, enquanto que a China escalou de uma porção residual a pouco menos do que importa a Europa da região e inclusive mais do que exportam os 28 países membros da UE.

Os EUA passaram de ser o destino de mais de 60% das exportações latino-americanas a menos de 40% e deixaram de fornecer a metade das importações do subcontinente, somam apenas 30%. O investimento chinês cresce, mas ainda representa uma porção menor do capital estrangeiro que chega à América Latina: 5% em 2012, ao redor da metade do que chega dos EUA e 1/8 do que vem da UE. A Rússia ainda significa pouco na região, mas vai importar mais alimentos desta zona para compensar o que decidiu não comprar dos EUA e da UE, e tenta, assim como a China, ganhar contratos públicos oferecendo financiamento, algo que nem os EUA, nem a UE têm na carteira.

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